Em 7 de julho de 2017 o Tribunal Oral no Penal de Valparaíso sentenciou nossos companheiros/as Miguel Varela, Rodrigo Araya, Constanza Gutiérrez, Hugo Barraza, Felipe Ríos e Nicolás Bayer a penas efetivas de cárcere (de 10 a 15 anos) pelo delito de incêndio com resultado de morte de dom Eduardo Lara, acontecimento ocorrido em 21 de maio de 2016. Ante estes fatos, junto com revindicar a inocência de nossos companheiros, consideramos importante comentar os seguintes pontos:
1. Miguel, Rodrigo, Constanza, Felipe, Hugo e Nicolás são jovens lutadores/as sociais, comprometidos com causas de justiça social. Neste sentido, destacamos sua ativa participação nas lutas contra o extrativismo que devasta os territórios (mediante o plano IIRSA-COSIPLAN e o TPP), o saque das AFP e a educação de mercado, além de apoiar a digna resistência do povo mapuche. Se trata de jovens valentes e solidários/as, que reconhecem as múltiplas violências que nos oprimem como povo e por isso, desde seu fazer cotidiano, trabalham em espaços de auto-aprendizagem, produção de informação e trabalho comunitário. Os/as companheiros/as estão há anos colaborando, generosamente, com sua criatividade, alegria e conhecimentos na construção de projetos de sociedade alternativos ao ‘capitalismo selvagem’. Por estes motivos nossos/as companheiros/as são vistos como uma ameaça para a ordem alienante imposta por este ‘Estado empresarial’.
2. O ‘Estado empresarial’ não podendo domesticar nossos companheiros, os criminaliza. Nossos companheiros/as foram acusados/as e sentenciados/as injustamente pelos fatos ocorridos em 21 de maio de 2016. Cabe recordar que esse ano a Conta Pública se desenvolveu em um contexto de forte descontentamento social, com mobilizações em ascenso e uma deslegitimação generalizada dos aparatos do Estado. Nesse momento, a lamentável morte do senhor Eduardo Lara, aposentado de 71 anos, que trabalhava em condições de precarização e exploração, permitiu ao governo, em cumplicidade com o poder midiático, instalar uma nova ‘agenda noticiosa’ que desviou a atenção pública, invisibilizando o caráter político dos protestos. Neste sentido, a morte do senhor Lara foi usada como pretexto para a implementação incomum dos aparatos de vigilância e repressão do Estado, uma política de terror que necessitava certo ‘tipo’ de culpados. Em lugar de investigar as diferentes arestas do caso, este se focalizou no estereótipo do ‘jovem lutador social’, já estigmatizado, que se baseava em uma história já escrita pelo poder, e cuja captura e posterior condenação seria exemplificadora. Assim, aproveitando-se de uma desgraça, se reforça a criminalização do protesto social, bloqueando um emergente ciclo de mobilizações.
3. Lamentavelmente, nossos/as companheiros/as se encaixavam no ‘tipo de culpados’ que a estratégia repressiva necessitava. Em uma co-produção entre as polícias, o sistema judicial e os meios de comunicação, se vai dando forma à montagem. Neste ponto, denunciamos o caráter sensacionalista com que os canais de TV oficiais cobriram a prisão de nossos/as companheiros/as, em 10 de agosto de 2016, criminalizando-os publicamente, violando seus direitos e os de suas famílias. A ideia era instalar sua culpabilidade na opinião pública. Após a decisão que negou sua prisão preventiva, nossos/as companheiros/as foram cotidianamente perseguidos pelos aparatos de repressão do Estado. Mais de dois anos viveram a angústia da perseguição e a incerteza pelo futuro do caso, situação que afetou profundamente suas vidas, a das pessoas próximas e que compartilham suas lutas pela justiça social.
4. Este mês de junho de 2018, se realizou o julgamento. Neste ponto denunciamos que se tratou de um processo viciado, que deixou a descoberto não só as falências da justiça chilena e suas metodologias de investigação, mas também o operar ilegítimo das forças repressivas. Sobre este ponto, assinalamos:
– O processo de investigação contemplou testemunhas sob pressão de duas pessoas, que declararam em condições de perseguição policial. Se bem ambas denunciaram a situação mediante uma queixa ante o Tribunal de Garantia de Valparaíso, contra as polícias (Rol Interno 8463-2016) e não se apresentaram para validar seus testemunhos durante o julgamento, estes também foram considerados.
– O processo de investigação, que dá lugar à suposta identificação dos acusados (após sucumbir as primeiras linhas investigativas) se baseia em uma ‘Mistura de dados’ que se sustenta na exploração da internet. Isto ocorre pelo menos em duas situações: quando se revisam as redes do Facebook dos acusados e quando seus nomes são simplesmente ‘googleados’. Esta ‘exploração’ pela rede, dificilmente pode considerar-se uma metodologia séria e rigorosa, pelo que ditas provas carecem de validade científica e só dão mostras da falta de profissionalismo das polícias e seu desespero por ‘construir’ provas.
– Se utilizou como prova a participação dos acusados em eventos sociais, de caráter público, como as ‘Jornadas contra a devastação dos territórios’, realizada anteriormente aos fatos (10 de março de 2016). Cabe assinalar que se trata de um evento de análise das dinâmicas extrativistas na América Latina, que contou com uma série de exposições e espaços de conversação. Não se identifica uma relação clara entre este evento e o ocorrido em 21 de maio.
– O processo judicial careceu de transparência, pois nem os acusados nem seus advogados contaram com a totalidade da informação reunida na investigação. Nos referimos à produção do Informe 76, documento considerado ‘secreto’, que foi elaborado pelos serviços de inteligência. Este contava com fotografias tomadas desde um ângulo privilegiado, que dão conta de um trabalho de infiltração. O testemunho dos policiais foi chave no caso, ainda que amparando-se na lei 19.974, reutilizaram dar antecedentes sobre o procedimento que deu origem a ditos registros. Situação que por si mesma deslegitima todo o processo judicial.
5. O Informe 76 é um trabalho de inteligência que dá conta de práticas de vigilância que esgotam toda legitimidade e respeito à vida privada. O conteúdo do informe evidencia uma perseguição sistemática a nossos/as companheiros/as, com muita anterioridade aos fatos de 21 de maio. Situação que permitiu fazê-los ‘encaixar’ no ‘tipo de culpados’ que esta montagem necessitava. Quer dizer, nossos/as companheiros/as eram vigiados de perto pelos serviços secretos de inteligência. Não sabemos por quanto tempo as diversas atividades em que participavam e sua vida mesma, foi seguida e registrada sem haver motivo nem acusação alguma. Estes registros foram usados como material para a montagem, foram a materialidade que deu forma a uma história escrita pelo poder. Sem dúvida isto abre uma série de interrogações sobre a ação dos serviços de inteligência, que reproduzem, em um novo contexto, as dinâmicas de perseguição e criminalização que marcaram a história do Estado terrorista chileno. A decisão de tribunais se sustenta no material desta pasta que é em si ilegítima e ilegal, pois nenhuma outra prova sustenta a condenação.
6. Além do registro fotográfico que evidencia a perseguição ilegal a nossos/as companheiros/as, os serviços de inteligência apresentam um vídeo que finalmente não foi usado como prova, mas circulou pelo portal do Diário e Rádio da Universidade do Chile. Este vídeo mostra claramente a ação de policiais infiltrados na marcha de 21 de maio de 2016. Estes policiais, homens e mulheres, participam ativamente nos distúrbios, de fato, se pode ver como violentamente promovem abusos. Sem dúvida a participação de infiltrados nas marchas abre uma série de perguntas sobre sua participação direta nos atos de violência que desde o poder se atribui aos lutadores sociais que se mobilizam.
7. Consideramos inaceitável o proceder dos tribunais que avaliaram a ação ilegítima e ilegal dos serviços de inteligência e a falta de rigor do processo investigativo. A decisão nos assinala uma aliança perversa entre o poder judicial e os aparatos de vigilância e a repressão do Estado. Sabemos que este não é um caso isolado, mas uma prática corrupta normalizada, que permeia o sistema judicial chileno.
8. Frente a todos estes fatos, exigimos a anulação da sentença do Tribunal Oral no Penal de Valparaíso. Miguel, Rodrigo, Constanza, Hugo, Felipe e Nicolás são INOCENTES, foram sentenciados injustamente, por um processo judicial viciado que, através de sua condenação, pretende propagar o medo entre quem ainda crê possível um mundo distinto, longe da violência capitalista. Nossos/as companheiros/as são vítimas de uma tosca montagem.
9. Lamentamos profundamente a morte de don Eduardo Lara, e a precarização laboral que deve ter enfrentado em seus últimos anos. Por isso cremos que é necessário investigar o caso, abrir outras arestas à investigação que consigam dar com os verdadeiros culpados, que sua morte não seja um pretexto para criminalizar o protesto social nem condenar jovens inocentes.
Finalmente, fazemos um chamado às organizações sociais, coletivos, agrupações territoriais, educacionais, aos meios de comunicação alternativo e popular, e a todas as pessoas que queiram apoiar nossos/as companheiros/as na busca de justiça. Neste momento necessitamos toda sua solidariedade.
La Serena, 23 de julho de 2018.
Tradução > Sol de Abril
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