O relato a seguir foi escrito alguns dias após a manifestação “Unir a Direita”, que aconteceu nos dias 11 e 12 de agosto de 2017, em Charlottesville.
Decidimos lançar nossos relatos coletivos no aniversário de seis meses da manifestação, porque acreditamos que, como anarquistas e antifascistas, é crucial para nós nos lembrarmos da nossa história e aprendermos com ela.
Na sexta-feira, nosso grupo chegou a Charlottesville sabendo o que esperar. Estávamos conscientes dos planos da direita alternativa (do inglês, Alt-Right) de fazer uma marcha com tochas na noite anterior ao protesto “Unir a Direita”. Sabendo disso, não tínhamos outra opção, a não ser nos opormos. Como antifascista, nós não “guardamos energia para a grande luta”, é nosso dever nos opor ao fascismo onde e quando for necessário. Outros viajantes, com quem tínhamos entrado em contato sobre os eventos do final de semana, ficaram sabendo da dimensão da manifestação que estávamos esperando na sexta-feira à noite, e consideramos uma derrota tática que poucos antifascistas fossem conosco confrontar o protesto com tochas.
Para aqueles que vieram, esperamos vê-los nas barricadas. Estávamos conscientes do perigo da situação e decidimos que seria melhor conhecer a área e ver se as pessoas locais tinham algum plano, e também decidir a melhor tática para nos opor à manifestação, com tão pouca gente. Descobrimos uma reunião na igreja St. Paul para radicais e progressistas locais. Para obter mais informações e nos unirmos a eles, duas pessoas de nosso grupo foram assistir à reunião. Segue o relato desse encontro nas palavras dos membros que participaram.
A Noite da Marcha com Tochas
A igreja estava conduzindo um treinamento de ação direta não violenta e depois organizaram um sermão inter-religioso realizado por Cornell West fazendo um chamado a mil líderes espirituais para combaterem o protesto de ódio “Unir a Direita”. Tivemos a chance de conhecer um ministro radical local extremamente envolvido na luta em Charlottesville e discutimos sobre as preocupações, planos e necessidades das igrejas quanto aos problemas iminentes. O reverendo nos contou que já haviam divulgado informações pessoais suas, que a igreja já havia recebido diversas ameaças e que nacionalistas brancos estavam tentando se infiltrar.
Havia grande preocupação com a demonstração de força feita com tochas que os neonazistas estavam fazendo muito, muito perto das portas da igreja. Nos oferecemos para ajudar na segurança. O reverendo me respondeu: “Claro, quanto mais ajuda melhor. Mas nós reconhecemos e valorizamos a diversidade de táticas. Talvez o mais importante seja que a marcha nazista seja combatida e interrompida”.
A partir daí, fomos apresentados a outros atores radicais da causa. Foi algo que nos surpreendeu, alguns de nós já estávamos envolvidos há muitos anos na política antifascista e pensamos: “Uau, essa é a primeira vez que recebemos a benção de um reverendo para fazer esse tipo de trabalho”. Alguns de nossos membros voltaram à igreja de tarde para ver como poderíamos ajudar a comunidade local e a grande comunidade da igreja. O Redneck Revolt e vários outros grupos e pessoas haviam montado um perímetro para garantir a segurança física da igreja. A igreja e aqueles que estavam lá corriam grandes riscos, o local estava lotado, não havia lugares para sentar e os grupos paramilitares fascistas empunhavam tochas como armas nas ruas.
Enquanto alguns de nossos membros ficaram na igreja, a maioria do grupo estava explorando a área. Quando os nazistas começaram a se aglomerar na Nameless Field percebemos que não éramos tão numerosos, como esperávamos. Então decidimos que o melhor plano seria encontrá-los na estátua de Thomas Jefferson, o ponto final do protesto e interromper as ações. No total, o número de pessoas contra o grupo nazista era menor que 40; cerca de 15 a 20 antifascistas rondando o cenário e outros 15 a 20 estudantes pacifistas.
Quando a marcha começou, ficamos sabendo que havia entre 250 e 300 nazistas no local, acendendo suas tochas. Os estudantes uniram os braços e rodearam a estátua, entoando e cantando em protesto. O pequeno grupo antifascista os rondava prontos para lutar e defender os manifestantes do grupo nazista que se aproximavam e desciam as escadas em nossa direção. Os nazistas nos rodearam, enquanto gritavam “Os judeus não vão nos substituir, vocês não vão nos substituir”. Eles estavam prontos para matar qualquer um, carregando, além das tochas, garrafas de querosene, latas de gás lacrimogêneo e vários outros tipos de armas. Então eles atacaram e nós lutamos com todas as nossas forças.
Naquela tarde, havíamos notado a polícia rondando a área, até passamos por um grupo de policiais que nos cumprimentou, sem suspeitar de nada. Enquanto esperávamos os nazistas chegarem, um carro da polícia estacionou do outro lado da rua e outro não estava a 100 metros de distância. Durante o enfrentamento, pelo menos quatro policiais estavam a três metros do local, enquanto estudantes sem máscara eram atacados por uma multidão violenta, colérica e empunhando tochas. Mas isso não nos surpreendeu nem um pouco.
Sabemos que o conceito de “polícia” apoia os propósitos da supremacia branca, e com isso, a morte sistemática dos oprimidos. O confronto foi uma loucura. Todos os membros de nosso grupo foram atingidos com gás de pimenta, foram espancados e várias pessoas ficaram encharcadas de querosene. Quase todos os protestantes foram feridos e um grupo de médicos fez o possível por atendê-los durante e logo após o confronto.
Mas mesmo estando com um número muito inferior de pessoas, nós conseguimos impedi-los de tirar a foto pretensiosa que haviam planejado. Quando os nazistas começaram a perder a animação, e a polícia finalmente pediu para que todos se dispersassem, cerca de 50 nazistas tiraram a foto sem tochas, que não chegou a nenhuma mídia social, de tão enfraquecidos que estavam.
Quase na mesma hora, um grupo entre 35 e 40 racistas, vestidos com uniformes da American Vanguard, se aproximou das escadas da igreja e começou a entoar novamente: “Vocês não vão nos substituir, os judeus não vão nos substituir”. Houve um chamado do Redneck Revolt e do Socialist Rifle Association para defender a igreja. Nos aproveitamos do terreno mais elevado e nosso pequeno grupo conseguiu impedir que os nazistas chegassem à igreja.
A noite toda foi uma lembrança terrível do crescimento do movimento da direita alternativa. O que foi ainda mais surpreendente foi ver o que conseguimos conquistar quando um pequeno grupo de pessoas manteve sua posição e defendeu aquilo no que acreditava.
Revisitando Charlottesville: Avançando na Luta Antifascista
Já percorremos um longo caminho desde Charlottesville. Nos dias que se seguiram, parecia que a maior parte do mundo havia recebido uma enxurrada de reportagens, entrevistas, relatórios e ações solidárias. Por um breve instante, tivemos a sensação de ter devolvido os nazistas para o buraco de onde saíram e que poderíamos nos focar novamente em combater nosso verdadeiro inimigo, o Estado. Contudo, enquanto Charlottesville vai desaparecendo na história, sabemos que não é o caso. As atividades fascistas nos chamados “Estados Unidos” estão aumentando lentamente, com inúmeras reuniões e discursos sendo articulados para acontecer nos próximos meses. Sabemos que é vital analisar as escolhas táticas feitas em agosto e ver como podemos aprender com elas.
Para nós, uma das táticas mais equivocadas foi o consenso dos manifestantes contrários de que a marcha com tochas feita pelos nazistas seria significativamente menor do que foi de fato, mesmo com fontes confiáveis sobre o número de pessoas que estariam presentes. Como antifascistas, sabemos que nunca devemos subestimar nossos oponentes, especialmente em situações como essa. A solidariedade é nossa maior arma contra o crescente fascismo e precisamos garantir que iremos usá-la. Os próximos eventos serão a conferência do Alt-Right (Detroit, Michigan, nos dias 4 e 5 de março), a conferência regional da Turning Point USA (Chicago, Illinois, em 14 e 15 de abril), a reunião do Movimento Nacional Socialista (NSM), em Temple, Geórgia (nos dias 20 e 21 de abril) e a conferência da American Renaissance (Burns, Tennessee, em 27 e 28 de abril). Sabemos que precisamos aumentar nossas redes de solidariedade tanto com grupos clandestinos quanto com comunidades locais. Já os derrotamos antes e iremos derrotá-los novamente.
As ações de solidariedade que aconteceram depois de Charlottesville foram muito reconfortantes. Com isso, antifascistas do mundo inteiro não só tiveram a chance de apoiar seus companheiros que lutavam em Virgínia, como puderam mandar uma mensagem para aqueles que estão no poder e as organizações paramilitares de extrema-direita que os defendem: Nunca iremos nos render. Estamos em todas as partes. Uma vez mais, queremos analisar o nível de solidariedade e como pode ser usada para apoiarmos uns aos outros no futuro. Da nossa perspectiva, anarquistas e antifascistas nos Estados Unidos poderiam fazer um trabalho ainda melhor apoiando lutas locais e internacionais com ações de solidariedade. A luta contra o fascismo vai além dos confrontos de rua e reconhecemos que qualquer luta contra a dominação, onde quer que seja, é nossa também. Mandamos nossa estima e apoio para todos os grupos, amigos e desconhecido que apoiaram a luta em Charlottesville.
Seis meses depois, ainda lamentamos o assassinato de Heather Heyer e, com isso, ainda sentimos o ódio contra todos os fascistas desprezíveis que estão infectando nossas comunidades. Cada ação nossa carrega a memória de todos aqueles que perderam a vida na luta contra o fascismo e na luta por um mundo melhor. Nossa recuperação ainda tem um longo caminho pela frente, será uma longa batalha.
No Amor e na Luta
LCA
Fonte: https://itsgoingdown.org/six-months-on-looking-back-on-charlottesville/
Tradução > César Antonio Cázarez Vázquez
Revisão > Amanda Laet
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Anibal Beça
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!