por Nic Castillon | 30/07/2018
Manifestantes perambulavam pelas ruas do centro de Eugene, bloqueando o tráfego e resistindo à prisão em 18 de junho de 1999. O protesto havia surgido de um evento internacional chamado “Carnival Against Capital” (Carnaval Contra o Capital) no mesmo dia. As pessoas foram até o banco mais próximo e começaram a estourar as janelas de acordo com John Zerzan, um renomado filósofo anarquista baseado em Eugene. O ativista Rob los Ricos, que estava presente nos tumultos, acabou pegando sete anos de prisão por golpear um policial no ombro com uma pedra.
“Ninguém teria dito o que iria acontecer”, disse Zerzan sobre os tumultos espontâneos. “Nenhum anarquista planejou isso, mas foi chamado de ‘Tumulto Anarquista’ na manchete de capa no dia seguinte”.
Dos tumultos, dois foram hospitalizados, mais de 25 presos e mais de cem com ferimentos leves na garganta e nos olhos causados por gás lacrimogêneo da polícia antidistúrbios, de acordo com um artigo do “The Oregonian”, publicado no dia seguinte.
Foi nessa época que a cidade de Eugene começou a desenvolver uma reputação nacional por seus movimentos anarquistas e seu ativismo. Em 2000, o “Chicago Tribune” descreveu a cidade como “o berço da última geração de manifestantes anarquistas”. Essa reputação pode ter diminuído desde então, mas os passos da comunidade anarquista de Eugene, uma vez movimentada, ainda estão vivos hoje.
Naquela época, o então prefeito republicano Jim Torrey chamou Eugene de “a capital anarquista dos Estados Unidos”. Ele considerou que os protestos tiveram um impacto definitivamente negativo na cidade.
“Tivemos uma boa dose de anarquismo acontecendo em Eugene na época”, disse Torrey. Ele se lembra dos anarquistas “jogando pedras nas janelas, bloqueando o tráfego e atacando carros”.
Inicialmente, esses eventos estavam ligados a um movimento antiglobalização maior, mas nos anos seguintes, Eugene começou a funcionar como um centro para uma gama mais ampla de atividades anarquistas.
Várias publicações anarquistas pequenas e independentes foram produzidas e distribuídas dentro e ao redor da região. Um boletim informativo intitulado “Break the Chains” enfocou o apoio aos presos políticos e as críticas ao sistema penitenciário. Outra publicação, “Disorderly Conduct”, publicou notícias generalistas anarquistas, ensaios e informações, juntamente com o seu slogan: “Foda-se o civil, tornemo-nos desobedientes!”
No distrito de Whitaker, Zerzan transmitiu um programa de rádio da estação de rádio pirata “Radio Free Cascadia RFC”. “Foi algo muito diferente”, falando sobre o conteúdo de suas primeiras transmissões. Como ninguém podia fazer chamadas para a rádio pirata, Zerzan leu principalmente seus textos favoritos e destacou as notícias anarquistas.
A RFC foi finalmente atacada e fechada pela polícia, mas Zerzan ainda mantém seu programa na “Radio Anarchy” da estação de rádio KWVA, que vai ao ar todas as terças-feiras às 7 da noite.
Zerzan está agora listado como uma das principais vozes do anarco-primitivismo ou anarquismo verde, uma parte do pensamento anarquista que incide sobre ambientalismo e desindustrialização. A filosofia critica tanto a civilização quanto a tecnologia.
Algumas dessas ideias também ganharam atenção nacional em 1990 após a prisão e condenação de Ted Kaczynski, também conhecido como o Unabomber, que matou três pessoas e feriu muitas mais durante uma campanha de atentados com cartas bomba que ocorreu entre 1978 e 1995.
Antes de sua prisão, Kaczynski escreveu “A sociedade industrial e seu futuro”, um ensaio que critica a tecnologia e a industrialização como um prejuízo à sociedade e à liberdade humana. Zerzan acredita que Unabomber e este ensaio tiveram pelo menos alguma influência sobre os subsequentes protestos anarquistas em Eugene.
O próprio Zerzan visitou Kaczynski antes de sua condenação em 1998. “Pude ver que tínhamos as mesmas ideias”, disse Zerzan. No entanto, a ênfase foi colocada em diferenciar seus métodos: “Não é a mesma abordagem tática, colocar algo no correio para explodir um funcionário ou carteiro ou qualquer outra coisa, isso não está certo”.
Zerzan mantém seu programa de rádio em funcionamento desde 2001 e já transmitiu mais de 800 episódios. Ele também é editor da “Black and Green Review”, uma revista anarco-primitivista atualmente em sua quinta edição. O objetivo principal da revista é “aprofundar as críticas anarco-primitivistas e verdeanarquistas através de discussões abertas e debates”.
Apesar da relevância duradoura de Zerzan, ele continua sendo um dos poucos vestígios da comunidade anarquista de Eugene, outrora movimentada e altamente visível.
Admite que a cena anarquista em Eugene certamente se acalmou.
“Até [2006] havia agitação”, disse ele. “A normal e silenciosa Eugene voltou, e eu amo Eugene, mas a cena anarquista… todos eles se espalharam”.
O ex-prefeito Torrey também percebe essa mudança, mas reconhece as formas em que ainda há uma cultura anarquista em Eugene: “Não perto de ser tão prevalente como era no passado, eu acho que agora [as atividades anarquistas] são atividades mais orientadas para a sociedade [em vez do confronto]”.
E isso certamente parece verdade quando se considera o Coletivo Anarquista do Bairro (Neighborhood Anarchist Collective-NAC), um dos desenvolvimentos mais recentes da comunidade anarquista de Eugene.
De acordo com os princípios do NAC, o coletivo baseia sua atividade numa visão de anarquismo social que enfatiza as ideias de ajuda mútua, autonomia e apoio comunitário.
“O problema com nosso atual sistema é que a democracia não é real”, disse Serra Joy, que ajudou a fundar o NAC no ano passado. “Se todos nós realmente tivéssemos uma voz e realmente participássemos desse sistema, então teríamos uma democracia direta, isso é anarquismo no sentido que eu vejo: anarquismo social”.
Joy nem sempre se identificou como anarquista. De fato, ela recentemente se envolveu depois de uma série de eventos que a fizeram perder a fé no atual sistema político do país.
“Bernie [Sanders] veio como foi”, disse Joy. “Antes disso, eu poderia dizer a mim mesma que só precisávamos da pessoa certa, só precisávamos de pessoas suficientes, mas mesmo com a pessoa certa, com as pessoas adequadas e o grupo certo, não funcionou”.
Para Joy, a ênfase que o anarquismo social dá à comunidade é o que lhe dá esperança de ficar longe de um sistema político infame. “Se você não pode influenciar a democracia, se você não pode votar a favor de uma mudança em grande escala, então nós temos que olhar mais localmente”, disse ele. “Desde que fiz isso, me sinto mais fortalecida”.
Parte dos objetivos do NAC é se reconectar com a forte cultura anarquista do passado de Eugene. “Nós estávamos cientes disso e sentimos que queremos ajudar a reviver essa cultura”, disse Joy. “Queremos ajudar as pessoas a se capacitarem, a verem o poder que têm dentro de si e do grupo de amigos”.
Uma maneira pela qual o NAC tenta atingir esse objetivo é através de um evento mensal chamado “Share Fair” (Feira Colaborativa). “Normalmente, coletamos muitos recursos e apoio das organizações e criamos espaços para que as pessoas recebam esses recursos e encontrem a conexão com a comunidade”, disse Joy. O evento coloca à disposição da comunidade coisas como atendimento médico, cortes de cabelo, apoio emocional, comida e roupas, tudo de graça.
Através da Feira Colaborativa, mais de 100 pessoas passaram por cada evento durante seus seis meses de existência. “É muito divertido e sinto que este é o melhor projeto que saiu do Coletivo Anarquista do Bairro”, disse Joy.
Além da Feira Colaborativa, o NAC organiza eventos educativos, tais como exibição de filmes e clubes de leitura radicais e eventos para escrever cartas de apoio aos presos políticos.
Para Joy e Zerzan, essas ideias anarquistas ainda são muito relevantes e necessárias para recuperar o senso de comunidade.
“A comunidade [tradicional] se foi”, disse Zerzan. “Foi engolida pela sociedade de massa, então todo mundo quer isso… mas não, não conseguem”. Por essa razão, Zerzan chega a dizer que a sociedade provavelmente verá outra revolta [anarquista].
Seja ou não verdade, é claro que o pensamento anarquista ainda tem seu lugar dentro de Eugene.
“É incrível como muitas pessoas estão realmente interessadas nos valores básicos e fundamentais da teoria anarquista em que nos movemos”, disse Joy. “Minha esperança com o anarquismo em geral é que ajudem às pessoas a encontrar essa comunidade que tanto precisamos”.
Tradução > Liberto
Conteúdo relacionado:
https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2014/08/12/eua-novo-infoshop-em-eugene-oregon/
agência de notícias anarquistas-ana
Na caixa postal
a mão sente a queimadura:
taturana presa.
Anibal Beça
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!