O centro Marienea de Basauri (Bizkaia) acolhe uma exposição sobre a luta do histórico movimento ligado a CNT. “Foram umas autênticas pioneiras”, destacam as organizadoras da mostra, que poderá ser visitada até o próximo 27 de setembro.
por Danilo Albin | 17/09/2018
Primeiro foi preciso fugir. Logo, tornar-se invisível. Assim que instaurou-se o reino do horror franquista, Lucía Sánchez Saornil teve que escapar primeiro e tornar-se clandestina depois. Nunca, mas nunca, deixou de ser quem era: uma militante anarcofeminista comprometida até sua última célula com a mudança social. Por isso fugiu e por isso teve que passar vários anos de forma desapercebida ante os olhos assassinos do regime. Por isso, também por isso, foi uma das fundadoras de Mujeres Libres.
Neste final de verão, o rosto de Ancheza Saornil faz parte de uma exposição que acaba de abrir-se no centro Marienea de Basauri (C/Kareaga Goikoa, 54), a poucos quilômetros de Bilbao. Seu perfil aparece em uma das salas do centro Marienea que até o próximo 27 de setembro acolherá a mostra “Mujeres Libres (1936-1939). Precursoras de un mundo nuevo”, organizada pela Fundação de Estudos Libertários Anselmo Lorenzo (FAL), o sindicato CNT e a agrupação Emakume Askeak de Bilbao.
“Não foi fácil: tudo o que é relacionado com as mulheres anarquistas é difícil de encontrar”, diz a Público [jornal] Carmen Gutiérrez, Roki, uma das responsáveis de Emakume Askeak que trabalhou para montar esta mostra e que conheceu de perto o processo seguido pela FAL para tornar possível esta exposição em homenagem ao histórico movimento anarcofeminista ibérico, que chegou a converter-se no mais importante a nível mundial.
Não em vão, a história de Mujeres Libres é parte indissolúvel da luta feminista neste país e, ao mesmo tempo, da resistência antifranquista. Seus antecedentes remontam ao final de 1935, quando “se cria o Grupo Feminino Cultural de Barcelona com a finalidade de promover a cultura, a educação e as relações de solidariedade entre mulheres”, pode ler-se em um dos painéis que compõem a mostra inaugurada esta semana em Marienea. “Fazem frente assim à situação de desigualdade que tinham como obreiras – continua -, tomando parte ativa nas decisões laborais e sociais em fábricas e oficinas”.
Alguns meses depois houve notícias desde Madrid. No calor dos acontecimentos que impregnavam toda a geografia, militantes de CNT na capital espanhola decidiram criar um grupo similar, “formado por Amparo Poch e Gascón, Mercedes Comaposada e Lucía Sánchez Saornil”. “Seriam elas que, em abril de 1936, começaram a preparar uma revista dedicada à cultura e a documentação social”, sublinha a mostra. O gérmen de Mujeres Libres já estava no ambiente.
O passo chave chegou no convulso 1936, quando os grupos de Barcelona e Madrid decidiram unir-se para formar, agora sim, o pioneiro movimento anarcofeminista. O grupo, denominado Mujeres Libres, começou a crescer rapidamente por bairros e cidades. A resposta parecia irrefreável: em 1937, quando se estruturou a Federação Nacional de Mujeres Libres, já havia 28 mil filiadas.
“Se analisamos o feminismo moderno, veremos que está completamente vinculado ao que foi este grupo”, diz Gutiérrez uns minutos depois de que a exposição abrisse suas portas. Com as salas de Marienea ainda vazias, esta integrante de Emakume Askeak se emociona ao recordar as que lhe antecederam na luta feminista. “Nem sequer durante a guerra abandonaram seus objetivos de instrução e liberação das mulheres”, reivindica.
Em tal sentido, a luta deste coletivo anarcofeminista esteve dirigida a “conscientizar as obreiras para emancipar a mulher de sua tríplice escravidão: a ignorância, a produção e o ser mulheres”. Para tratar de consegui-lo, “se basearam na capacitação, com programas de educação, cultura e formação, e na captação, com programas para animar às mulheres a unir-se ao movimento libertário”, diz outro dos painéis.
Perseguidas e fuziladas
Tudo isso enervava o regime franquista, que perseguiu com sanha às militantes de Mujeres Libres. “Sofreram repressão, cárcere e assassinatos”, diz Gutiérrez. Nesse último capítulo se encontra o caso de Encarnación Magaña, a única mulher fuzilada pelos franquistas em Almería. Outras conseguiram fugir ao exílio, onde algumas décadas depois conseguiram voltar a pôr em circulação a revista Mujeres Libres.
“Quando chegou a denominada ‘transição’, algumas delas reorganizaram o movimento em lugares como Barcelona ou Madrid, adaptando os objetivos históricos à situação do feminismo moderno”, relata Gutiérrez, que hoje faz parte precisamente do grupo de Mujeres Libres em Bilbao, um dos tantos que existe no Estado. De tudo isto se falará na palestra que acontecerá na próxima quarta-feira 19 às sete da tarde no mesmo centro que acolhe a mostra.
Uma casa feminista
A escolha do local para realizar esta exposição tampouco parece casualidade. O edifício Marienea acolhe habitualmente diversos atos ligados ao movimento feminista, e inclusive promoveu diversas pesquisas sobre o papel da mulher nesta localidade vizcaína. “Marienea é um espaço que busca reconhecer a história e a memória das mulheres”, contou ao Público o conselheiro de Igualdade, Asier Iragorri. Com os painéis de Mujeres Libres de fundo, o representante reconheceu a importância de “recuperar a memória histórica” das feministas “antes e durante a guerra”, algo que foi “encoberto e invisibilizado”. A exposição recém inaugurada busca, precisamente, acabar com esse silêncio.
Tradução > Sol de Abril
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