por Lynda Edwards| 24/09/2018
David Gunn havia acabado de ser liberado do hospital depois de tentar se matar, quando ele conheceu a beleza decadente que mudou a sua vida.
Era uma casa cor de marfim no centro de Albany, abandonada anos atrás mas com a sua estrutura elegante e janelas altas de vidro intactas. Gunn, 30, escalou o seu pilar de madeira e virou a maçaneta. A porta estava destrancada.
“Assim como a maioria dos edifícios abandonados em Albany”, Gunn observa.
O edifício de dois andares não tinha eletricidade ou água encanada. Mas, do lado de dentro, ornamentos maravilhosos: portas arqueadas, estantes embutidas, pisos de madeira de lei. Um grande e negro A, circulado por um O enfeitava uma parede, símbolo criado por anarquistas na década de 1890, mais tarde popularizado durante os anos 70 pelos punks. Desde 2016, de três a oito auto-intitulados anarquistas vivem ali. Eles possuem cerca de duas dúzias de apoiadores na região da Capital, que são bem vindos para visitar e planejar protestos e vigílias.
Funcionário nenhum da cidade ou do condado notou os ocupantes. O edifício deu a Gunn uma casa, amor verdadeiro e uma comunidade de amigos.
“Anarquista” soa tão exótico e antiquado quanto “duelo de honra” ou “escultor de gárgulas”. Para Gunn e os seus amigos, que também são veementemente veganos, anarquismo significa: evitar todos os governos, apoiar a classe trabalhadora, promover a pilhagem e o escambo no lugar do uso de dinheiro.
“Não é exagero dizer que a anarquia salvou a minha vida,” disse Gunn, que não possui família. “Me deu um propósito. Anarquia me mostrou que o sentimento de não ter nada a perder pode ser libertador e positivo”.
Os anarquistas não sabem a quem pertence a casa, cujas redondezas historicamente serviram de espaço para as segundas ou terceiras casas de barões da Era Dourada dos EUA. Os moradores da rua são trabalhadores, pobres e dedicados. Os amigos de Gunn adquiriram habilidades “DIY” suficientes (soldagem, trabalho com encanamento, carpintaria, culinária) para ajudar os vizinhos, buscando evitar os pavorosos e desumanos patrões capitalistas. A mais radiante conquista deles são os quinzenais “Livres Mercados Realmente Livres”, com milhares de itens doados, de pão fresco a mobílias diversas, além de roupas e brinquedos. A última edição do evento atraiu 20 voluntários e centenas de participantes.
Dada a desconfiança frente ao Governo e a suas vidas fora dos trilhos, os anarquistas assemelham-se a sobrevivencialistas selvagens preparados para o apocalipse Americano. Mas no lugar de caçar, pescar e se isolar numa cabana, os anarquistas vivem no centro da cidade e reviram o lixo ao cair da noite, recolhendo aveia, caixas seladas de suco e pallets de batata doce e ameixas roxas.
“Sobrevivencialistas não querem ficar na presença de pessoas. Anarquistas são sociáveis, nós amamos os nossos vizinhos” afirmou Gunn. “Nós não somos niilistas. Se o governo colapsar, nós poderemos sobreviver vivendo da mesma maneira. Mas também iremos ajudar outras pessoas.”
Uma busca por abrigo, comida, amor
Garrett McCluskey, 30, é um sonhador. O eletricista de formação traz um sistema de som portátil para os parques locais, onde ele toca jazz vintage como se fosse um serviço público. Um músico talentoso, McCluskey agoniza quando tem que cobrar, mesmo quantias modestas, pelas aulas de violão e canto que ele oferece. Ele acredita que fazer música deveria ser um prazer gratuito para todas as pessoas.
Ele enfeitou metade da parede da sala de visitas com estampas coloridas de senhoras nuas e peitudas, pinups da década de 1940. Uma dessas estampas parece ter sido esculpida em ouro. As beldades são a inspiração de McCluskey para a sua busca pelo amor verdadeiro. Suas guitarras e violões estão escorados por perto.
“Eu adoraria ter uma namorada para quem eu pudesse cantar”, disse ele, próximo aos seus instrumentos musicais, “Uma companhia para aventuras — mas esse estilo de vida definitivamente não é para qualquer um. Nós acreditamos que todas as espécies, animais e humanos, são iguais. Animais são os nossos amigos. Seria quase impossível se apaixonar por alguém não-vegano, que vive de comer os meus amigos”.
Vários amigos, homens e mulheres, dão rolês pela ocupação mas não podem viver por lá.
Quando os companheiros da ocupação de McCluskey tinham dinheiro suficiente, eles chamaram a empresa de energia elétrica, declarando-se os novos donos da propriedade. A energia veio. Porém, não há mais eletricidade há meses. McCluskey e Gunn afirmaram que eles nunca colocariam a construção em risco acendendo uma fogueira no seu interior. Eles usaram aparelhos de micro-ondas de uma conveniência em um posto de gasolina próximo para aquecer garrafas de água para os seus sacos de dormir, depois vestiram todas as suas roupas para evitar que se congelassem. Amigos amáveis com apartamentos os convidam para dormir no sofá quando o frio era muito intenso.
Bombeiros nunca marcaram a casa com o grande X vermelho, que designa uma construção como estruturalmente insegura para entrar.
“Mas só por não ter o X vermelho não significa que uma casa abandonada seja estruturalmente sólida”, afirmou o coordenador de conservação de Albany, Samuel Wells. “São muito poucas as construções abandonadas que se encontram prontas para serem habitadas sem um bocado de trabalho. Se uma casa fica anos sem manutenção básica, ela deteriora de maneiras perigosas, que podem não estar visíveis”.
Wells disse que casas abandonadas nunca deveriam estar abertas, pois ladrões podem entrar e furtar cabos de cobre e luminárias.
Os anarquistas insistem que eles não prejudicariam as casas, mas eles podem ser excessivamente confiantes nas suas habilidades de manutenção. Um ex-colega de casa tentou colocar água corrente no apartamento removendo os registros com um maçarico.
Eles agora possuem o que foi apelidado de “banheiro de gravidade-zero”. McCluskey enche um balde de 20 litros, o leva escada acima e derrama a água numa bacia, o que faz com que os excrementos desçam até o tubo de esgoto.
“O banheiro a gravidade-zero é um impeditivo para varias mulheres quando se trata de se mudar”, lamentou McCluskey.
Numa tarde de verão recente, ele dividiu mangas e melancias suculentas com os companheiros anarquistas Gunn e o estudante de medicina na Universidade da cidade, Tobi Warwick — e com as suas namoradas.
Gunn conheceu a companheira Alyssa Gallagher em uma aula de cozinhar tofu. Ela tinha um apartamento e um trabalho em Capital Roots, uma organização sem fins lucrativos que consegue produtos frescos para famílias de baixa renda. Ainda sim, ela amava Gunn a ponto de ter se mudado para a ocupação.
“Dave possui ideias únicas e interessantes; ele faz uma diferença na comunidade”, disse Gallagher. “Eu não me importo em revirar o lixo. A comida normalmente é encontrada em sacolas limpas e fechadas, não é simplesmente jogada solta dentro da lixeira”.
O grupo revira lixeiras de mercearias, padarias e restaurantes. Somente uma lixeira, de um mercado de peixes, estava muito fedida para qualquer um revirar. Normalmente, eles encontram uma boa quantidade de alimentos saudáveis e limpos, e McCluskey arranja o que sobra na varanda em fileiras, com uma placa convidando passantes a se ajudarem.
Mas eu nem chego perto daquele banheiro de gravidade zero”, disse Gallagher, rindo. “Eu sou associada a uma academia, onde Dave e eu podemos usar banheiros e chuveiros”.
Sobre aquele Mercado Livre
Pode parecer estranho para pessoas sem empregos convencionais defenderem a classe trabalhadora. A investida mais recente de McCluskey ao mundo do trabalho foi a sua apresentação de stand-up sobre veganismo.
Ele foi banido do club de comediantes de Albany na mesma noite em que estreiou. McCluskey reproduziu um vídeo no palco, que mostrava um matadouro de porcos.
“Mmmmm, bacon. Gargalhar (“Laughter”) fica a uma letra de abater (“Slaughter”). Já estamos gargalhando?” disse ele, enquanto porcos mutilados gemiam na tela e membros da audiência gritavam horrorizados para que ele parasse.
Perguntado se ele pensou que a ação foi divertida, McCluskey pondera sobre a questão com uma doçura sincera.
“Eu acho que eu posso ser engraçado e que eu sou engraçado. Mas talvez o ato foi mais afrontoso do que cômico”, respondeu McCluskey.
O Mercado Livre é o verdadeiro local de trabalho dos anarquistas. Ele inspirou Warwick, 22, a se juntar ao grupo de Gunn. Ele tem um apartamento e um emprego em um centro médico de Albany.
“Ele é um cara tão dedicado que quando nós havíamos planejado um protesto no centro de tratamento de animais, Tobi veio e ficou com a gente, com o seu avental azul”, afirmou McCluskey.
Warwick também permite que o seu endereço fique exposto nas redes sociais, promovendo o “Livre Mercado Realmente Livre”, para que moradores de Albany possam deixar doações no seu apartamento.
“O Mercado foi uma experiência transformadora para mim; Eu quis estabelecer um compromisso com os ideais do grupo depois dele”, disse Warwick. “Todas as idades, incluindo crianças, e todas as raças estavam na última edição. Um homem que precisava de sapatos tamanho 42 para uma entrevista de emprego chorou quando encontrou um par”.
Os anarquistas não tinham ideia do que era um par de barras de apoio para banheiros de deficientes. Mas um homem que usava uma cadeira de rodas ficou emocionado ao adquiri-las. Warwick lembrou que itens corriqueiros podem mudar a vida de alguém que não consegue dinheiro suficiente para comprá-los, por mais que a pessoa trabalhe.
Criando um mundo deles
O professor de Sociologia na Universidade de Albany, Richard Lachmann, vê a atração pela anarquia como uma reação sensata ao se ver preso em uma economia de bicos. O seu próximo livro sobre trabalhadores Americanos chama-se “Passageiros de Primeira-Classe em um navio a naufragar: Políticas da Elite e o Declínio das Grandes Potências”. Um título que os anarquistas apreciariam.
“Os Millenials estão inseridos em uma economia com diversos trabalhos disponíveis, mas a maioria precarizados, sem seguridade ou garantia nenhuma”, afirmou Lachmann. “Comunidades fora dos trilhos, rurais e urbanas, surgem mais frequentemente em tempos de instabilidade econômica”.
Historicamente, a personalidade espinhosa dos anarquistas e a falta de vontade de fazer concessões dificultavam que eles se submetessem a ajustes que a maioria dos trabalhadores faz quase sem pensar para se darem bem com os chefes e se encaixarem nas culturas corporativas.
“Mas se você é jovem e tudo o que o mundo corporativo lhe oferece é a alternância interminável entre trabalhos insatisfatórios, as recompensas para esses compromissos parecem valer menos a pena”, disse Lachmann. “É um movimento arriscado tentar criar o seu próprio mundo. Mas se o mundo em que você se encontra agora é instável e pouco atraente, o risco parece valer a pena”.
Gunn discute com franqueza as dificuldades que a sua saúde mental passa ao lidar com espaços de trabalho tradicionais. Depois da sua tentativa de suicídio, ele disse que funcionários públicos da saúde o diagnosticaram com depressão e transtorno de estresse pós-traumático. Gunn afirma que ele frequenta um terapeuta e recebe um auxílio por deficiência, que é muito escasso para que ele se sustente.
“Honestamente, eu provavelmente não me encaixaria em um monte de empregos”, disse Gunn. “Mas eu encontrei um jeito de ser uma parte significativa do mundo”.
agência de notícias anarquistas-ana
Esse pé de caqui
Cresceu comigo –
Agora me dá frutos!
Kailane Souza Ferreira – 13 anos
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!