• Osvaldo Bayer, o “gringuinho” que terminou contando a Argentina como poucos
• Um novo livro repassa a infância, formação e obra de uns dos maiores escritores do país.
por Juan Brodersen | 29/06/2018
‒ Alemão, cú de pão!
Quando ele ouviu o apelido, ficou mal. Ficou muito zangado, mas foi depois que entendeu o que mais o incomodava: que não o considerassem argentino.
Osvaldo Jorge Bayer nasceu em 18 de fevereiro de 1927 na Argentina, e seu sobrenome original era “Payr”. Acontece que quando seu avô chegou ao país, ele se cansou de ser mal escrito. “Bayer, como a aspirina“, disse ele no Registro Civil da Cidade de Buenos Aires e Territórios Nacionais.
Quando menino chamavam-no Oswald, coisa que ele nunca gostou pelas mesmas razões. Isso o fazia se sentir muito estrangeiro.
Desde tenra idade mostrou interesse pela cultura. Gostava de tocar piano e passava as tardes lendo em família aos domingos, cercado por uma pilha de livros em alemão. Seu irmão Rodolfo, “um segundo pai”, levou-o uma vez em uma biblioteca popular do bairro de Belgrano, em La Pampa e Vuelta de Obligado, e ali começou a delinear os seus interesses.
Considerado um dos mais importantes historiadores e escritores da cultura popular e do anarquismo na Argentina, teve vários empregos antes de se dedicar às letras. Ele até se tornou nadador no clube Comunicações e aprendiz de timoneiro.
Mais tarde, com Rodolfo Walsh e Rogelio García Lupo, formou a tríade de jornalistas e intelectuais formados durante o primeiro peronismo e durante as interrupções democráticas posteriores a 55. Os três, a sua maneira, construíram uma nova maneira de exercer a função de revisar a história e questionar, através de suas investigações, os poderes de turno.
“A história de Osvaldo Bayer é a história da Argentina. Em todo momento tinha em mente que não só reconstruía a vida de um dos jornalistas e intelectuais mais importantes da história contemporânea, mas que também excursionava pelos diferentes eventos históricos do país“, diz ao [jornal] Clarín o jornalista Germán Ferrari, que organizou em um livro a vida de uma das grandes figuras do século XX argentino.
Bayer saltou para a cultura popular com a sua investigação sobre o anarquista Severino Di Giovanni, e começou a ter reconhecimento mais massivo com o filme “A Patagônia Rebelde“.
Aqui, Ferrari, que também é docente e escreveu vários livros, comenta os principais conceitos de O Rebelde Esperançoso (El Rebelde Esperanzado – Sudamericana, 528 páginas, 549 pesos), um livro que dedicou dois anos de trabalho, mas que foi incubado por muitos anos: “Quando estudei jornalismo eu tinha pastas com artigos. Ali nasceu a pasta chamada ‘Osvaldo Bayer’, com muita informação”, afirma.
Foi assim que ele retratou uma das personalidades que mais defendeu os direitos humanos na Argentina.
(Juan Brodersen) O que era Schwaz, a aldeia dos avós paternos de Bayer? Onde eles se estabeleceram na Argentina?
(Germán Ferrari) Schwaz é uma cidade no Tirol austríaco, onde o alemão é falado. É uma paisagem muito diferente da de Colônia, Humboldt, no centro da província de Santa Fe. Ali se instalaram os avós paternos e nasceram seus pais. Enquanto em Humboldt os alemães predominavam, havia também imigrantes de outras partes da Europa.
Seu avô foi muito importante para a família Bayer, como você disse no livro. Por quê?
Josef Georg Payr era um ferreiro que usava o seu ofício na agricultura. Bayer não o conheceu, mas admirava seu espírito rebelde, segundo a descrição do relato familiar. Como dizem, Josef propôs às autoridades de Santa Fe a construção de dois mil arados para semear o Pampa. Ele estava convencido de que assim poderia “alimentar o mundo”.
Quais eram suas paixões de menino, além de piano e leitura?
Jogava futebol com as crianças do seu bairro, Belgrano. Foi um simpatizante do Colón de Santa Fe e logo do Rosário Central, depois foi seguidamente ao estádio então recém-inaugurado do River. Ele também aprendera a jogar xadrez. Na infância também despertou sua paixão pela escrita e lembra-se que chegou a escrever um longo conto com a história de Tizón, um filho de escravos durante a Buenos Aires colonial. Então, quando adolescente, descobriria a poesia.
Ele era fervorosamente antinazista, num ambiente em que a comunidade alemã instalada na Argentina apoiava o nazismo. Como ele se moveu com essa ideia nos ambientes que frequentava?
Naquele bairro de Belgrano havia “portenhos bem portenhos”, mas a colônia alemã era numerosa. Bayer calculou que poderia ser dividida em 80 por cento de nazistas ou, pelo menos, seguidores sem questionamentos da política estabelecida pela Embaixada alemã em Buenos Aires. Uns 15 por cento eram antinazistas, entre eles seu pai, um socialdemocrata. Depois havia uma baixa porcentagem de católicos da Baviera e o resto eram “loucos totais”, como Roberto Arlt.
Isso conta um pouco sobre seu romance Rainer e Minou.
É claro que existe a relação entre os diferentes setores. Houve uma vez, sem saber, que foi ao Clube Alemão, um reduto nazista, junto com seus irmãos, a convite de um amiguinho alemão, justo no dia do aniversário de Hitler, onde tinha sido preparado festejos para crianças, mas também uma celebração Nacional Socialista.
Se você tivesse que definir sua maneira de pensar, o que seria o seu socialismo libertário?
Em uma entrevista que ele deu em 1983, ao retornar ao país, disse que o socialista libertário era “uma pessoa que quer viver em um mundo sem violência, onde todo mundo pode preencher sem mais delongas suas necessidades básicas: teto, pão, educação, em liberdade”. Para ele, o socialismo libertário baseava-se no antiautoritarismo, na defesa da natureza, nos direitos das minorias e na reivindicação do papel das mulheres. Incluía também o cristianismo primitivo, o do Sermão da Montanha.
Como os eventos dos Vingadores da Patagônia Trágica influenciaram sua vida?
O resgate do esquecimento dos massacres patagônicos, fato oculto pela história oficial, foi fundamental para sua consolidação como pesquisador. As páginas da revista Todo es Historia, dirigida por Felix Luna, permitiram que ele mostrasse seu trabalho para um público especializado e leitor de questões históricas. Em seguida, a aparição dos primeiros volumes de Os Vingadores da Patagônia Trágica (Los Vengadores de la Patagonia Trágica) tornou-se um sucesso de vendas e imediatamente surgiu a possibilidade de levar esses fatos ao cinema, graças ao interesse demonstrado pelos diretores Hector Olivera e Fernando Ayala.
Que lugar a Patagônia Rebelde ocupa no jornalismo argentino?
A exibição de Patagônia Rebelde permitiu que um público massivo se aproximasse de um evento histórico silenciado. Sem dúvida, os quatro volumes de Os Vingadores (Los Vengadores)… estão entre as pesquisas mais valiosas de história do gênero.
Como foi seu relacionamento com o peronismo?
Ele sempre expressou uma posição contrária ao peronismo, desde a sua chegada ao poder em 1946. Tanto o socialismo de sua juventude quanto o anarquismo de sua vida adulta o distanciaram desse movimento. No entanto, Bayer reivindicou certas medidas do Kirchnerismo, como a política de direitos humanos contra o terrorismo de Estado e a Lei de Mídia Audiovisual.
Por que você nomeou o livro O Rebelde Esperançoso?
Bayer disse uma vez que seu encontro com Che em Cuba o fez entender que ele não era um revolucionário. Nesse sentido, há toda uma tradição anarquista sobre o conceito de “rebeldia” que Bayer retoma e, por exemplo, usa como título de um de seus livros: Rebeldia e Esperança. Outro exemplo: no final da década de 1980, num artigo publicado na revista Fin de Siglo, ele se aprofundou na “reivindicação da rebeldia”.
Qual é o legado de Osvaldo Bayer?
Bayer é uma referência imprescindível quando se trata de falar de exemplos éticos, de compromisso, de rebeldia contra a injustiça e a opressão, de defesa dos direitos humanos e dos povos indígenas. Muitos setores da juventude descobriram um intelectual que não lhes falava a partir de um púlpito sagrado ou de uma plataforma inatingível, mas estava junto com eles, na mesma vereda, com humildade, generosidade e firmeza, a quem poderiam ligar no telefone de sua casa, pedir que escrevera um prólogo, ou apresentar um livro.
Tradução > Liberto
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!