Quando: 26, 27 e 28 de outubro
Local: Disgraça
Endereço: Rua da Penha de França Nº 217 A/B, Lisboa
Certamente não é em todos os livros que podemos encontrar laivos de possíveis rumos para a liberdade. Muitos criaram maciços cadeados que sufocaram e oprimiram gentes e comunidades ao longo da história e do Globo. Alguns destes são os mais publicados da história, como A Bíblia (com o seu Gênesis), O Livro Vermelho de Mao, O Príncipe, E Tudo o Vento Levou, ou até o Mein Kampf. As bibliotecas continuam a ter as prateleiras carregadas de novos e velhos volumes de literatura misógina, contos infantis sexistas, manuais de saúde homofóbicos e transfóbicos, livros escolares racistas, reedições da história imperial dos “descobrimentos”, constituições, códigos civis e penais, e claro, manuais de auto-ajuda.
Somos conscientes da ingenuidade desse anarquista ibérico que no final do século XIX, achava que a imprensa era o derradeiro invento que finalmente libertaria a sociedade. Mas no início do século XXI, quando, por vezes, o abecedário digital confere outra dimensão às palavras, ainda acreditamos nesse amontoado de papel, que dura séculos, que se pode ler, reler, oferecer, trocar, sublinhar, riscar, recortar, copiar, memorizar, e até usar para matar mosquitos e insônias, ou como guardião de folhas secas e lembranças. Uma vez produzido, tintado, encadernado, colado ou grampeado, não temos que recorrer à eletricidade das centrais nucleares nem do lítio das minas poluentes a céu aberto, e podemos levá-lo conosco até o fim do mundo (ou até aos primórdios desses mundos novos que levamos nos nossos corações… e demais vísceras). Sim, alguns livros servem para sonhar e inspirar futuros ardorosos, que emergem das brasas de uma prisão em chamas – e de todas as suas (re)encarnações.
Este ano a Feira Anarquista do Livro volta a Lisboa nos dias 26, 27 e 28 de Outubro, novamente no cume fresco da Penha de França. Além dos vários achados que poderás encontrar nas bancas de livros de pequenas editoras e distribuidoras, também vais poder desfrutar de concertos, do indispensável convívio, de uma oficina de encadernação, e das conversas programadas sobre gentrificação e cultura libertária em Cacilhas, vacinação numa perspectiva antiautoritária, antipsiquiatria, histórias subversivas de algumas mulheres, “os mauzões e mauzonas” do maio de 1968, a atual brutal repressão na Turquia, e os diálogos entre o pensamento anarquista e o anticolonial.
Traz a tua palavra não presa, seja vocal seja impressa!
P r o g r a m a
SEXTA-FEIRA, 26 OUTUBRO
17h. Oficina de encadernação: vem aprender a encadernar o teu próprio livro!
20h. Jantar de apoio à Feira
21h30. Exposição e conversa com o Centro de Cultura Libertária de Almada, CCL 44 anos: Resistir contra o presente, Criar outros futuros
Após 44 anos de atividade, a contínua pressão do negócio imobiliário e da gentrificação que impõe a destruição de espaços sem fins lucrativos, o encerramento de pequenos comércios e a saída de moradores locais, atinge também o Centro de Cultura Libertária acelerando o despejo do espaço que ocupa em Cacilhas. Esta saída marca sem dúvida o encerramento de um ciclo iniciado há muito por velhos militantes anarquistas locais que resistiram ás torturas da ditadura sem nunca comprometerem os seus princípios. Desde então, houve uma contínua renovação geracional de militantes neste espaço, que trabalhou, conviveu e lutou pela propagação das ideias e práticas anarquistas mantendo acesa a chama da presença libertária em Almada.
SÁBADO, 27 OUTUBRO
14h – 20h. Bancas de editoras e distro na praça
14h30 – 16h. Conversa sobre a exposição e zine História(s) das mulheres nas lutas Anti-autoritárias, pelo coletivo Rata Dentata.
Esta exposição e zine pretendem visibilizar as histórias das mulheres que, em diferentes geografias e a partir de múltiplos lugares de enunciação, se afirmaram como precursoras dos movimentos anarquista e autônomo entre os finais do séc. XIX e os meados do séc. XX. Trata-se de um projeto itinerante, baseado nos valores do DIY, de elaboração inacabada.
Como é que podemos desenvolver um projeto historiográfico sobre mulheres sem reforçar a presunção da existência de um sujeito unitário, estável e universal? Que relações de dominação e de exclusão emergem quando se pretende resituar as mulheres na História? Que história(s) desenterrar neste retângulo geográfico? Como é que podemos fugir à reprodução de leituras hegemônicas, à colonização epistêmica das resistências, à apropriação de outras vidas? Como é que podemos gerir e suplantar o caráter eurocêntrico do anarco-feminismo? Estas e outras interrogações orientarão a conversa sobre o processo de construção coletiva e a pertinência política da referida exposição e zine.
16h30 – 18h. Apresentação do livro Trimards – “Pègre et mauvais garçons de Mai 68” (Atélier de création libertaire, 2017), pela sua autora Claire Auzias.
O livro de Claire Auzias apresenta a paixão que foi o maio de 68 em França, mas também a sua complexidade, sem ocultar as divisões que existiam na extrema-esquerda. A imagem que ela apresenta desses “vadios” e outros “maus rapazes” convida-nos a rever seriamente as leituras abstratas e teóricas sobre essa revolução. Este trabalho confirma que outra história é sempre possível. Trimards em Lyon, loulous em Grenoble, zonards em Nantes, katangais em Paris ou o Mouvement révolutionnaire octobre em Bordeaux, para a autora este Lumpenproletariat foi o outro lado da Revolução.
*Atividade em francês, com tradução para o português.
18h30 – 20h. Turquia: Panorama atual da Turquia, por vozes anarquistas turcas // Repressão, guerra, o desafio de uma ação internacional.
Nos últimos 2 anos, tem havido uma severa intensificação de uma política já há muito repressiva e conservadora. Após a tentativa de golpe em Julho de 2016, o estado de emergência foi declarado, as características legais dessa condição têm sido utilizadas pelo regime para estabelecer novas leis, estender seu poder, iniciar uma repressão dura e aberta e prender milhares de pessoas. Um dos principais alvos é todo o movimento progressista e revolucionário – incluindo o movimento curdo e os anarquistas. A religião e o fascismo tornaram-se amplamente legitimados na sociedade. Ao mesmo tempo, o nacionalismo está crescendo, estando fortemente ligado às operações militares em Afrin e outras estruturas de Rojava.
Durantes esta discussão, falaremos com três companheiras que virão para comentar os recentes desenvolvimentos e em particular, a situação dos anarquistas neste contexto.
*Atividade em inglês, sem tradução.
20h. Jantar de apoio à Feira
21h – 00h. Concertos com:
Sharp Knives (anarcho folk punk local heroes)
Ecra Ed Otorkse (punk folk anticapitalista)
Mármol (punk desde Bilbao)
DOMINGO, 28 OUTUBRO
14h – 20h. Bancas de editoras e distro na praça
14h30 – 16h. Apresentação do livro Anarquistas e Orgulhosos de o Ser. Antologia de textos de Amedeo Bertolo (Barricada de Livros, 2018), pelo editor Mário Rui Pinto.
O livro é uma antologia de textos inéditos em português de Amedeo Bertolo, um dos mais importantes nomes do anarquismo italiano e europeu pós-Maio 68, falecido em 2016. Bertolo, ao longo da sua vida, conseguiu harmonizar os meios e os fins, o dizer e o fazer, o pensar e o agir. Desde o rapto do vice-cônsul espanhol em Milão, em 1962, para chamar a atenção da opinião pública italiana para as sentenças de morte do ditador Franco, até à fundação, mais recentemente, da editora Elèuthera e do Centro de Estudos Libertários – Arquivo Pinelli, passando pela luta contra o Estado italiano após o assassinato de Giuseppe Pinelli em 1969, pela co-invenção do famoso símbolo do A circulado e pela criação da revista A e da editora Antistato. Bertolo foi protagonista de todo um conjunto de iniciativas militantes e editoriais que marcaram os últimos 50 anos.
16h30 – 18h. Apresentação do livro “Otra Mirada al Sistema de Salud Mental. Una Manera de Entender el Conflicto”, de Xarxa GAM e Hugo Rojo (Editorial Descontrol, 2018), por membros de Xarxa GAM.
*Atividade em castelhano, sem tradução.
Às vezes perdemos a noção da realidade e diante desta situação nos obrigam à reclusão e ao isolamento dentro dos muros de um hospital psiquiátrico. O assim chamado internamento é muitas vezes cruel e comporta a tortura sistêmica própria de uma instituição reacionária. Ainda, a dominação vai mais além do ficar dentro, também se aplica fora. Esta otra mirada al sistema de salud mental mostra pequenos apontamentos de como subverter toda a repressão e coação da instituição, a qual não tem nada nem de humano, nem dos tratos respeitosos que uma terapia sã deveria ter. Dá uma pincelada para entender o conflito e destroça os privilégios da normatividade. Desde o primeiro dia que fomos diagnosticadas até agora, nos temos armado para criar alternativas terapêuticas e ainda cá estamos, com cada passo a buscar soluções e praticando-as.
18h30 – 20h. “Dar o rabo à seringa ?!” – Debate sobre vacinas dinamizado pelo Grupo de Saúde Antiautoritária, GO.S.A
Vacinas: um assunto controverso que despoleta posições bastante polarizadas. De um lado as vozes anti-vacinas abordam o assunto falando da toxicidade das preparações, do impacto agressivo nos corpos imaturos das crianças e da suposta relação causal com algumas doenças. Do outro, encontram-se argumentos de uma comunidade médica e não só, defendendo ferozmente a vacinação, destacando a importância da responsabilidade social e saúde pública. O Go.S.A parte de um posição reflexiva e abrangente que procura levantar questões/reflexões como: serão todas as vacinas necessárias? Em que ponto o discurso médico abre espaço para informar sobre os possíveis efeitos secundários e características de cada vacina, permitindo uma escolha ponderada e consciente? Serão os argumentos do movimento anti-vacinas sólidos o suficiente para dar sentido a estas escolhas? Como podemos abordar esta questão partindo de uma visão que busca potencializar a nossa autonomia e capacidade de decisão sobre o nosso corpo, sem comprometer a saúde comunitária?
20h. Jantar de apoio à Feira
21h. Pré Lançamento do Livro Anarquismo Anticolonial – diálogos entre o pensamento de Bakunin e Frantz Fanon. Faremos uma breve apresentação do livro seguido de uma breve discussão sobre o conteúdo, continuaremos com um bate papo com coletivos que travam a luta anticolonial e antirracista no Portugal de hoje em dia.
Para participar do bate-papo, convidamos o Coletivo de Ação Imigrante e Periférica (CAIP) mais outros coletivos (A CONFIRMAR). Lançamos as questões: de que forma podemos travar a luta anticolonial nos dias de hoje, particularmente lutando a partir da Europa? Quais os mecanismos que o colonialismo utiliza para se perpetuar, e de que forma ele age na racialização e fabricação de corpos periféricos? Quais são as possibilidades de diálogo e urgência nas lutas dos coletivos que atualmente existem, e de que forma elas podem ser potencializadas?
Contatos:
http://feiraanarquistadolivro.net
feiranarquistadolivro@riseup.net
www.facebook.com/feiranarquistadolivro
agência de notícias anarquistas-ana
pétala amarela
a borboleta saltou
sem pára-quedas
João Acuio
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!