Cada vez mais famílias tratam de evitar o sistema tradicional de ensino e buscam alternativas em escolas “centradas no aluno” que põem o pensamento crítico acima dos exames. O diretório ludus.org, que em 2013 registrava 40 projetos, hoje contêm 800.
por Patricia Reguero e Sara Plaza Casares | 15/04/2018
“Nossa escola é todo o povoado!”, exclama Miguel, acompanhante do coletivo Wayra, um projeto situado em Juzbado (Salamanca). Para descrver um dia em Wayra, primeiro é preciso dizer que a hora de entrada não existe. Também é preciso dizer que não há professores, mas acompanhantes. E por último o que se deve saber é que não há programa e cada dia é uma aventura diferente.
“A aula começa quando estamos todas”, assegura Miguel. “O grupo grande chega à escola com os dois acompanhantes que somos, Pablo e eu”, conta. Enquanto não chegam os outros, os meninos e meninas desenham ou jogam xadrez em um ambiente tranquilo e os acompanhantes cortam fruta ou preenchem o calendário. “Logo chega aos poucos o resto da tropa, alguns acompanhados por seus pais e mães”, explica Miguel. E é então que começa o dia. A prefeitura cedeu suas instalações municipais ao projeto, assim que os meninos e meninas decidem se querem ir à biblioteca, ao salão de atos, ao poliesportivo ou preferem ficar em uma pedra ou junto ao rio. “Ao longo da manhã vamos nos dispersando em grupinhos de pequenos e adultos, mas sempre colocamos uma proposta organizada por dia. Hoje, por exemplo, fizemos pigmentos naturais com carvão e fomos a uma caverna fazer pinturas rupestres porque estamos falando muito do paleolítico”, conta o acompanhante de Wayra.
Esta escola livre, situada no meio rural, defende um aprendizado vivencial, na qual os conhecimentos sejam adquiridos com a experimentação. É também um sistema assembleario no qual mães, pais, meninas e meninos intervenham nas decisões. “Propomos atividades, mas sempre são voluntárias; as meninas e os meninos podem fazer o que queiram”, explica Miguel, enquanto acrescenta que as famílias também participam no dia a dia, por isso que podem se permitir aceitar a mais crianças e cada adulto acompanha a um grupo de dois ou três. Atualmente vão à Wayra 18 crianças diariamente e constataram que seu modelo tem cada vez mais demanda. “No primeiro curso éramos seis famílias e agora somos quinze. Nós nascemos em 2012 à luz deste ‘boom‘ de projetos alternativos e nos últimos anos temos visto que as iniciativas se multiplicam tanto em Salamanca como em províncias limítrofes”, explica.
UM BOOM QUE SE SUSTENTA
O diretório ludus.org reúne hoje 800 projetos. “Faz dois anos eram aproximadamente a metade e quando iniciou o diretório, em 2013, tinha uns quarenta”, diz sua criadora, Almudena García, que adverte de que não é um diretório exaustivo, mas se acredita que seus dados podem dar uma ideia do cada vez maior interesse pelas pedagogias alternativas.
Waldorf, Montessori, Reggio-Emilia, Escola do Bosque, Amara-Berri ou educação democrática são algumas das categorias desta lista. “Waldorf e Montessori, que são as duas das mais conhecidas, são como água e azeite… e curiosamente também, ambas rechaçam o qualificativo de alternativas que a rualhes atribuiu”, diz Almudena, que também é autora de “Otra educación ya es posible” (2016).
“Por trás da etiqueta encontramos projetos educativos muito variados que tem em comum propor soluções a alguns dos problemas que afetam o atual sistema educativo, como o abandono escolar precoce, a repetição, ou a desmotivação de alunos e professores”, explica. “Com mais ou menos ironia, as qualificam como centradas no aluno, porque entendem que o aluno é o elemento central do processo educativo, que é preciso ter em conta seus ritmos e interesses”.
Trata-se, pois, de fugir do modelo tradicional. E ainda que se possa pôr em questão o que é isso de tradicional”, se é fácil buscar alguns padrões que estes sistemas põem em questão, como o agrupamentopor idades: “Isto é algo que questionam Montessori ou Amara-Berri, que defendem que a mescla de idades é benéfica porque permite que os maiores ajudem aos pequenos, afiançando assim seus conhecimentos, enquanto os pequenos, tomam os maiores como modelo, resultando muito motivador aprender com eles”.
Este último, Amara-Berri, é um sistema que se utiliza desde 1979 em uma rede de escolas do País Basco. Ainda que a inovação não termine nas escolas públicas, Almudena crê que “estão movendo muitas coisas, apesar de não terem nada fácil: os que estão começando a trabalhar de uma maneira diferente se encontram sempre com entraves por parte do governo”.
ENTRAVES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
De entraves sabem algo em Mayrit, uma “escola ativa” e sem fins lucrativos que começou a funcionar em 2015 após dois anos de gestação e pelo empenho de um grupo de famílias que levavam seus filhos e filhas a “escolas respeitosas” em Madrid e não encontravam um lugar no qual pudessem continuar com os mesmos princípios do primário. Silvia Guerrero é uma das envolvidas nesta história. “Cada criança é única e tem interesses únicos, mas isso não se respeita nos colégios tradicionais, onde o currículo é muito rígido e todos são tratados igualmente”, conta a El Salto [jornal]. A forma que encontraram para evitar as exigências da Prefeitura de Madrid é a criação de uma “escola internacional”. Isso lhes permite funcionar, explica Guerrero, “não contra o sistema mas ao lado”.
Como é o dia a dia para os alunos? “Hoje, por exemplo, era dia de leitura, porque assim o decidiram em uma assembleia ao começar o curso. Quando chegarem vão encontrar livros que as acompanhantes selecionaram para eles segundo seus interesses”, diz esta mãe de dois alunos de Mayrit. As aulas, explica Guerrero, são alunos de várias idades compartilhando espaços, de modo que o maior ensina o menor a ler, e desta forma o maior também aprende. Também, as emoções são muito trabalhadas e “quando há um conflito, Mayrit para”.
Entre os objetivos está poder oferecer educação na etapa do secundário, onde a oferta escasseia ainda mais. A pergunta sobre se este projeto é exclusivo para famílias privilegiadas, Silvia responde plasmando suas contradições: “Nos dá raiva porque Mayrit tem espírito de escola pública, e isto tem que ser acessível para todas as famílias, mas o certo é que supõe um esforço que nem todo mundo pode assumir”.
E é que, ao não encontrar um espaço adequado a sua ideia pedagógica, decidiram construir um colégio junto a um entorno natural, o que fez com que o projeto fosse ainda mais complexo. “O espaço é um dos aspectos mais relevantes para nós, e nossos arquitetos sentaram com nossa diretora para que ela lhes contasse como é o dia a dia: o espaço foi criado em função dessas necessidades”. As obras finalizaram e o centro está a espera de receber as permissões pertinentes para abrir suas portas e o próximo curso, enquanto os alunos se encontram em um espaço provisório.
ESCOLA LIVRE URBANA
Mas as escolas livres também são compatíveis com os entornos urbanos. La Tribu e Tartaruga, nos bairros madrilenhos de Villaverde e Aluche são prova disso. Desde La Tribu se definem como um projeto coletivo de pedagogia libertária e de acompanhamento respeitoso. Apostam pela brincadeira livre e a liberdade de movimento pelos espaços e reúnem crianças que vão desde os 30 meses aos seis anos. Costuma ter entre 5-7 crianças por acompanhante e não estão divididos por salas “porque isso é o que faz o Estado para homogeneizar”, acrescentam.
“Temos dois pilares básicos que são a autorregulação, um processo no qual cada criança conecta com uma necessidade para satisfazer um desejo próprio, e o não direcionamento, que implica que as adultas não dirijamos sua aprendizagem, na linha da autoaprendizagem”, explicam Olaya e Txelu, os dois acompanhantes do projeto.
Como apontam desde Wayra, eles também detectaram que os projetos de educação alternativa cada vez tem mais espaço na opinião pública. “Podes encontrar artigos sobre educação livre em periódicos de direita”, exemplifica Olaya. “Há um auge deste tipo de projetos e nos últimos cinco ou sete anos apareceram muitas escolas livres”, acrescenta Txelu.
Ante este aumento da demanda, cabe se peguntar se teriam lugar dentro da escola pública. Para os acompanhantes de La Tribu, a escola livre é incompatível com o modelo estatal, ainda que alguns colégios estejam adaptando suas metodologias a este novo cenário. “Nos colégios estatais o modelo é a aula magistral. Pode-se fazer uma mudança e pode-se trabalhar por projetos, as crianças se dividem em grupos de cinco e pesquisam sobre um tema. Isto implica uma mudança metodológica, mas a relação entre professor e aluno continua baseando-se na hierarquia”, afirma Txelu. “Na escola pública há uma finalidade: que aprendam algo em um determinado momento. Em nossa escola não há tempo limite. Estas pedagogias se baseiam é no bem-estar da criança, é algo mais holístico — acrescenta Olaya. Há projetos dentro da escola pública que são muito válidos. Mas em si mesmos são contraditórios. Tens que seguir um currículo, tens uma taxa de presença [número de alunos nas salas de aula] muito alta, de até 25 meninos com uma só professora. Há certas coisas a nível estrutural que são contrárias a este tipo de pedagogias”.
“Nosso modelo vai contra a própria instituição. Um espaço onde há meninos e meninas aprendendo o que quer o ministério da Educação, é contrário a acompanhar no desenvolvimento. Na escola estatal, nem as crianças, nem as famílias nem o professorado podem decidir o que é o que necessita cada criança em cada momento. O único que podem fazer é mudar de metodologia. Mas a estrutura hierárquica é essa e não se pode acabar com isso desde dentro. Iria contra nossa própria essência”, sentencia Txelu.
Milena, do projeto Tartaruga, compartilha esta visão. “Há muitas ferramentas que se podem tentar copiar desde a escola pública, mas há coisas incompatíveis. Cada escola é muito diferente dependendo de quem a compõem na medida em que essas pessoas podem tomar decisões, é assemblearia, horizontal… e isto é incompatível com a escola pública atual. Creio, enquanto não se invista mais e se reduza a taxa de alunos nas salas de aula, isso vai ser impossível. Estes projetos precisam de umas taxas menores”, assegura.
Para fazer com que estas pedagogias sejam acessíveis para todo mundo, muitas destas escolas livres se mostram flexíveis com o pagamento de cotas. “Em nosso caso as famílias contribuem com uma quantia baixa em função de seus rendimentos. Temos famílias que contribuem com desde 200 euros ao mês até 100 euros”, explicam em La Tribu. Desde Wayra contam que durante um tempo a contribuição era voluntária, mas agora existe uma cota para o salário dos acompanhantes que varia em função da possibilidade de cada família.
O que é certo é que o universo da educação alternativa é muito amplo e há certos projetos que pecam pelo elitismo, tal e como relatam os acompanhantes destas escolas. “São pouquíssimas as escolas que têm modelos acessíveis, com cotas livres ou em função de rendimentos como fazemos nestas escolas livres”, explica Milena.
Tradução > Sol de Abril
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!