Um elogio à memória do anarquista grego Dimitris Armakolas, recentemente falecido.
“Que podemos nós fazer quando nos confrontamos com a morte, mas removemos deus da equação com que com ela lidamos? Precisamos criar alternativas para dar reconhecimento àqueles saídos do nosso movimento sem fronteiras. É tanto por um reconhecimento apaixonado de suas vidas quanto por nossa decisão de continuar a agir em solidariedade que preservamos suas memórias e espíritos”.
Nas últimas semanas, nosso movimento perdeu um companheiro.
No sábado de 10 de novembro de 2018, nosso companheiro Dimitris Armakolas tentou pendurar uma faixa em solidariedade ao preso político Marios Seisidis, no bairro ateniense de Petralona (uma vizinhança histórica devido à importância de seu contexto político). Nesse ato, Dimitris subiu em uma torre elétrica em Merkouri Square. Na faixa estava escrito “Liberdade para Marios Seisidis¹”, e dava informações sobre a iminente data de seu julgamento, em 21 de novembro, com o intuito de despertar a consciência do povo sobre seu caso, e aumentar o número de presentes e de apoio no dia do julgamento.
Ao tentar pendurar a faixa, Dimitris tomou um choque tão forte, por causa de uma fiação exposta, que acabou caindo. Foi tão potente que houve um apagão de energia no bairro todo. Dimitris teve seus ossos quebrados, seus órgãos comprometidos e seu crânio esmagado. Ele esteve em condição crítica na UTI pelos dias seguintes à tragédia, lutando para sobreviver ao acidente com toda sua mente, corpo e alma.
No dia 15 de novembro (que também foi seu aniversário de 23 anos), o cérebro de Dimitris parou de funcionar, embora seu coração continuasse a bater. A triste verdade era que ele só seria capaz de continuar vivendo com a ajuda de aparelhos.
Ele foi oficialmente declarado morto em 19 de novembro, às 10 da manhã. Em respeito ao desejo da família de Dimitris, foi feito um funeral cristão ortodoxo. No entanto, o funeral estava repleto de dezenas e dezenas de companheiros anarquistas, de todas as vertentes do movimento. Embora os rituais do funeral tenham sido respeitados de forma independente à sensação geral de desprezo pela igreja, tanto por Dimitris quanto pelos compas que compareceram ao funeral, houve alguns momentos de calorosas perturbações à normalidade do evento.
Com o intuito de abarcar sua memória como um militante anarquista, e buscando também respeitar o serviço por conta de sua família, os companheiros começaram a cantar “a paixão pela liberdade é mais forte que qualquer cela”, “vida longa à anarquia” e “Dimitris, seu coração bate forte dentro do peito de todo combatente na luta”.
Um outro companheiro expressou seu derradeiro adeus: “Dimitris está aqui conosco, na nossa luta, nas nossas ruas e em nossa vizinhança; a luta continua, ele está presente, e desejamos a ele boas viagens”. Alguns de seus amigos mais próximos cercaram o caixão com uma bandeira negra contendo o A-no-círculo, a qual foi levada à tumba. No domingo seguinte, anarquistas providenciaram um segundo funeral em sua memória, na praça onde ele sofreu o acidente. O evento incluiu textos dedicados à sua memória, tanto em grego quanto em inglês, e uma reunião de companheiros vindos de toda Atenas.
Algumas palavras a Dimitris, de sua comunidade
Estaríamos encerrando um ano de luta e vida em comum com nosso amigo e companheiro Dimitris. Do nosso primeiro encontro até a última batida de seu coração, toda sua existência foi dedicada a nosso projeto e à sua fundação. Em um período tão curto de tempo, ele demonstrou crescentes paixão e comprometimento com a luta do mais amplo movimento anarquista em Atenas, e além.
Dimitris era uma cria da metrópole. Crescido em Atenas, ele se interessou pelos movimentos desde cedo, infelizmente tendo sido levado de início pela decepção com grupos liberais, como o Syriza, atualmente no poder. Ele foi motivado por um forte desejo de praticar o apoio mútuo, a ação direta e outros princípios anarquistas, o que inevitavelmente o levou a uma inesperada e intensa desilusão para com o Syriza e todo seu lixo político. Sua desilusão com o Syriza não somente o levou ao abandono das políticas liberais, mas a uma total rejeição a todos os partidos políticos e organizações hierárquicas. Sua desilusão veio acompanhada de frustração e tristeza, junto de um sentimento de que um grupo político havia se aproveitado dele, em sua juventude, o que ele identificou como interesse pessoal de alguns políticos de base, que buscavam aumentar seus privilégios e capital social em acordo com as instituições vigentes nessa vil sociedade e no aparato geral do Estado, com os quais o Syriza sempre cooperou em seu âmago.
Aos 18 anos de idade, Dimitris deixou a Grécia e foi para o Reino Unido. Ele conseguiu sobreviver por alguns anos morando em casas compartilhadas e trabalhando no setor de serviços alimentícios. Com a intenção de deixar a Grécia em busca de uma outra vida, ele se deparou com uma realidade ainda mais dura, que o impelia a um estado de constante necessidade de sobrevivência. Voltando à Grécia, ele buscou viver de modo a não compactuar com o labirinto de sobrevivência a ele forçado pelo capitalismo. Ele era apaixonado não apenas pelo movimento das okupações, mas por expropriar e construir comunidades autônomas. Ele amava viajar, e amava festejar. Ele era o mais doido de todos numa pista de dança.
Estamos contentes por ter partilhado este último ano coexistindo e criando laços com Dimitris. Sentimos que nossos projetos e experiências ajudaram suas ideias a florescer, e também ajudaram seus desejos subversivos a serem praticados e explorados. Ele não era apenas um membro da comunidade okupa de Koukaki, mas parte da assembleia de residentes locais de Thisio-Koukaki-Petralona, sendo que sua participação ajudou a manter nossa comunidade conectada às lutas locais. Quase todos os textos da nossa comunidade foram traduzidos por ele, oferecendo à comunidade um material de qualidade para ser distribuído aqui e no exterior. Seu trabalho estava refletindo sua crença em um movimento multinacional.
Ele cuidava muito bem da Leila, sua companheira canina, dando a ela o máximo de liberdade e respeito que um humano pode dar a um cão na sociedade vigente. Ele amava Leila, levava ela para todos os lugares. Uma vez ele foi preso na estação de metrô Omonoia por se recusar a tirá-la do trem, a forçá-la a usar focinheira ou a colocá-la numa gaiola. É claro que suas ideias e sentimentos viravam do avesso também o seu próprio animal não-humano. Dimitris tinha profundo desgosto pelas pessoas que tratam animais não-humanos como objetos, como produtos de exploração, e pelas pessoas que os demonizam. A libertação de animais não-humanos de condições de escravidão sempre foi parte de seus desejos políticos.
Dimitris promovia a abolição do sistema binário de gênero, e optou por desafiar a heteronormatividade, experimentando crossdressing e outros elementos avessos às características cis masculinas. Ele buscava destruir o patriarcado, e nunca se render ao papel social do gênero e suas consequentes expectativas. Em nossa comunidade, ele buscou iniciativas que abrissem questões e lutas de gênero e sexualidade, por meio de projeções de vídeo e debates.
Ele estritamente defendia as características combativas da nossa comunidade, uma das razões pelas quais fez uma crítica bastante dura contra nossa escolha de não confrontar diretamente a tropa de choque na tentativa de evacuar a “4ª Square Liberte” que tentamos abrir. Dimitris estava envolvido em ações contra o controle e a repressão; nos morros e nas ruas, ele agiu pela memória de Zak/Zackie Oh. Em sua caderneta, que continha sua agenda e compromissos, ele estava anotando as datas dos assassinatos de militantes que morreram pelas mãos do Estado.
Dimitris era um apaixonado, belo e sincero combatente de nossa luta contra qualquer forma de autoridade. Éramos parte de seu crescimento, e ele era parte do nosso. Dimitris fez de um objetivo de vida diário desafiar e superar seus medos, de forma independente das consequências. Embora seu destemor talvez o tenha levado à sua morte, esse era uma característica bem definida de sua beleza e da luta pela resistência que ele inspirou.
Na nossa luta voluntária contra a autoridade, todo militante anarquista é insubstituível. DIMITRIS ARMAKOLAS ESTÁ PRESENTE ATRAVÉS DE NOSSAS MAIS EXTREMAS ESCOLHAS.
Sobre sua comunidade
A declaração supracitada é de autoria da comunidade okupa Koukaki de Atenas, da qual Dimitris era membro. Koukaki é um bairro que faz margem com a Acrópole, e está passando pela mais extrema gentrificação de Atenas, devido ao Airbnb e ao turismo mais amplo. Apesar dessas circunstâncias, foram abertas três novas okupas em Koukaki.
A okupa da qual Dimitri fazia parte servia como abrigo para anarquistas, subversivos, refugiados e imigrantes. Ela fornece não apenas abrigo para os descontentes e excluídos, mas em sua essência existe para estimular o projeto anarquista.
As okupas Koukaki sobreviveram a uma tentativa de evacuação da MAT (tropa de choque da Grécia), a intimidação estatal e a perseguição jurídica, assim como a quatro ataques fascistas. Elas são respeitadas por serem okupas que sobreviveram às adversidades causadas pela vizinhança em seus arredores, que é bem pouco amigável, diferente de outros lugares como Exarchia, onde muitas okupas existem.
[1] Marios Seisidis está sob julgamento em Atenas, Grécia. Ele é um autoproclamado anarquista prestes a encarar 36 anos de cadeia, acusado de um roubo a banco no centro de Atenas, em 2006. Ele esteve foragido por quase onze anos e foi, infelizmente, capturado em 2017.
Fonte: https://itsgoingdown.org/on-the-passing-of-anarchist-comrade-dimitris-armakolas/
Tradução > breu
agência de notícias anarquistas-ana
Rio seco
silêncio sob a ponte
apenas o vento.
Rodrigo de Almeida Siqueira
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!