Quatro anarquistas que residem no Rio de Janeiro responderam a pergunta. Confira abaixo. O decreto de intervenção militar na segurança pública no Estado foi assinado no dia 16 de fevereiro pelo presidente MichelTemer.
“Ela é antes uma ameaça a vida”
A intervenção militar no Rio de Janeiro é apenas a extensão da política que vem sendo, nos últimos dez anos, praticada mais objetivamente nas favelas da capital. O que era uma particularidade aplicável a aéreas periféricas, contra as “classes perigosas”, agora se dissemina para toda a cidade e arredores. Quando das ocupações do Complexo do Alemão (2010) e da Maré (2014) o escândalo foi menor, pois os alvos preferenciais ou exclusivos eram negros e pobres. Ainda que a atual intervenção militar tenha razões conjunturais próprias, muito evidentes em um ano eleitoral, ela não é menos genocida e racista. Seus alvos prioritários denunciam a longevidade das suas verdadeiras razões. Quanto ao Exército, que após a Guerra do Paraguai (1865-1870) declinou da condição de capitão do mato, ao se recusar a perseguir mulheres e homens escravizados evadidos das fazendas, parece que agora retoma essa tarefa de onde parou. Desprezando esse lapso de tempo, reassume a ignominiosa função ao assediar e eliminar os descendentes dos quilombolas. Se por uma parte, a intervenção é também aspecto relevante do projeto que objetiva a retiradas de direitos, por outra, para os que sequer têm direitos, ela é antes uma ameaça a vida. Os que pensaram e executaram a intervenção são os continuadores de Domingos Jorge Velho. Alexandre Samis (Instituto de Estudos Libertários – IEL)
“Uma articulação entre interesses da indústria armamentistas, partidos políticos”
Há anos a zona metropolitana do Rio de Janeiro é utilizada por sucessivos governos como laboratório de técnicas de repressão por forças policiais e as demais forças armadas em momentos pontuais. O que temos atualmente é um governo totalmente desmoralizado politicamente, um Estado econômica e financeiramente em recessão e diversas organizações mafiosas agindo em diferentes esferas de poder, soma-se a isso a pobreza endêmica de certas zonas da cidade em contraste com a opulência dos bairros mais ricos, muitas vezes vizinhos de muro, favelas e condomínios de luxo convivem lado a lado com desconforto de ambas as partes. A mídia corporativa contribui sobremaneira para a disseminação dos discursos do medo, onde os atingidos pela pobreza são os vilões de sempre. A classe média digere esse discurso e responde em grande parte com apelos à mais repressão aos pobres. Trata-se, portanto, em poucas linhas de uma articulação entre interesses da indústria armamentistas, partidos políticos e uma parcela significativa da população que compra o discurso do medo dos grandes jornais corporativos. Esta articulação culmina no processo de militarização ampla que vemos hoje no Rio de Janeiro. Em resumo, trata-se do “Terror de Estado” onde o mesmo que gera o problema oferece uma “solução”. A finalidade é a ordenação violenta e vertical da sociedade através do discurso da necessidade de repressão das “classes perigosas”. Alberto Ferrer (Liga Anarquista no Rio de Janeiro – Liga-RJ)
“Uma estratégia de preservação política do MDB e aliados”
Resido desde 2011 no Rio de Janeiro, em um bairro (Santa Teresa) onde as trocas de tiros ao lado de casa foram e são constantes. Apesar de ser um “estrangeiro’ na cidade, pelas conversas com a população foi-me possível traçar uma cartografia da violência urbana carioca. Por outro lado, as manifestações de 2013, prolongadas aqui no Rio desde o ataque à Assembleia até a ocupação e ataque à Câmara, trouxeram visibilidade pública à corrupção política e anteciparam o cerco jurídico a Sérgio Cabral e cia. Não vou opinar a partir da posição anarquista que a priori rechaça o Estado, a polícia, a política instituída, etc. etc. e etc. Vou opinar sobre a intervenção a partir da reflexão crítica de um indivíduo comum sobre a conjuntura política. Mais do que uma mudança de foco para desviar o fracasso governista na tentativa de reforma da previdência (como tem sido divulgado por parte da mídia e no que boa parte da população acredita), a intervenção militar deve ser vista como uma estratégia de preservação política do MDB e aliados no Rio de Janeiro. Anunciada com antecedência, assim como as antigas ocupações de UPPs [Unidade de Polícia Pacificadora], permite que os eventuais perseguidos de todos os tipos (políticos, tráfico, milícias, etc.) possam não somente evadir-se do Estado, mas também queimar arquivos – inclusive vivos -, documentos que poderiam comprometer a cúpula fluminense do MDB ainda ativa no governo federal (Moreira Franco, herdeiros do Cunha e do Picciani, à frente). Como sempre será o jovem, geralmente negro das áreas pobres, a sofrer as consequência, saciando a sede de sangue e “vingança” desse enorme segmento dos homens de bem, hoje bolsonarista, ou do “trabalhador”, que vai do proletário pequeno proprietário às classes médias que aplaudem esse circo. Enquanto isso, a politicagem que gravita em torno do MDB ganharia um ano para enfrentar as denúncias do MP [Ministério Público] com o desdobramento dos testemunhos e os possíveis acordos de delação dos investigados já detidos. Essa me parece a encenação política mediada pelo Jungmann [ministro da Segurança Pública] com a cúpula militar, que se encontra, patética, ciente de sua manipulação. Carlo Romani
“É apenas um laboratório para algo que poderá se espalhar para outros estados”
Como integrante da FARJ responderei com base na avaliação da minha organização. Assistimos mais um capítulo deste governo de “choque”, que com o avanço da barbárie neoliberal, recorre a contenção dos de baixo, substituindo a falida política das UPP’s (iniciadas em governos petistas) pela intervenção do Exército e o Ministério da Segurança. Além de garantir a aplicação do Regime de Recuperação Fiscal neoliberal no Estado (vendendo estatais, retirando direitos etc), tenta dar uma sobrevida política ao PMDB nas urnas e garantir o cenário para a aprovação da reforma da previdência (destruição do direito de aposentadoria). A criminalização da pobreza e do protesto nesse sentido andam juntas com a continuidade da política de genocídio da população negra e a tese do inimigo “interno”. Preparam-se para sufocar qualquer forma de resistência popular, vigiando, reprimindo e abafando movimentos populares e organizações políticas. O Rio de Janeiro é apenas um laboratório para algo que poderá se espalhar para outros estados sob o argumento de “guerra ao crime organizado” e a crescente participação reacionária das forças armadas e do judiciário na política nacional. Rafael Viana (Federação Anarquista do Rio de Janeiro – FARJ)
agência de notícias anarquistas-ana
As cores da noite
recamadas de silêncio
preparam o dia.
Eolo Yberê Libera
Excelentes declarações, definem bem o caráter da intervenção militar. Parabéns a todos os companheiros e à ANA. Saudações ao professor Alexandre Samis, em particular. Sempre claro e seguro nas suas posições.