Em Slab City, a biblioteca pública não tem datas de vencimento nem cartões da biblioteca. Os livros estão organizados por seção, mas não ordenados alfabeticamente. Nesta cidade anarquista ocupada ilegalmente no deserto de Sonora, na Califórnia, estabelecida sobre os cimentos vazios de um acampamento militar criado na década de 1940, a biblioteca funciona com doações e boa vontade, e se quer pedir emprestado um livro, adiante.
“Decidi respeitar as regras da biblioteca anarquista”, diz Cornelius Vango, um “bibliotecário anarquista e vagabundo de carreira”. “Não queria que as pessoas sentissem nenhuma razão para não pegar um livro. Muita gente está passando e nunca voltará”.
A encarnação atual da biblioteca ganhou vida faz uns quatro anos, quando Vango se mudou. “Faz anos que vinha a Slab City e nunca havia ouvido falar da biblioteca”, diz. Foi fundada por uma mulher, Rosalie, bibliotecária de ofício, que morreu em 2003. Sua tumba é justamente fora da biblioteca. O ano anterior a que Vango assumisse o projeto, algumas pessoas haviam tentado revivê-lo, mas a próxima temporada a biblioteca estava em pior estado que antes. As pessoas haviam pegado os bons livros, mas ninguém queria agregar novos porque o lugar não estava sendo atendido. Alentados por outros na cidade, Vango começou a reconstruir através de salvamentos e doações. Hoje em dia a biblioteca conta com milhares de livros, divididos em seções de ficção e não ficção. “Estamos no deserto e não há códigos de construção”, diz. “Posso viver como quero e posso fazer com que a biblioteca seja como quero”.
Ninguém escreveu uma história completa de Slab City; seria impossível. Em um novo livro Slab City: Despachos desde o último lugar livre, o estudioso de arquitetura Charlie Hailey reúne alguns fragmentos para começar a reconstruir este passado. Um estudo em 1902 que parcelava a terra em um dos lugares da Califórnia para “escolas públicas comuns gratuitas”. O estabelecimento das losas de concreto distintivas, em maio de 1942, como base para uma base de treinamento dos marines. Uma pesquisa de veículos recreativos e reboques de viagem que começou em 1980 e continuou até 1997, com uma população máxima de 872 plataformas em janeiro de 1992.
Hailey, que é um arquiteto com licença e ensino na Universidade da Flórida, fez um estudo de acampamentos, ou qualquer lugar que turve as linhas de assentamento temporário e permanente. Descobriu que Slab City é único na forma em que aproveita três aspectos chave dos acampamentos: autonomia, necessidade e controle (ou, dito de outra maneira, desejo, necessidade e poder). Slab City foi chamado o “último lugar livre”, mas isso não o converte em um lugar fácil para viver. “A liberdade é algo no qual realmente tens que trabalhar”, diz Hailey. “E as pessoas que vivem ali estão se colocando em uma situação na qual realmente tem que trabalhar nisso”.
Apesar de que é mercurial, se escreveu muito sobre Slab City e muitas fotos tomadas de seus residentes. Os “ladrões”, como se chamam a si mesmos, também contam suas próprias histórias. Na página de YouTube de Vango, podes ver um mini-doc “por um Slabber para Slabbers” fazer um percurso pela biblioteca, ver o que se necessita para sobreviver aos brutais verões do deserto, dá uma olhada nas sessões de bar ao vivo.
No novo livro, Hailey e seu colaborador, o fotógrafo Donovan Wylie, se centram na arquitetura do lugar: o desenho da cidade, seus limites, sua infraestrutura e os lugares que a gente construiu dentro das limitações de uma cidade anarquista do deserto. Os materiais de construção se limitam principalmente ao salvamento e o clima desértico é severo, mas Hailey considera a criação de lugares como este como uma expressão importante da liberdade. “Podem construir o que decidam construir”, diz.
No livro, Hailey e Wylie visitam a biblioteca de Vango. “Não há porta porque a biblioteca nunca fecha”, assinalam. Mas a biblioteca tampouco pode fechar, em certo sentido. De acordo com as regras de Slab, diz Vango, “necessitas ocupar um espaço para que seja teu. Se não o ocupas, a gente pode entrar e tomar tua merda”. Se Vango saiu da biblioteca para o verão, por exemplo, quando o deserto está tão quente que a população de Slab City cai dramaticamente, o lugar seria saqueado.
Esta é uma das contradições de Slab City. Há liberdade, mas tem uma vantagem. “Em certo sentido, está oculto”, diz Hailey. “É realmente remoto. Mas também é um lugar de exposição. Tudo está exposto ali”.
Mas não é um lugar sem lei, exatamente. “Muitas pessoas vem a Slab City e pensam que podem atuar como queiram sem consequências”, diz Vango. “É uma comunidade, e necessitas respeitar as pessoas como o farias em qualquer outro lugar. A biblioteca não é só a biblioteca, é também meu lar. Pergunte antes de tentar tirar fotografias. Não caminharias no pátio de alguém e começarias a brincar com suas coisas. Tens que respeitar o espaço aqui.
Dito isto, passe por aqui. “Todos são bem-vindos. Não tenho expectativas. Simplesmente desfruta teu tempo aqui”, diz Vango. “Somos muito tranquilos e amigáveis. E realmente gostamos das doações de gelo”.
Tradução > Sol de Abril
Conteúdo relacionado:
agência de notícias anarquistas-ana
o céu resfria
a lua vestiu
uma charpa de bruma
Rogério Martins
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!