por Mirna Wabi-Sabi
Anarquistas e Maoistas estão sendo igualmente criminalizados por dissidência capaz de prejudicar a capacidade do governo de funcionar. A OATL (Organização Anarquista Terra e Liberdade) e o MEPR (Movimento Estudantil Popular Revolucionário) foram recentemente colocados como frentes de iniciativas de atos violentos em 2013.
“Membros da OATL e MEPR planejavam lançar coquetéis molotovs e rojões contra a policia durante passeatas contra a copa do mundo” (Folha de S. Paulo, 17/07/2018).
Mesmo com todas as nossas divergências ideológicas; particularmente em relação ao uso idolátrico de liderança, e o interesse na reconstrução de um Estado que sustentará a ditadura do proletariado; concordamos que o Estado em qual vivemos agora, e seu sistema eleitoral, deve ser derrubado. A re-centralização de poder econômico e estrutural num Governo comunista não é nem um pouco atraente pra nós anarquistas. E vemos que, apesar de eficiente em curto prazo, o culto de personalidade de líderes não é só contraditório aos nossos princípios de horizontalidade. É também insustentável, já que até agora revoluções morreram com seus líderes.
Nosso terreno comum é a ideia de que a dicotomia entre esquerda e direita no campo eleitoral é reformista/reacionária, e não revolucionária, já que visa representação em, e consequentemente validação do, sistema partidário. Até os candidatos de mais extrema esquerda como Boulos, mesmo com sua retórica de defesa do povo pobre por políticas contra a especulação imobiliária e etc., visa a reconstrução da fé do povo Brasileiro no sistema. Isso só atrasa a revolução. Sabemos que o candidato não vai ganhar, se ganhar não vai fazer o que fala, e se tentar fazer o que fala vai ser impichado, preso, ou morto (como já vimos acontecer tantas vezes antes).
A estratégia de usar a plataforma partidária sustentada pela “Democracia” (Estilo estadunidense) pra divulgar ideias revolucionárias é como transar pela virgindade, validando no processo a própria coisa que estamos tentando invalidar. A necessidade imediata do povo que mais precisa dessa revolução não pode ser saciada com migalhas. É nossa responsabilidade como militantes não criar dependência do próprio Governo que visamos derrubar, e lutar para suprir essas necessidades imediatas como uma comunidade; um Movimento.
“Há apenas a preocupação de se jogar migalha na boca escancarada da fome, talvez para que nos deixem em paz…” (Maria Lacerda de Moura)
Do dia 11 a 15 de Julho de 2018, estudantes de pedagogia de todo o Brasil se encontraram em União dos Palmares, Alagoas, para discutir métodos de combate aos ataques do Estado contra a educação e os direitos do povo dentro e fora da esfera acadêmica no nosso pais.
Este foi o 38º ENEPe (Encontro Nacional de Estudantes de Pedagogia), e sua 1ª edição Marxista-Leninista-Maoista.
A realização deste evento marcante na história da ENEPe não foi possível sem a superação de sérios obstáculos. Houve um rompimento entre estudantes de esquerda, resultando em dois eventos diferentes sendo realizados: este organizado pela ExNEPe (Executiva Nacional de Estudantes de Pedagogia) com presença predominante do MEPR, e outro evento com presença predominante do MEPe (Movimento Estudantil de Pedagogia) e movimentos estudantis ligados à UNE (União Nacional dos Estudantes).
Essa divergência ideológica entre os estudantes “de esquerda” é baseada no partidarismo. O MEPR reivindica a independência política, o boicote ao voto, e a completa rejeição da dependência financeira em, ou campanha de, partidos. Além disso, eles e elas também visam manter esse evento aberto a estudantes de outras áreas e a quem não é estudante.
Para muitos, o boicote ao voto significa uma brecha para a direita se fortalecer, ou até mesmo uma direita disfarçada. Os da MEPe, que não estavam a bordo com os posicionamentos da MEPR, não só fizeram seu próprio evento em outra data e local, mas também sabotaram a iniciativa de organização e promoção do evento de seus semelhantes. Cartazes promovendo a 38º ENEPe em União dos Palmares foram removidos ou danificados de alguma forma pelo país inteiro.
Nos palcos do primeiro dia, 11 de Julho, houve uma fala de forte crítica Marxista ao PT, introduções das delegações de cada região, fala da LCP (Liga de Camponeses Pobres), apresentação de dança do Quilombo, poesia, teatro, e até rock. Os espaços entre cada foram preenchidos por palavras de ordem e punhos levantados. “Resistir, lutar, pra cultura popular”, entre muitas outras.
A grande maioria das aproximadamente 400 pessoas presentes, tiveram que superar múltiplos obstáculos financeiros e burocráticos, além da sabotagem de outros alunos, para comparecer no evento aquela semana. Portanto, a presença de cada um, de cada região, segurava o peso da dedicação à militância, e o entusiasmo de uma juventude com fé na revolução.
Na mesa do 2º dia afirmaram que a independência do eleitoralismo é essencial na luta pela gratuidade educacional. A formação pedagógica ainda visa o treinamento de mão de obra barata, e Lula não foi melhor que FHC no combate a isso; cotas e bolsas só atrasam a revolução. Enquanto as reitorias agem como o Estado dentro da universidade, não há como a universidade enfrentar o Estado. O papel do pedagogo e da pedagoga é fundamental pra formação da sociedade, e não deverá ser usado para servir um Estado.
A logística do evento foi discutida com todos e todas presentes. A comida, a limpeza, o transporte e a convivência em geral. Considerando que foi um evento realizado com completa autonomia financeira, sem apoio de partidos ou outras instituições, houve um processo de adaptação para os que não estavam acostumados.
Uma proposta essencial que foi aplicada durante o evento foi a criação de creches nas universidades. A creche representa a luta de inclusão da mulher na esfera política, acadêmica e profissional, com apoio da comunidade como um todo. Portando, a presença de crianças e bebês foi responsabilidade de todos e todas nós, e também simbólico para a estruturação de um movimento revolucionário onde esse papel não poderá ser só da mãe.
No último dia do encontro, o MFP (Movimento Feminino Popular) se apresentou como Marxista-Leninista-Maoista, abraçando a causa das mulheres que são alunas, professoras, operárias e camponesas, e afirmando que a mulher latifundiária é inimiga. O Movimento visa combater o trabalho doméstico não pago, a servitude de empregadas domésticas às suas empregadoras burguesas, e a ideia de que existe alguma diferença inata ente homens e mulheres.
A monogamia da família tradicional também deve ser combatida, pois nasceu com o conceito de propriedade privada para assegurar a transferência de bens por herança. Afirmaram também que não existe a cultura do estupro, existe o Patriarcado e o Capitalismo. Portanto, não se destrói a cultura do estupro com leis, se destrói o patriarcado capitalista com a revolução. O problema não é o homem, é o Estado. E acima de tudo, o propósito da organização é “despertar a fúria revolucionaria nas mulheres.”
Uma camarada da ExNEPe, Tarsila Pereira, foi proibida de comparecer a aulas como ouvinte na UFAL (Universidade Federal de Alagoas), por militar e promover este evento. A tentativa de abaixo assinado pra expulsar Tarsila acabou virando um abaixo assinado pra ela ficar, e o professor se recusou a expulsa-lá, falando que ele não é polícia, e na aula dele entra quem quer aprender. Felizmente, o processo que visava “restaurar a paz” nas salas de aula falhou, e hoje ela é uma aluna matriculada.
Sexta-feira, dia 13 de Julho, em Maceió, foi realizada uma manifestação em defesa de Tarsila na UFAL; contra o fascismo que infiltra a academia Brasileira; contra a intervenção militar e o oportunismo da Escola Sem Partido; contra a privatização das universidades e a regularização da profissão de pedagogos e pedagogas; e contra o imperialismo genocida no Oriente Médio.
Depois da manifestação, a organização do evento mostrou de forma impactante como a Cultura Popular é resistência. Uma apresentação de dança típica Alagoana abriu uma série de apresentações culturais de cada delegação presente. Ficou claro que “cada região é um País”, como falou uma das alunas assistindo. Foi emocionante presenciar como extrema diversidade pode sim significar uma completa união e solidariedade. Diversas danças, músicas, histórias, e linguagens foram apresentadas, destacando como a hegemonia violentamente invisibiliza expressões culturas belas e valiosas no Brasil.
Sábado, dia 14 de Julho, participantes foram divididos em três grupos, um deles destinado ao museu do Quilombo dos Palmares. A viajem no ônibus escolar amarelo foi uma celebração, ele ainda estava enfeitado da festa junina, e todos alternavam entre cantar techno brega e palavras de ordem. Na Serra da Barriga, região do Zumbi dos Palmares, chacoalhávamos na estrada de terra, subindo e descendo montanhas de mata baixa, com ocasionais coqueiros sendo saudados por urubus.
Foi inevitável sentir o poder daquele espaço, mesmo que agora esteja estruturado um pouco como um parque temático. Cada passo parecia levantar uma memória centenária combativa, como se fosse uma poeira que ao invés de ofuscar, tornava ainda mais nítido nosso propósito político. A vista do alto a serra chegava quase a nos colocar no corpo dos homens e mulheres que se estabeleceram lá 400 anos atrás, e na consciência estratégica de poder ver inimigos de longe sem ser visto.
No fim da visita, muitos de nós até nadamos na pequena lagoa verde pastel onde quilombolas “alimentavam suas almas”.
Quando voltamos pra universidade em União dos Palmares, assistimos apresentações de trabalhos, dos quais alguns seriam premiados. Um deles abordava a importância de educação sexual na escola, pra alunos entre 11 e 15 anos de idade. Interesses das crianças giravam em torno dos temas de masturbação, puberdade e menstruação. A apresentadora mostrou que sexo ainda é um tabu entre professores e reitorias, e a importância de derrubar esse tabu e abordar esse tema é de extrema urgência, quando se vê como é comum a gravidez de meninas de 13 a 15 anos de idade.
A importância da História foi enfatizada quando reconhecemos que o Brasil tem um problema de memória. Um trabalho sobre a Guerrilha do Araguaia trouxe pra mesa de debate a perpetuação da violência, décadas depois da batalha, quando crimes da resistência são judicialmente equiparados com os dos opressores. Trouxe também o tema das particularidades femininas na tortura durante a ditadura, e a questão do uso do termo “ditadura” em si, como um termo usado pela democracia burguesa pra defender suas políticas ditatoriais contemporâneas.
Em geral, houve muita repetição de termos como “pós-modernista”, “oportunista”, “imobilista” e Marxismo científico, sem finas definições e contextualizações. Isso alienou certos alunos que não se reivindicam Marxistas, e deu pouca abertura pra participantes apresentarem divergências. Até as votações finais foram bizarramente homogêneas, talvez não só porque houve consensos, mas também porque ir contra seria intimidador.
Para o burguês e pequeno burguês, a inacessibilidade é o charme. Com eles e elas não há diálogo, há combate. Combater a ideia de que ”uma mentira falada mil vezes vira verdade” (Goebbels) significa também reconhecer que existe diferentes perspectivas sobre a realidade, e não só uma verdade que pertence aos socialistas científicos. Ocasionais falhas em reconhecer isso resultou em certas infelizes falas, como uma sobre o misticismo de comunidades “primitivas”, e abordagens superficiais e desnecessárias do materialismo dialético.
Mesmo assim, foi afirmado que a ciência que vemos hoje na academia serve o Capital. O conhecimento científico do povo, seja ele indígena, negro ou camponês, é apropriado pelas classes dominantes e patenteado. Temos que trazer a ciência de volta para o povo, preservando a educação tradicional indígena, por exemplo. Para uma das palestrantes, o problema “do índio” é o problema de classe, e não da supremacia branca; É uma luta pela terra e pela sobrevivência. Seria interessante a presença de mais grupos Indígenas e Quilombolas nos próximos eventos, tanto que foi decidido que o tema do 23º FoNEPe (Fórum Nacional de Entidades de Pedagogia) será “educação que sirva o povo indígena, camponês e Quilombola”, ano que vem em Juazeiro (BA).
No fim as despedidas foram calorosas, já que durante a semana cultivamos imenso carinho uns pelos outros. Havia espaço pra autocrítica e crescimento, e o potencial sócio-político do evento é inegável. Estamos todos e todas animadas pro próximo ENEPe (39º) que acontecerá em Guarulhos (SP), com o tema de “defesa da escola pública, contra a privatização e fechamento de escolas públicas”.
“Se você paga,
não deveria,
educação
não é mercadoria”
agência de notícias anarquistas-ana
varal vazio
um só fio
lua ao meio
Alice Ruiz
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!