O sobrevivente que se fez passar por jovem hitlerista dá várias palestras em escolas de Madri. Ele inspirou o filme ‘Filhos da Guerra’
por Jesús Ruiz Mantilla | 17/01/2019
Quando os alemães se renderam aos aliados, o jovem Josef Perjell chorou a derrota. Ele não voltou a vestir o uniforme para lutar no front nem a estampar a suástica como membro da Juventude Hitlerista. Ficou para trás sua convicção na superioridade da raça e no sonho de uma Alemanha forte que dominaria a Europa. Até aí, faz sentido. Mas o esquema vem abaixo ao nos inteirarmos de que o verdadeiro nome daquele adolescente vencido era Solomon Perel. E o espanto aumenta ainda mais quando ele nos conta que a última vez que viu os pais foi no gueto judeu de Lodz (Polônia), de onde saiu fugindo após registrar na memória a ordem que a mãe lhe deu: “Você tem que sobreviver!”.
Quando nesta quarta-feira, aos 93 anos, ele se lembrava disso em Madri, a conclusão sobre seu comportamento é clara: “Foi um mecanismo de defesa …”, comenta, depois de ter dado várias palestras a convite das escolas alemã e suíça. Lá ele contou a história daquele garoto que entrou nas garras do monstro para não ser aniquilado como judeu e que Agnieszka Holland levou ao cinema no filme Filhos da Guerra, baseado em suas memórias.
Ele tinha fugido da Alemanha com a família. Decidiram se mudar para a Polônia. Erro. Quando aquilo se tornou uma ratoeira, ele e o irmão mais velho escaparam para o leste, em direção à União Soviética. Mas a Wehrmacht não interrompia o assédio aos judeus em nenhum front. Perto de Minsk, depois de uma perseguição selvagem — “Não vi nada parecido em minha vida”, confessa agora — eles foram alinhados para identificação antes de serem mandados com um tiro para a vala comum. “Um oficial me perguntou se eu era judeu e respondi que não. Não sei de onde veio aquela voz, com aquela convicção. Mas ele acreditou e eu me salvei.” Logo depois estava de volta à Alemanha, enfiado nas salas de aula de uma escola em Brunswick. Lá se formava o espírito selvagem da Juventude Hitlerista e ali permaneceu interno até serem recrutados para o front.
Perel poderia ter contado sua história fingindo dotes de interpretação, como uma obra-prima da dissimulação. Mas quando nos anos 1980 confessou seu passado em seu livro You Have to Live, escolheu a mesma franqueza que adota agora: “Eu era um nazista convicto. O único judeu nazista que conheci … Macabro, você não acha? Com a derrota, fui tomado pela tristeza, acreditei na doutrinação, totalmente. Confiava na superioridade da raça, na seleção das espécies, em que o mundo deveria pertencer aos mais fortes e que o destino dos fracos era cair. Eu me sentia como um deles e eles me consideraram como tal. Eu até tinha vergonha das minhas origens.”
Durante o dia era um filhote de Hitler. À noite, quando se despia e, diante dos outros tinha que esconder a circuncisão, no silêncio do dormitório, ia para a cama com a consciência e o fantasma da verdadeira identidade sob os lençóis. Você se sente um traidor? “Não, nunca. Obedeci à ordem da minha mãe. Jurei a ela que iria sobreviver e ainda estou aqui.”
Quando a guerra terminou, para Salomão o regresso foi natural. Passou dois anos na Alemanha até que em 1948 decidiu emigrar para Israel, onde mora. “Escondi minha história por 40 anos. Não contei para minha esposa nem meus dois filhos. Mas tive de ser operado do coração e, antes, decidi contar.” Poucas pessoas lhe passaram sermão: “Nem moderados nem ortodoxos”, diz ele. Eles o compreenderam e até hoje é bem-conhecido em seu país. “Teve quem dissesse dizendo que preferiria se deixar matar a usar uma suástica. É muito fácil pensar assim quando você não está em perigo, mas, se tivessem se colocado em meu lugar, o que teriam feito?” Mesmo assim, de alguma forma, ele se sente estranho: “Quando vou a reuniões de sobreviventes, me vejo como um outsider. Não posso compartilhar memórias de um campo de concentração com ninguém, nenhuma experiência semelhante. Também não conheço ninguém que tenha passado por algo parecido, nem sou invadido pelo sentimento de culpa do sobrevivente dos fornos que Primo Levi relatava. Acredito que sou o único.”
Hoje ele se considera livre daquele delírio, embora às vezes seu treinamento hitlerista lhe pese por dentro. “Ainda hoje, bem no fundo, noto os restos daqueles anos. Ouço ecos do jovem Josef.” São suficientes para que se preocupe com os sinais alarmantes que vê na Europa e em todo o mundo. “Há muitas semelhanças com aquela época. Os populismos apelam ao desespero das pessoas. Além disso, a princípio, a maioria também pensava que os seguidores daquele excêntrico chamado Hitler nunca chegariam ao poder. Era considerado como hoje, quando vemos muitos líderes de extrema direita no mundo, um louco. E, veja…”
Ele também não acredita que a receita para combatê-los seja a ambiguidade. “Nem o centro. O que é o centro? Nada. Só se pode combater o fascismo com um compromisso das esquerdas. Mas sem violência”.
agência de notícias anarquistas-ana
O sol envelhece.
pavio queima por um fio.
Verão que apodrece.
Flora Figueiredo
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!