A escola libertária Paideia, de Mérida, que coloca a liberdade, o antiautoritarismo ou a autonomia no centro da educação, celebra seu 40º aniversário este ano. A seguir, reproduzimos a carta aberta de um de seus alunos.
por Ibai Álvarez Guzmán | 16/08/2018
“Você assistiu Matrix? Bem, como se você não tivesse visto, lhe faço um resumo, além de aconselhá-lo, pois é uma trilogia que vale a pena ver.”
Este filme afirma que, no futuro, quase todos os seres humanos foram escravizados, após uma dura guerra, por máquinas e as inteligências artificiais criadas. Eles os têm em suspensão e doutrinação, conectando suas mentes a uma simulação física que representa o final do século 20, Matrix. Os seres humanos são utilizados pelas máquinas para obtenção de energia, e as poucas pessoas que não estão suspensos ou foram liberadas vivem na cidade de Sion, com naves que se deslocam no subsolo, entrando clandestinamente na Matrix para liberar outros conectados. Em um determinado momento do filme, Morpheus (encarregado de liberar pessoas da Matrix) oferece a Neo (protagonista) duas pílulas; uma vermelha, o que permitirá ser libertado da Matrix e acessar a verdadeira realidade, uma realidade que não sabe como será, nem como vai se encaixar nela, simplesmente, oferecendo saber a verdade, e outra azul, que lhe permite continuar a viver na Matrix como se tudo fosse um sonho, como se nada tivesse acontecido, deixando-o viver em sua “realidade”. No filme, Neo escolhe a pílula vermelha, mas uma vez dentro da verdadeira realidade ele percebe que isso não é tão maravilhoso quanto a anterior realidade programada pelas máquinas (Matrix), mas prefere viver nela, já que saber a verdade para ele é o mais essencial, assim como fazer com que os outros a vejam. No entanto, nem todos são assim, um tal de Cifra se opõe a continuar a viver na realidade, uma vez que considera que era mais feliz na ignorância, Matrix, querendo voltar a ela, opondo-se que despertem aqueles que estão adormecidos pelas “máquinas”.
O que eu tento dizer com tudo isso? Na minha opinião, é simples, Paideia não seria a pílula vermelha, muito menos a pílula azul. Seria Morpheus, aquela pessoa que quer nos fazer ver que a realidade não é como nos contam, é um “sonho” do qual as “máquinas” (adivinha quem são?) não querem nos acordar, já que sua existência e sobrevivência dependem justamente disso. A tarefa da Paideia, não é simples, e não é mais do que isso, deixar-nos saber a verdade, a verdade sobre a “realidade” nos mostrando que nem tudo é perfeito, que a realidade não é perfeita, que não é como eles querem nos fazer ver, que nós temos que “acordar”…
No entanto, fazer-nos “acordar” não depende da Paideia, essa não é a sua função, “acordar” depende de nós mesmos, de escolher “acordar”, embora possa levar a mais frustração, estresse, inclusive infelicidade… como queira chamar, tudo depende da pessoa, querendo saber a “verdade” ou querer viver enganada. Tudo depende da sua escolha, a Paideia mostra o que existe, o que temos ao nosso redor, o que as “máquinas” querem nos fazer ver em benefício próprio…
Por outro lado, isso não significa que tudo seja feito, que todos nós vamos acordar. Nada é perfeito, e como tal a Paideia não é perfeita, igualmente os seus alunos, como tudo na vida, por isso sempre haverá estudantes como Cifra, que mesmo sabendo a “verdade” querem continuar dormindo, que preferem viver enganados. Este é um fato, há momentos em que de tanto soar o despertador sempre o desligamos, seja por preguiça, por fadiga, por não querer enfrentar a realidade, etc. O despertador por vezes por muito que toque não desperta.
É ai que reside o mérito da Paideia, que não só enfrenta “máquinas” que querem evitar que acordemos e despertemos, mas enfrenta a realidade “triste” de que haverá pessoas que não querem acordar por muito que os ajude, por muito que o seu único desejo seja conhecer a verdade, e que dentro desta verdade seja feliz, feliz seguindo valores que permitam que outros também sejam felizes ao seu redor, valores como o respeito, a igualdade, solidariedade… valores que destroem as “máquinas”, que lutam contra elas todos os dias, por mais que nos queiram fazer ver o contrário.
É a única coisa que a Paideia lhe pede, que viva, seja feliz em “Sion” conhecendo a verdade, fazendo os outros quererem conhecer a verdade, mesmo que as “máquinas” lhe persigam, pois são elas que se beneficiam da mentira e da crueldade de nos fazer viver enganados.
Curiosamente a Paideia começou como um sonho, o sonho de três mulheres, especialmente uma, que com força, vontade e coragem conseguiram seguir adiante. Até hoje, há 40 anos desde que começaram a resistir apesar das máquinas, a intensificar os esforços para acabar com elas, embora sempre haverão pessoas como Cifra, que ainda vivem enganados, sempre conhecerão a verdadeira realidade e a qualquer momento vão perceber que é melhor viver com ela, posto que a Paideia sabe o que semeia.
Agradeço de coração por me mostrar o caminho e permitir-me remover a venda dos meus próprios olhos e dos outros.
Não pare, nunca se dê por vencida Paideia, porque eu não o farei. Sempre grato.
>> Paideia, Escuela Libre: paideiaescuelalibre.org
Tradução > Liberto
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