por Capi Vidal | 18/11/2018
Já falamos em outras ocasiões de organizações mais influenciadas pelo anarquismo clássico, então estamos lidando agora com as características de grupos e coletivos anarquistas, inseridos em redes difusas, que parecem refletir um novo cenário sociopolítico e tecnológico.
Os valores anarquistas estão, em grande parte, vigentes. No entanto, o mundo do século XXI é muito diferente daquele de mais de um século atrás. De fato, pode-se afirmar que pouco tem a ver com a realidade com a qual vivemos há algumas décadas e, os anarquistas, fiéis aos valores, devemos valorizar e nos adaptar às permanentes mudanças de ciclos em que vivem as sociedades humanas; caso contrário, inevitavelmente cairemos no dogmatismo e no isolamento. Quando essas mudanças de paradigma ocorreram? Sendo sempre cauteloso, podemos estabelecer um processo que pode começar em maio de 68 e que tem sua culminação no final dos anos 90 e no início do século XXI.
Para elucidar quais podem ser os novos modelos de organização libertária, onde a dicotomia entre modernidade e pós-modernidade é de grande importância, devemos esclarecer alguns pontos. Primeiro, os paradigmas organizacionais tratados em outras ocasiões, fortemente influenciados pelo anarquismo clássico (impregnada de modernidade e dos valores do Iluminismo, confiança na ciência, na razão e no progresso), não são de forma alguma criticados radicalmente ou muito menos excluídos como anacrônico. Na verdade, grande parte dos militantes das grandes organizações libertárias faz parte de muitos outros projetos onde se podem ver as características do que alguns autores consideram que é a época pós-moderna, que resumiremos em que o importante são certas práticas (no caso que nos interessa, libertárias) ante os grandes discursos da modernidade, cujo escopo seria apenas simbólico.
Estas práticas, subversivas, autogestionadas, solidárias, horizontais, preocupadas com a consecução de objetivos imediatos, são inevitavelmente impregnadas com os valores libertários clássicos (relação entre liberdade e igualdade, a adaptação dos meios aos fins, uma política unida à ética), mas se desenvolvem em um novo cenário sociopolítico, que em grande parte também parece favorecer o movimento libertário. São as novas tecnologias que levaram ao desenvolvimento de redes nas quais não existem estruturas hierárquicas. Mas, como Tomás Ibáñez aponta, há que mostrar-se também críticos com este novo paradigma, porque também podem estar contribuindo para assentar a nova época e, ao mesmo tempo, legitimar dispositivos de dominação, que também evoluem e se adaptam aos novos tempos com cara mais gentil.
O anarquismo hoje, além das organizações clássicas acima mencionadas, goza de boa vitalidade em muitos coletivos e projetos explicitamente libertários ao redor do mundo, mas também graças à sua influência sobre outros grupos e indivíduos, que não são necessariamente considerados libertários. O que favoreceu esse desenvolvimento do anarquismo, em um cenário muito diferente, é certamente a ausência de ideias rígidas e sistematizadas. As propostas libertárias nunca foram parte de um cânone irremovível, estabelecido para sempre, e de fato é a diversidade e heterogeneidade que as caracteriza, de modo que sua acomodação aos novos tempos não é tão surpreendente. Quando qualquer um de nós entra em um projeto libertário muito específico, é precisamente a pluralidade e heterogeneidade que nos caracteriza, o compartilhamento de certos valores, é claro, mas sem as convicções de ferro com as quais sempre tentamos medir a realidade.
O anarquismo continua sendo a crítica mais radical existente contra o estabelecido, fortemente subversivo, de modo que não é surpreendente que muitos jovens sejam atraídos por ele. Os coletivos anarquistas carregam em seu seio, e o exercitam em suas ações, as características da sociedade em que gostariam de viver: uma verdadeira igualdade de gênero, uma identidade pessoal ampla e diversificada (como é o caso das opções sexuais) e uma crítica radical do capitalismo e da sociedade de consumo. São essas práticas, que tentam se manifestar na realidade de hoje, aquelas que implicam um desejo inabalável pela sociedade do futuro.
Pessoalmente, eu acredito que a participação em projetos libertários dos mais variados, mais além da pertença a uma única organização (a força, de aspirações maximalistas), é algo que permite superar essa rigidez militante que também, por muito humana, aparece no anarquismo. Se se quer, é um paradoxo; por um lado, perdemos uma organização de “massa”, no estilo da CNT de antes da Guerra Civil, capaz de resolver todos os problemas sociais, por outro, isso é possível hoje em dia? Eu não tenho, nem quero ter, a resposta definitiva; só anseio salientar que, independentemente do que se pense a esse respeito, essa pertença a grupos locais, em contato com uma realidade imediata, dentro de redes amplas e fluidas, capaz de escapar de todo estatismo graças a uma troca permanente e bem coordenada graças às novas tecnologias, é o que parece permitir uma admirável saúde libertária no presente.
Confrontado com a espera frustrante para uma resposta aos problemas sociais, o que implicará o advento de uma revolução final que faça nascer a sociedade anarquista, resulta mais enérgico e saudável se envolver em projetos subversivos que reproduzem o tipo de realidade que gostaríamos. Os valores libertários clássicos ainda são muito válidos, entre os quais a ausência de todo dogmatismo e o estado permanente de evolução, mas a questão permanece sendo qual é a forma hoje mais válida para exercer uma influência libertária sobre uma sociedade baseada em estruturas de dominação. Antes de ter todas as respostas, é necessário continuar fazendo perguntas e, consequentemente, continuar se movendo com um compromisso libertário.
Se lermos um livro como Anarchy Alive! Políticas antiautoritárias da prática à teoria, entendemos essa saudável vitalidade libertária que foi mencionada anteriormente. A grande quantidade, em todo o mundo, deredes de indivíduos, grupos e coletivos, bem comunicados e coordenados, e com práticas de ação direta. A principal característica dessas redes, e com isso chegamos a um dos paradigmas organizacionais com os quais este escrito lida, é que elas são totalmente descentralizadas, e não há militância fixa que possa ser considerada oficial. A obra de Uri Gordon, ademais, termina em 2007, pelo que não pode atender aos importantes movimentos sociais dos últimos anos (15M, Ocuppy…), tão influenciados pelo anarquismo em sua prática. Este é um exemplo, como dissemos, do novo cenário sociopolítico e tecnológico que favorece a priori o desenvolvimento do movimento libertário longe de toda a estrutura hierarquizada.
Fonte: http://reflexionesdesdeanarres.blogspot.com/2015/12/el-movimiento-anarquista-hoy-el-nuevo.html#more
Tradução > Liberto
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Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!