por Eduardo Ribeiro | 13/07/2018
Conheça as origens do movimento que vinculou o punk à ação política no começo dos anos 90.
No princípio era pra chocar, e a provocação era a máxima do punk, e o que importava era desobedecer e destruir. Ou melhor: se autodestruir. Na segunda metade dos anos 1970, começo dos 80, só o punk enquanto identidade foi capaz de incorporar — estética e comportamentalmente — a angústia de uma juventude completamente esquecida. Quando passou a cuspir na cara do sistema sua generalizada descrença na espécie humana, revertendo lixo, pobreza e falta de rumo em força criativa, o punk abriu um inédito vinco na cultura de massa para a canalização do tédio, do descontentamento que vinha dos subúrbios ingleses e norte-americanos. Com o tempo, a ideia contagiou grande número de roqueiros marginalizados pelos quatro cantos do planeta. Ao passo em que transpôs a crueza das primeiras críticas, o estigma auto-depreciativo do movimento ganhou um aspecto mais politizado e ativista no mundo inteiro.
Mas ocorre que, se no movimento inglês a mídia enciclopédica atribui toda uma complexa história a somente Sex Pistols, Clash & Cia, no Brasil, o recorte geralmente imposto ao tema faz parecer que só existiu a cena constituída em torno da produção musical nascida a partir das coletâneas Ataque Sonoro, O Começo do Fim do Mundo, Grito Suburbano e SUB. Tudo, de fato, começou ali. Não dá para falar do punk BR sem falar de Restos de Nada, Ratos de Porão, Olho Seco, Cólera, Garotos Podres, Inocentes, etc. Mas não foi ali que a história acabou. Aquele foi só o momento em que se acendeu a fagulha. O primeiro capítulo. Fora que o punk vai um bocado longe da música. É preciso avançar na percepção.
Tem muita coisa interessante perdida abaixo da superfície, raramente abordada, a não ser pelos próprios zines e veículos punks/libertários. Uma delas é a formação da vertente anarcopunk, que colaborou para definir toda a ética e modo de agir do anarquismo contemporâneo. Fui atrás de fatos que só se descobrem na conversa de punk pra punk e detectei que em 87, por exemplo, um conjunto de João Pessoa (PB), o Disunidos, já se assumia como “anarco-punk”. Muito louco, porque a sigla MAP (Movimento Anarco-Punk) só surgiria no começo dos anos 90, quando jovens interessados em fazer algo além do barulho, dos rolês em banca, das tretas entre gangues, da chapação, do pogo e do visual, criaram de fato as primeiras células assumidamente anarquistas.
Isso inspirou a busca pelo resgate das histórias fundadoras do anarcopunk em São Paulo, onde ganhou força antes de se espalhar pelo Brasil. As falas reunidas nesta série pintam o contexto em que tal geração buscou uma reciclagem do anarquismo clássico e da anti-arte para os novos tempos. Algumas das iniciativas pioneiras nesse sentido foram o ACR (Anarquistas Contra o Racismo), Coletivo Altruísta, Coletivo Anarco-Feminista e o KRAP (Koletivo de Resistência Anarco-Punk).
Junto com os coletivos, vieram as primeiras publicações assumidamente representantes da postura anarcopunk, a exemplo do informativo O Iconoclasta, e também se constituíram as bandas Pós-Guerra, Ira dos Corvos, Castitate Sociale, Vala Negra, Execradores, Metropolixo e muitas outras. Em termos de militância, os anarcopunks estiveram entre os primeiros a colocar em pauta uma série de questões no meio hardcore, como direitos dos animais — vegetarianismo/veganismo, inclusive —, feminismo, ecologia, permacultura, e até ajudaram na estreia do Dia do Orgulho Gay — hoje Parada do Orgulho LGBT — de São Paulo, em 97.
Passados cerca de dois anos de encontros, pesquisas, coletas e transcrições de conversas e edições, apresento finalmente um recorte daquilo que penso que todos interessados no punk nacional enquanto movimento político, e não só um filão da cultura pop, deveriam conhecer, com depoimentos focados no período entre 1988-2001. Um pequeno esforço para que tudo o que essa galera fez em nome de seus ideais, mesmo diante de certa ingenuidade e atropelo, não caia no esquecimento. Mas, acima de tudo, inspire novas formas de resistência ao conservadorismo.
A primeira parte, de quatro textos, se volta ao contato inicial que as fontes tiveram com o punk e o anarcopunk. Na semana que vem, abordaremos como o lance todo se desenvolveu.
>> Para ler a reportagem na íntegra, clique aqui:
https://www.vice.com/pt_br/article/bjvx5m/historia-oral-anarcopunk-parte-1
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!