por Fernanda Grigolin | 11/09/2018
O que me levou a republicar o livro A mulher é uma degenerada, de Maria Lacerda de Moura? Para responder essa indagação, eu poderia repetir o que disse na apresentação do livro: a publicação ainda é extremamente atual em vários aspectos, em especial no que tange à crítica ao capitalismo e à sociedade burguesa; e à defesa da maternidade livre e do amor livre. Contudo, o ato de republicá-la não teve esse único motivo.
Poderia justificar o ato de republicar Maria Lacerda pela sua importância e as inúmeras pesquisas que realizaram sobre ela dentro e fora da academia. Maria Lacerda é uma anarquista brasileira muito reconhecida entre pesquisadoras/es, ela é assunto em teses e pesquisas nas universidades brasileiras, sendo o trabalho de Miriam Moreira Leite o primeiro focado, exclusivamente, na autora. Todavia, Maria Lacerda é, infelizmente, uma mulher muito pouco lida na fonte primária pelo público contemporâneo. Poucos fora do circuito acadêmico ou anarquista sabem quem ela foi. Atualmente, ficaram a cargo de anarquistas estudos e leituras em seus textos originais. São eles, de fato, os guardiões dos escritos e livros da autora. Maria Lacerda de Moura nasceu em maio de 1887 e morreu aos 57 anos em março de 1945. Foi precursora do que hoje denominamos anarcofeminismo, uma vertente do feminismo que se relaciona com os feminismos autônomos e com os movimentos anarquistas.
Poderia justificar a republicação do livro por Maria Lacerda ter sido extremamente ativa em sua época. Ela era lida por intelectuais, militantes e escritores tanto do Brasil quanto do exterior. Publicou mais de vinte livros, entre eles: Renovação (1919), A mulher e a maçonaria (1922), A fraternidade na escola (1922), A mulher é uma degenerada (1924), Religião do amor e da beleza (1926), Amai e… não vos multipliqueis (1932), Fascismo: filho dileto da igreja e do capital (1933). Foi editora da revista Renascença.
A mulher é uma degenerada é um entre tantos livros e é, seguramente, o mais conhecido. Escrito há quase cem anos, em 1924, tivera até então mais duas edições no Brasil (1925 e 1932) e uma na Argentina (1925). Desde 1932 não havia notícia de uma nova edição. A última edição em vida da autora foi por ela revisada e inclui cartas enviadas por pessoas que leram o livro. Há impressões de Roquette Pinto e trechos do texto da poeta Gilka Machado, por exemplo. O trecho da carta de Gilka a Maria Lacerda de Moura é particularmente interessante: “quando a miséria nos acirra, é inútil recorrer a uma patrícia: ela não tem noção da caridade (que eu diria, solidariedade), do dever humano e só protege em dias determinados, por meio de chás concertos e requebros de tango; para elas a desgraça sempre é motivo de divertimento”. O trecho de Gilka foi o mote da carta que escrevi a Maria Lacerda: quem assina a carta é a narradora do meu doutorado, a Mulher do canto esquerdo do quadro, uma operária que viveu no século passado. O trecho também foi destacado por Carolina O. Ressurreição, uma das comentadoras convidadas para escreverem no livro; ela traz para primeiro plano as questões de classe e raça unidas ao anarquismo. Destaco dois trechos abaixo:
Ainda que faça a crítica à mulher das classes abastadas, da boa sociedade, e registre – como Gilka Machado – que quando “a miséria nos acirra não há como buscar solidariedade nas patrícias”, Maria Lacerda não estende a crítica dos privilégios à questão racial.
Hoje, influenciadas pelo pensamento libertário de Maria Lacerda de Moura inclusive, podemos invocar um feminismo que se diga interseccional, que considere ativamente em suas leituras do mundo não só as opressões que podemos ver e de que podemos eventualmente ser vítimas, mas as opressões fora de nosso campo imediato de visão que se relacionam com as “nossas” de forma estrutural e vinculante. Hoje, dizemos no feminismo, tal qual no anarquismo, que não há liberdade para uma mulher se não houver para todas. Não há liberdade sexual em relação à maternidade para mulheres que podem escolher, se não houver direito de escolha para mulheres pobres, esterilizadas à revelia, ou mulheres negras, incapacitadas de cuidar de questões de sua [não] reprodução por estarem presas às crias de mulheres brancas.
>> Para ler o artigo na íntegra, clique aqui:
agência de notícias anarquistas-ana
Na velha roseira,
entre as folhas e os espinhos,
uma aranha tece.
Humberto del Maestro
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!