No cemitério cristão da pequena população de Sala está enterrada uma pessoa que foi de tudo menos cristã: pintor vanguardista, sufista, amante da cultura árabe, defensor dos direitos dos animais e, sobretudo, anarquista. Em Sala, a população que o viu nascer mas que nunca lhe compreendeu, descansa o pintor Ivan Aguéli (1869-1917). Também há um museu dedicado a sua obra pictórica.
4 de junho de 1900. Se instalou em Paris uma praça de touros provisória para apresentar e introduzir a tourada na França. No centro da praça dois toureiros esperam a saída do touro. O público guarda silêncio expectante. De repente, entre o público, salta à arena um homem vestido de negro esgrimindo uma pistola. Veloz se aproxima dos toureiros e antes que nenhum dos presentes possa reagir descarrega a arma sobre eles. Um dos toureiros cai ferido. O público grita estupefato e a polícia corre até o agressor que deixa cair a arma enquanto grita: “Viva o touro!”
O autor dos disparos é o anarquista Ivan Aguéli. Um pintor sueco que se dedica a percorrer Paris em busca de inspiração e revolução. O atentado lhe custará uma condenação a prisão condicional e uma multa. No entanto, o processo judicial que seu atentado iniciou acabou na proibição das corridas de touros na França.
Quem era este anarquista desconhecido? Ivan Aguéli, se chamava na realidade John Gustaf Agelii. Nasceu em 24 de maio de 1869 em Sala (Suécia). Sua família gozava de uma posição econômica boa mas não era feliz. Durante toda sua infância foi maltratado com frequência por seu pai. Constantemente ele e seu pai se enfrentavam já que o desejo de liberdade de Aguéli era demasiado forte e isso gerava tensões entre pai e filho.
Depois de uma série de fracassos escolares o pai decide enviar Aguéli à cidade de Visby (Gotland). A ideia do pai é que Aguéli abandone as más companhias e volte ao caminho reto. A ilha de Gotland muda totalmente o futuro pintor que, impressionado por sua natureza, descobre a pintura.
De volta da ilha, Aguéli começa a estudar pintura na prestigiosa Associação de Arte de Estocolmo. No entanto, Aguéli volta a mostrar seu caráter inconformista e inadaptado se chocando frontalmente com a formação academicista e clássica da escola. Faz inimizade com o máximo representante da arte oficial da época, o pintor impressionista Anders Zorn (1860-1920).
No ano de 1890 faz sua primeira viagem a Paris. Ali muda seu nome para Iván Aguéli. Conhece Cézanne, Gauguin, Van Gogh e o anarquismo.
Para o pintor, que vive de aluguel em casa do casal Hout – Anatole e Marie – o anarquismo “quer criar uma coisa nova desde nossa sociedade insalubre”. A casa do casal Hout é uma casa cheia de gatos abandonados e acolhidos, de intelectuais que vão e vem, de tertúlias estimulantes. É o centro intelectual de Paris. Nos andares da casa Aguéli se encontra com August Strindberg, Charles Baudelaire e Eugène Delacroix.
Nem tudo é arte para Aguéli: participa em diversas ações anarquistas. Aprende a fazer bombas, é preso em diversas ocasiões. Está imerso no buliçoso mundo anarquista de Paris. Em uma carta no ano de 1911 descreve o anarquismo a seu amigo Richard Berg da seguinte maneira: “Imagina um pôr e um nascer do sol de uma vez. O enorme e tranquilo heroísmo dos dinamiteiros; a vingança das vítimas culturais; os sonhos dos utópicos e dos artistas; intuição, talvez um raio pálido mas que inclui os primeiros raios del sol”.
Finalmente, a perseguição policial de que é objeto lhe faz deixar a França pelo Egito. Será a segunda vez que visita o país. Desde pequeno, por causa da leitura infantil de As mil e uma noites, sempre se sentiu atraído pelo Oriente. No Egito se estabelece no Cairo.
A primeira visita ao Egito foi uma tentativa de curar-se de uma surdez que lhe perseguia desde seu nascimento. Aquela viagem resultou em sua conversão ao Islã, mais precisamente ao sufismo, e a adoção de um novo nome, Abd Al-Hadi Aqhili. Nessa segunda viagem se translada ao deserto para pintar e estudar o árabe. É um período de introspecção só interrompido por uma viagem a Paris e a Sala. Em seu povoado natal assiste ao enterro de seu pai. Ninguém, na Suécia, quer se relacionar com o estranho personagem que vai ao funeral vestido com uma túnica oriental. Durante estes anos escreve: “Desgraçadamente triunfarei, estou condenado a viver, já que um dia minha arte terá que explicar as excentricidades de minha vida”.
Voltará ao Egito uma terceira vez. Esta será a mais frutífera de todas: chegará a pintar cerca de setenta quadros. No entanto, sua atitude crítica contra o poder colonial inglês no país motivará sua expulsão do Egito.
Chega a Barcelona em 1917 a caminho de Paris. O estalido da Primeira Guerra Mundial lhe obriga a ficar em Barcelona. Se estabelece em L’Hospitalet. Cada manhã pega seus objetos de pintura. Seguindo a linha de trem se move terra adentro em busca de motivos para pintar. A seu amigo, o artista Carl Wilhelmson lhe pede que não ponha o nome de Iván no destinatário das cartas, “melhor Gustav” já que o nome de Iván tem demasiadas conotações revolucionárias e os rumores de agitadores e revolucionários vindos da Rússia são constantes na Espanha. Além de pintar Aguéli se dedica a fazer traduções e a escrever sobre a arte catalã. O velho revolucionário não vê com bons olhos a Barcelona da época que parece olhar com receio ao estrangeiro. “Barcelona se tornou impossível para mim. A agitação é inimiga dos estrangeiros (…) Para os revolucionários todo estrangeiro é um espião. Está claro que um pintor paisagista é um espião, pensam. Nem os policiais nem os militares me dizem algo quando pinto ao lado das baterias (…) mas os republicanos tem que se fazer notar. Como no Egito. Lá os ingleses não me diziam nada mas os jesuítas, os armênios, levantinos e todos os outros tinham que gritar me ofendendo (…) Não falo de política com ninguém nem me meto no que não me importa. Mas basta que caminhe com meus objetos de pintura pela rua ou a estrada para sentir o ódio de classe ou a xenofobia. A minha pessoa não querem mal, simplesmente não me deixam trabalhar (…)”.
Em primeiro de outubro de 1917 como cada manhã pega seus materiais de pintar e caminha pela linha férrea em busca de um motivo que lhe chame a atenção o suficiente para pintá-lo. Hoje tem febre e pode ser que ouça menos que o normal. Por trás dele avança um trem. Apesar dos contínuos avisos do maquinista Aguéli não se afasta e o trem lhe atropela em sua passagem.
Morre com a idade de 48 anos. Deixa uma obra vanguardista pioneira na Suécia. Ivan Aguéli resumia sua obra com estas palavras: “nunca se é o suficientemente exato, suficientemente simples nem suficientemente profundo”.
Quando chegou a Espanha Aguéli tinha como máximo desejo – assim o confessa a sua mãe em uma carta escrita em 1916 – visitar Múrcia. A cidade do filósofo sufí Ibn Arabi, que se regia por duas máximas: “Não tenhas medo” e “Pensa por ti mesmo”.
Albert Herranz
Fonte: https://www.nodo50.org/tierraylibertad/361articulo8.html
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
a borboleta
pousa sobre o sino do templo
adormecido
Buson
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!