por Gregory Stevens | 30/07/2018
“Violência significa trabalhar por 40 anos, recebendo salários miseráveis e imaginando se vai se aposentar algum dia…
Violência significa títulos financeiros estatais, fundos de pensão roubados e a fraudes no mercado de ações…
Violência significa desemprego, emprego temporário….
Violência significa ‘acidentes’ de trabalho…
Violência significa ser levado à doença por causa do trabalho duro…
Violência significa consumir psicofármacos e vitaminas a fim de lidar com o tempo de trabalho exaustivo…
Violência significa trabalhar para o dinheiro para comprar medicamentos, a fim de consertar seu poder de trabalho commoditizado…
Violência significa morrer em camas prontas em hospitais horríveis, quando você não pode subornar.”
– Proletários da sede ocupada da Confederação Geral dos Trabalhadores Gregos (GSEE), Atenas, dezembro de 2008
Eu já fui um pacifista cristão incondicional que justificaria a não-violência em face de estupro, roubo, ocupação militar, violência policial ou violência racista sistêmica. Li muito da literatura, participei e ministrei treinamentos/conferências/eventos pacifistas, fui alguém que aviltava publicamente táticas mais militantes. À medida que meu trabalho político transicionou do ativismo político democrata para a organização revolucionária (liderada pelos e para os oprimidos, trabalhando para a libertação coletiva), aprendi mais noções historicamente matizadas de violência, não-violência e autodefesa. Cheguei a conclusão que o pacifismo cristão dogmático pode ser extremamente perigoso e violento para os povos humanos e não humanos oprimidos.
Uma das primeiras coisas feitas em debates religiosos sobre o pacifismo é se debruçar sobre versos da Bíblia, escolhendo versículos (geralmente fora de contexto) para provar uma/sua visão sobre a outra. Se tivermos uma versão mais complexa e sutil de nossas histórias de fé, reconheceremos a bondade e a vasta diversidade, muitas vezes contraditória, das narrativas bíblicas e das tradições da Igreja. Assim como a diversidade de relatos evangélicos nos mostra a diversidade da Igreja primitiva, a diversidade de táticas revolucionárias dentro de nossas histórias bíblicas e tradições de fé pode nos ajudar a moldar nossos movimentos contemporâneos através de uma diversidade de táticas. Em vez de pressupor que uma maneira de pensar é correta para todos os tempos e lugares, não importa o contexto ou as pessoas envolvidas, é melhor usar uma diversidade de táticas em nossa meta de nossa salvação coletiva do pecado (também conhecida como nossa libertação coletiva da opressão). Precisamos de todas as ferramentas na caixa, precisamos de todos os tipos de táticas disponíveis, e precisamos de uma grande multiplicidade de estratégias se quisermos vencer e derrubar o sistema capitalista, imperialista e hétero-patriarcal que destrói a vida planetária.
Eu não acho que o mundo jamais será, ou já foi, um mundo sem violência. Violência é uma palavra ampla com muitos significados diferentes. Estou usando o termo violência em um sentido muito geral quando sugiro que o mundo nunca será um lugar sem algumas formas de violência. Um ancião indígena me ensinou isso em relação à chuva: a quantidade certa de chuva cria vida nova e próspera, chuva demais e a vida é violentamente varrida. Quando o tigre faminto ataca um antílope, cravando seus dentes afiados na carne para matar para nutrição, a violência irrompe para que a vida continue viva. Quando uma geleira se quebra e desmorona nas aldeias de pescadores das regiões mais ao norte, comunidades inteiras podem ser perdidas para as ondas gigantes e o impacto das montanhas de gelo em movimento. Quando um incêndio toma conta de uma floresta, queimando árvores e decompondo a matéria vegetal em cinzas, nutrientes inundam o solo e raios mais fortes do sol podem alcançar o piso da floresta, fornecendo mais ingredientes para a vida nova florescer.
A Mãe Terra não é uma pacifista dogmática, ela usa a violência para transformar o mundo. Nem sempre é Sua ferramenta favorita, mas às vezes é; não parece ser sua filosofia final, mas uma tática dentro de Sua estratégia maior de sobrevivência.
Reivindicar um pacifismo dogmático completamente puro vai contra os padrões que vemos no mundo ao nosso redor. O pacifismo se torna uma religião ou ideologia fundamentalista, e não uma das muitas ferramentas dentro de nossas estratégias revolucionárias. É importante começarmos a ver a não-violência ou a não resistência como uma tática dentro de uma diversidade de estratégias; não é a única resposta, mas uma resposta muito útil para momentos históricos muito específicos. A não-violência não é um pacifismo dogmático, a não-violência não precisa ser universalizada como uma ideologia para todos os tempos, lugares e circunstâncias como no pacifismo. As táticas militantes não violentas usadas por alguns movimentos dos direitos civis (boicotes e ocupações) mostraram que algumas táticas não-violentas podem ser bem-sucedidas. As táticas militantes de autodefesa usadas por outros dentro dos maiores movimentos de liberação (Panteras Negras, Young Lords, UHURU, etc.) também foram bem-sucedidas. Nenhum teria sido tão bem sucedido sem o outro.
Violência Capitalista
Reivindicar algum tipo de pacifismo purista como o único caminho a seguir é também ilógico para aqueles que vivem, movem-se e têm seu ser dentro da economia capitalista mundial. No centro da crítica de Marx ao sistema capitalista estava a violência inerente à propriedade privada, a centralização da riqueza, a alienação dos trabalhadores e as vastas hierarquias de dominação. Através da posse de outros seres humanos, água, ar e terra; a pilhagem de terras globais para extração de recursos; a centralização da propriedade nas mãos de poucos; e a busca incessante de “crescimento infinito” em um planeta finito, a própria vida está sendo violentamente destruída. Com bilionários e milionários centralizando sua riqueza e poder, fortalecendo e ampliando o fosso entre ricos e pobres, atos extremos de violência correm para a sociedade: empobrecimento desenfreado e acesso irrestrito ou terrível a assistência médica, alimentação, educação, abrigo, etc. Enquanto os pacifistas capitalistas continuam ricos e bonitos, a maioria do mundo sofre imensamente.
O sistema capitalista prospera na racialização dos povos e sua subjugação ao poder colonial através de violência extrema. A economia capitalista prospera na guerra por petróleo, terra, poder monopolista-imperialista e pelos muitos mercados abertos através da produção e venda de milhões de armas de alta tecnologia. Reivindicar uma existência pacifista de não-violência é assumir que sua vida não está ativamente executando a violência no mundo através dos próprios sistemas sociais que reivindicam tais ideais sublimes.
São os pacifistas brancos de classe média que não experimentam a violência capitalista da maneira desproporcional que as pessoas negras, marrons, diferentemente capazes, queer, trans, mães/cuidadoras, migrantes, femininas e religiosamente diversas experimentam diariamente. São esses mesmos pacifistas de classe média que se beneficiam enormemente da violência decretada pelas forças empresariais estatais e corporativas na Terra e nos povos ao redor do mundo. Eles experimentam saúde, riqueza e propriedade; eles experimentam a abundância de comida, abrigo e acesso aos excessos do capitalismo, mas o fazem nas costas do sul global e do oriente médio. São essas “polícias da paz” dogmáticas da classe média branca que gritam e gritam com pessoas se defendendo da violência do Estado, dizendo que são imorais e violentas. Desta forma, eles estão diretamente no caminho de alguém em busca de sua própria libertação.
Escrevendo em seu diário pessoal sobre a ascensão do fascismo na Alemanha, George Orwell ponderou: “O pacifismo é objetivamente pró-fascista. Isso é senso comum elementar. Se você dificultar o esforço de guerra de um lado, você automaticamente ajuda o outro. Tampouco existe alguma maneira real de permanecer fora de uma guerra como a atual… outros imaginam que se pode de alguma forma ‘superar’ o exército alemão deitando-se de costas e ficando quieto, deixe-os continuar imaginando isso, mas deixe que eles também se perguntem se isso não é uma ilusão devido à segurança, muito dinheiro e uma simples ignorância sobre o modo como as coisas realmente acontecem… Os governos despóticos podem suportar ‘força moral’ até o gado chegar em casa; o que eles temem é força física” (grifo nosso).
Os capitalistas pacifistas são extremamente violentos e podem até ser considerados terroristas domésticos, pois cometem atos de violência sem sentido, perpetuando um estado de extrema desigualdade por meio de relações violentas de dominação, hierarquia, alienação e exploração. Eles projetam esse privilégio violento nos empobrecidos, na classe trabalhadora e em outros organizadores radicais que buscam se defender da extrema violência de uma sociedade capitalista. Ta-Nehisi Coates fala desse problema entre os líderes políticos: “Quando a não-violência é pregada pelos representantes do Estado, enquanto o Estado distribui montes de violência para seus cidadãos, isso se revela um engodo” (Nonviolence as Compliance – Não-Violência como Adequação – no The Atlantic).
Uma chave para entender esse problema está na localização social de muitos pacifistas. O mercado livre, o domínio privado da propriedade, os funcionários governamentais eleitos e o próprio sistema legal foram todos administrados por e para pessoas brancas (geralmente homens cristãos brancos). Quando todos esses sistemas não funcionam a seu favor e quando eles não protegem você mas são na verdade uma grande fonte da violência que você enfrenta, então suas ações políticas focam em acabar com esses sistemas de morte e não apenas se defender de sua violência. É exatamente por isso que as pessoas desprivilegiadas nem sempre escolhem a “civilidade” como resposta à violência liberal. O estado define “civilidade” e sua “civilização” – eles escolheram definir seu estado civilizatório por meio de genocídio, colonização, imperialismo, escravidão, desigualdade, etc. Civilidade é o problema.
Resistência Revolucionária, Diversidade de Táticas e Libertação
Pessoas de cor, pessoas trans e pessoas com habilidades diferentes sabem disso e têm liderado lutas com táticas diversas por muito tempo. Em um artigo postado em 26 de abril de 2015 no blog Radical Faggot(Bicha Radical), Benji Hart escreve: “Chamá-los de não civilizados e encorajá-los a pensar na Constituição é racista [sexista, capacitista] e como um argumento falha em se fundamentar não apenas na violenta realidade política na qual pessoas negras [trans ou com necessidades especiais] se encontram, mas também em nossa tradição secular de resistência – que ensinou estratégias efetivas de militância e ação direta a praticamente todos os outros movimentos atuais por justiça”.
Ao colher os benefícios da violência e depois sujeitar os povos oprimidos à violência para que não possam escapar de sua opressão, você não apenas explora seu sofrimento perpétuo, mas também tira a capacidade de reivindicar dignidade e autodeterminação. É extremamente violento empurrar o pacifismo para aqueles que existem sob as mais pesadas botas da exploração capitalista e colonial quando você se beneficia enormemente das façanhas da violência capitalista e colonial.
O colonizador diz ao colonizado para não se defender.
O estuprador diz ao estuprado para não se defender.
O atacante diz ao atacado para não se defender.
O assassino diz à vítima para não se defender.
O escravagista diz ao escravo para não se defender.
O civilizado diz ao selvagem para não se defender.
O pacifista diz ao oprimido para não se defender.
O revolucionário se junta ao colonizado, estuprado, atacado, vítima, escravo, selvagem e oprimido em solidariedade; juntos eles buscam a libertação coletiva. São “precisamente grupos marginalizados que utilizam essas táticas – mulheres de cor pobres que defendem seu direito à terra e à moradia, trabalhadores de rua e indígenas que lutam contra o assassinato e a violência; lutas negras e pardas contra a violência da supremacia branca – que tem empreendido as mais poderosas e bem sucedidas revoltas na história dos EUA” (de um panfleto de abril de 2012 escrito para Occupy Oakland, Who is Oakland?).
Muitas vezes argumenta-se que ao oferecer sua própria vida no martírio a violência do Estado será exposta, pois o Estado ou as forças armadas agirão em violência contra você de forma que todos possam ver, e então serão finalizados de uma vez por todas. Essa é uma lógica terrível, especialmente se aplicada a todos os contextos de toda a história. Não devemos esperar que alguém morra ou não se defenda em situações abusivas e violentas para que a violência de ações possa ser exposta, de alguma forma convencendo os outros a não serem violentos da mesma forma.
Jesus foi pregado numa cruz e César não mudou de ideia diante de tal brutalidade opressiva. Ele celebrou.
Pessoas negras e pardas foram linchadas, e os supremacistas brancos não mudaram de opinião diante de tal brutalidade opressiva. A comunidade comemorou.
A violência é exposta o tempo todo e nada é feito a respeito. Quantos vídeos de policiais assassinando adolescentes desarmados as autoridades estaduais precisam (ou os liberais precisam) assistir antes que eles percebam sua violência e magicamente decidam pará-la através de uma mudança de opinião? Como isso faria sentido vindo de uma instituição fundada logo após o fim da escravidão para assediar, monitorar e apreender ex-escravos não brancos? O mesmo sistema legal que não teve uma mudança de opinião diante da violenta supremacia branca, mas criou um negócio inteiro de bilhões de dólares, de supremacia branca: o complexo industrial da prisão.
Teólogos feministas brancos na década de 1960 criticaram a idéia de “vida sacrificial” como a missão de suas vidas cheias de fé. Estava sendo forçado sobre eles pelos teólogos liberais do dia: o mais alto chamado é kenótico, sacrifício, esvaziando-se para o próximo. Os teólogos liberais masculinos cis brancos que fazem essas afirmações sobre os corpos das mulheres não consideraram as milhares de maneiras pelas quais as mulheres já estão sujeitas ao hétero patriarcado capitalista, especialmente o trabalho reprodutivo não remunerado necessário para produzir tal sociedade. Essa crítica foi reforçada mais tarde nos anos 70 pelas revolucionárias feministas negras do Combahee River Collective (Coletivo Rio Combahee) que primeiro escreveram sobre a interseccionalidade: “A declaração mais geral de nossa política na atualidade seria que estamos ativamente comprometidos em lutar contra a opressão racial, sexual heterossexual e de classe, e vemos como nossa tarefa particular o desenvolvimento de análise e prática integradas baseadas no fato de que os principais sistemas de opressão estão interligados. A síntese dessas opressões cria as condições de nossas vidas. Como mulheres negras, vemos o feminismo negro como o movimento político lógico para combater as múltiplas e simultâneas opressões que todas as mulheres de cor enfrentam”.
Essa narrativa de sacrificar a própria vida aos poderes e principados também pressupõe que a classe alta, a classe capitalista, e as classes exploradoras de repente escolherão sacrificar sua riqueza, poder e privilégio para libertar as massas que produziu (as próprias custas e para a sobrevivência dessa classe alta) toda a sua riqueza, poder e privilégio. Essa ideia não apenas tira a autonomia dos oprimidos, continuando a narrativa elitista de que os oprimidos são selvagens imundos e ignorantes, mas também apóia a violência opressora através da exigência de não-resistência na esperança de revelar a brutalidade da opressão ao opressor.
Aqui está outro exemplo: um homem invade a casa de uma mulher com uma faca e tem a intenção de estuprá-la, roubá-la e matá-la. Como pacifista, ela escolhe não usar uma arma de fogo para se defender. Em vez disso, ela criativamente lhe diz que seus caminhos são injustos, que existe outro modo de viver e que a compaixão é o caminho da verdade; ela espera que seu estupro e assassinato sejam um exemplo brilhante de compaixão e coragem – ela oferece sua própria vida como um sacrifício para mostrar a ele que seus caminhos são injustos, que ele deveria mudar seus modos, que ele não mais deveria estuprar, roubar e assassinar pessoas. Ela espera converter seu coração ao longo do caminho, através de seu sacrifício, ela espera que ele se arrependa.
Também é absolutamente absurdo pensar que uma mulher que luta ou mata um estuprador se torna como o estuprador. Povos indígenas e africanos colonizados, forçados à escravidão, não se tornaram similares a seus colonizadores escravagistas quando se rebelaram violentamente, resistiram, revoltaram-se e enfureceram-se. O povo judeu que matou ou lutou contra os nazistas tentando exterminar seu povo, não se tornou como os nazistas. Usar a violência contra aqueles que exploram, oprimem e abusam de você não faz com de você como deles. A realidade é mais complexa do que o pacifismo dogmático permite.
Não Fale Verdades ao Poder; Destrua o Poder
Se alguém está sofrendo e sofrendo opressão, devemos agir para acabar com a violência e não esperar que as respostas oportunas e burocráticas da reforma política realmente façam alguma coisa para aliviar o sofrimento e combater a injustiça. Não foram as classes de elite e seus burocratas que criaram o mesmo sistema legal que tenta transformar realidades extremamente complexas em situações em preto e branco para juízes “instruídos” ditarem o futuro de alguém?
A maioria das pessoas no mundo já está sofrendo violência e não está se defendendo; a maioria das pessoas não está agindo violentamente em confronto direto com seus agressores, e essas esperançosas não-respostas não motivaram liberais ou conservadores a agir. A escravidão não terminou porque todos os escravos estavam cheios de esperança ou porque eram pacifistas. A escravidão foi abolida por causa de revoltas de escravos, rebeliões organizadas e underground railroads (ferrovias subterrâneas, operações secretas de abolicionistas para transportar escravos fugidos) armadas como a liderada por Harriet Tubman, que levou milhares de pessoas à liberdade. Abolicionista, Frederick Douglas fala de forma tão eloquente a essas idéias em seu discurso de 1857, proferido no 23º aniversário da Emancipação das Índias Ocidentais:
“O poder não concede nada sem uma exigência. Nunca o fez e nunca o fará. Descubra exatamente ao que uma pessoa silenciosamente submeter-se-á e você terá descoberto a medida exata da injustiça e do erro que lhes serão impostas, e estas continuarão até que sejam resistidas com palavras ou golpes, ou com ambos. Os limites dos tiranos são prescritos pela resistência daqueles a quem eles oprimem. À luz dessas idéias, os negros serão caçados no norte e detidos e açoitados no sul, enquanto se submeterem a esses ultrajes diabólicos e não fizerem resistência, física ou moral. Os homens podem não conseguir tudo pelo que pagam neste mundo, mas certamente devem pagar por tudo o que recebem. Se alguma vez nos libertarmos das opressões e erros empilhados sobre nós, devemos pagar pela sua remoção. Devemos fazer isso pelo trabalho, pelo sofrimento, pelo sacrifício e, se necessário, pela nossa vida e pela vida dos outros”
O pacifismo dogmático liberal é uma das ferramentas mais eficazes de violência usada pelo Estado para impedir que comunidades marginais e oprimidas se levantem, restaurem sua dignidade e se protejam de novos abusos por meio da autodefesa armada comunitária libertadora.
O que então significa amar seu inimigo? Isso significa que você continua permitindo que o inimigo te ataque? É amoroso permitir que alguém te ataque, te bombardeie, te explore, te oprime – é realmente nisso que Jesus e a igreja primitiva estavam chegando?
“Ame seu inimigo” não significa: fique em um relacionamento abusivo, leve o abuso porque é bom e sagrado. Se tal relacionamento abusivo é complexificado e organizado em escala de massa, por que a lógica da resistência seria diferente? Por que o abuso do estado ou dos fascistas de direita é diferente do abuso de um cônjuge? Parece absolutamente mais intenso, parece mais organizado, parece mais brutal – e, no mínimo, não parece digno de nossa aceitação. Devemos sempre nos defender e aos outros da opressão. Por que aceitaríamos o abuso como se o pacifismo fosse mais reto, honrado ou justo? Acabar com o abuso e libertar um ao outro é muito mais justo.
Ao experimentar a violência opressiva, é importante lembrar que nossa luta é uma luta pela própria vida. Não estamos lutando pelo reconhecimento do eleitor ou pelas reformas de políticas, não estamos assumindo que a vida é boa e que só precisa de alguns ajustes; Estamos lutando porque nossa própria existência depende disso. A 13ª mulher trans assassinada em 2018 foi morta em 10 de julho; a polícia matou 446 pessoas até agora este ano (1.147 pessoas em 2017); Os militares lançaram milhares de bombas a mais do que nunca, assassinando um número recorde de pessoas em um número recorde de lugares; Mais de 1.200 crianças foram literalmente perdidas pelo governo federal; Os supremacistas brancos foram diretamente responsáveis por 18 das 24 mortes relacionadas a extremistas nos EUA em 2017; E mais de 200 espécies se extinguem todos os dias em meio a condições ecológicas apocalípticas que acabam levando à extinção de nossa própria espécie.
Não há tempo para esperar que os opressores parem de nos oprimir, como se um dia acordassem para seus modos extremamente violentos. Isto é exatamente o que o dono da fazenda esperaria que seus escravos acreditassem. Devemos escolher a vida e devemos escolher defender a nós mesmos, às nossas comunidades e aos nossos ecossistemas, da colonização, da industrialização, das formações estatais e do controle social coercitivo. Viver para a vida é viver em oposição ao capitalismo e à violência que perpetua no mundo ao redor. Nós não advogamos pela revolução porque esperamos ver nossas tendências ganharem o dia, mas porque buscamos o florescimento da vida planetária.
A autodefesa libertadora é um enquadramento muito maior do que o pacifismo dogmático, pois incentiva a dignidade, a autodeterminação e a participação na formação de um novo mundo para além dos apelos às autoridades “representativas” por políticas menos abusivas. Quando esses políticos tomam decisões para as massas, eles criam mais burocracia e tornam possível definir e categorizar mais corpos, e assim discriminar, oprimir e definir nossos corpos por meio de definições legais. Sob as regras do pacifismo, os opressores ganham, eles sempre mantêm o poder de barganha, e eles sempre decidem quem recebe os bens e quem é pregado na cruz.
Autodefesa Armada Comunal Liberadora
A antologia recente de Scott Crow, Setting Sights: Histories and Reflections on Community Armed Self-Defense (Colocando Vistas: Histórias e Reflexões sobre Autodefesa Armada Comunitária), explora autodefesa libertadora, armada e comunitária como uma tática dentro de uma estratégia revolucionária maior por meio de reflexões teóricas e estudos históricos. Ele e os vários outros autores ativistas deixam bem claro que o componente armado de qualquer estratégia de autodefesa nunca deve se tornar o centro (ou corremos o risco de nos tornarmos um exército regular). Em vez disso, procura-se que o poder seja compartilhado e equalizado da melhor maneira possível, distinguindo assim a autodefesa armada de terroristas armados, insurreições armadas, organizações militares armadas, guerrilhas armadas ou agentes da lei armados. Crow escreve: “O quadro liberatório é construído sobre os princípios anarquistas de ajuda mútua (cooperação), ação direta (ação sem esperar a aprovação das autoridades), solidariedade (reconhecendo que o bem-estar de grupos díspares está vinculado) e autonomia coletiva (autodeterminação da comunidade)”.
Crow continua dizendo que essa forma de autodefesa libertadora não deve ser usada para tomar o poder permanente, ou que as armas devem ser usadas como o primeiro recurso para autodefesa, mas devem ser tomadas apenas “depois que outras formas de resolução de conflito foram esgotadas”. Isto não é sobre o vanguardismo revolucionário ou invadir a casa branca com armas. Trata-se de autodefesa contra nazistas reais que estiveram assassinando, realizando terrorismo doméstico e agredindo pessoas em números recordes nos últimos anos (Descanse em Poder, Heather Heyer).
Deve-se notar que o tipo de autodefesa libertadora, comunitária e armada difere de outras formas de ação armada de duas maneiras principais: a primeira é que é organizada mas temporária, “as pessoas podem treinar táticas de armas de fogo e segurança individualmente ou juntas mas seria mais como um corpo de bombeiros voluntários – somente quando necessário e em resposta a circunstâncias específicas”. O segundo, e provavelmente o mais distinto e importante elemento de autodefesa liberatória, comunitária e armada (como historicamente usado por grupos como os Zapatistas, os que lutam na revolução de Rojava e o Partido dos Panteras Negras da década de 1960) são os princípios de poder compartilhado e igualdade incorporados à ética do grupo e sua cultura bem antes do conflito ser enfrentado. Ao contrário, por exemplo, milícias de direita (patrulhas da milícia anti-imigração Minutemen, ou a milícia racista Algier Point que patrulhava Nova Orleans depois do Katrina), que nada têm a ver com a libertação coletiva. “Essas milícias são construídas com crenças racistas, teorias conspiratórias e uma cultura machista onde o mais forte ou mais barulhento é o líder. Eles são tipicamente organizados em hierarquias do tipo militar, sem nenhuma responsabilidade real para com as pessoas da sociedade civil e as comunidades nas quais operam”.
Outro componente-chave para as táticas de autodefesa é o poder dual, que é tanto resistir quanto criar. A resistência é contra a exploração e a opressão, a criação é para “desenvolver outras iniciativas para a autonomia e a liberação como parte de outros esforços de auto-suficiência e auto-determinação”. Este modelo é sobre a criação de um mundo melhor, muito parecido com o programa de café da manhã dos Pantera Negra quando eles pararam de esperar por funcionários do governo branco e começaram a alimentar os filhos de suas próprias comunidades, para que eles pudessem ter sucesso na escola e na vida em geral. Autodefesa não é meramente sobre estar armado, mas sobre construir redes e infra-estrutura de ajuda mútua para pessoas. A instituição da Igreja confundiu isso, mas, em muitos aspectos, tem uma infra-estrutura forte de pessoas: quando você fica doente, a equipe de atendimento lhe traz um jantar; Quando você tem um bebê, quase todos na igreja estão dispostos a segurar, brincar ou cuidar de seu filho quando necessário; e se você totalizar seu carro em um acidente, alguém na igreja se oferece para levá-lo a lugares ou lhe dá o carro velho de sua avó. Como podemos usar essa infraestrutura de maneiras mais radicais com propósitos mais revolucionários? Como podemos usar essa infraestrutura para estabelecer a Sagrada Queerpública no Império dos EUA?
Conclusão
O que espero ter conseguido com este artigo é expor algumas das noções mais básicas e menos sutis que são frequentemente usadas por pacifistas dogmáticos que se recusam a fazer críticas radicais às suas ideias. Esses pacifistas dogmáticos mantêm-se em sua existência privilegiada, agitando o dedo do julgamento em ambas as comunidades lúmpen e proletárias que escolhem a dignidade através da autodefesa emancipatória. Em relação à violência dentro de nossos movimentos, nossas táticas e nossas filosofias gerais, é importante continuarmos a fazer perguntas difíceis. Aqui estão algumas perguntas realmente boas para se perguntar sobre a violência em nossas ações diretas:
• Estamos prejudicando o Estado e a propriedade privada, ou estamos prejudicando pessoas, comunidades e recursos naturais? O resultado de nossa ação está atrapalhando a violência estatal e corporativa, ou criando danos colaterais com os quais mais pessoas oprimidas terão que lidar (isto é, famílias e micro-empresários negros, pessoal de limpeza, etc.)? Estamos imitando a violência do estado prejudicando as pessoas e o meio ambiente, ou estamos prejudicando a propriedade do Estado de maneiras que podem parar ou retardar a violência? Estamos demonizando sistemas ou pessoas?
• Quem está na vizinhança? Estamos fazendo mal às pessoas ao nosso redor enquanto agimos? Existe a possibilidade de violência para aqueles que não são os alvos da nossa ação? Estamos forçando as pessoas a se envolverem em uma ação que muitos não querem ou não estão prontos?
• Quem está envolvido na ação? As pessoas estão envolvidas em nossa ação consensualmente, ou simplesmente porque estão nas proximidades? Nós criamos saídas para pessoas de todas as habilidades que podem não querer estar presentes? Estamos sendo estratégicos quanto à localização e localização de pessoas? Se houver repercussão violenta para nossas ações, quem as enfrentará? [1]
Em conclusão, mais alguns pensamentos de Scott Crow sobre a formação de autodefesa organizada, libertadora, comunitária e armada:
• Muitas questões permanecem, incluindo aquelas relativas à organização, considerações táticas, o poder coercitivo inerente às armas de fogo, responsabilidade perante a comunidade que está sendo defendida e ao movimento social mais amplo, e, em última instância, espera-se, o processo de desmilitarização. Por exemplo: Os compromissos defensivos devem permanecer geograficamente isolados? Os pequenos grupos de afinidade são as melhores formações de compartilhamento de poder e ampla mobilização? Como criamos culturas de apoio para aqueles que se envolvem em conflitos armados defensivos, especialmente no que diz respeito ao direito das pessoas historicamente oprimidas a se defenderem? Como são esses compromissos de suporte? Além disso, há muitas considerações e questões táticas a serem discutidas e debatidas para evitar a replicação da cultura armada dominante. Como podemos manter o treinamento de armas de se tornar o foco central, seja por hábito, cultura ou romantização?
Para Futuras Leituras e Pesquisas:
· Akinyele Omowale Umoja – We Will Shoot Back: Armed Resistance in the Mississippi Freedom Movement
· Charles E. Cobb – This Nonviolent Stuff′ll Get You Killed: How Guns Made the Civil Rights Movement Possible
· Cindy Milstein (editor) – Taking Sides: Revolutionary Solidarity and the Poverty of Liberalism
· CrimethInc – The illegitimacy of Violence, The Violence of Legitimacy
· Derick Jensen – Endgame (Volume 1 and 2)
· Francis Dupuis-Deri – Who’s Afraid of the Black Bloc?: Anarchy in Action Around the World
· Franz Fanon – The Wretched of the Earth
· Kristian Williams – Fire the Cops!
· Scott Crow – Setting Sights: Histories and Reflections on Community Armed Self-Defense
· William Meyer – Nonviolence and Its Violent Consequences
Notas
Fonte: http://www.hamptoninstitution.org/the-violence-of-dogmatic-pacifism.html
Tradução > Anabola
agência de notícias anarquistas-ana
calor do verão
sol a pino
vira pimentão o menino
Ajosan
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!