por Catherine Calvet | 28/02/2019
Ivan Illich foi um dos pioneiros da ecologia política, bússola da esquerda antiprodutivista da década de 60. O filósofo Thierry Paquot publica os textos e uma introdução à vida do teórico genial redescoberto por uma nova geração que se encontra nas primícias da alter-globalização e do anti-desenvolvimentismo/decrescimento.
Ivan Illich (1926-2002) é um dos precursores da ecologia política e grande crítico à sociedade produtivista. O editor e filósofo Thierry Paquot, que o conhecia bem, publica hoje uma coletânea de seus textos e uma introdução à vida e obra de Ivan Illich. Por um ascetismo voluntário e amigável (O Passageiro Clandestino/Le Passager clandestin, coleção “Os percursores do decrescimento”/”les Précurseurs de la décroissance”, fevereiro). Sua biografia é tão peculiar quanto seu pensamento. Ele nasceu em Viena, de uma mãe judia austríaca cuja família se converteu ao protestantismo. Ele falava um número considerável de idiomas. Ele explicou que isso se dava porque nasceu no que restava do Império Austro-Húngaro e cresceu com várias línguas oficiais.
Thierry Paquot conta uma anedota sobre ele: chegando à Índia para uma série de palestras, Ivan Illich renuncia a pronunciar o inglês, se tranca com alguns livros em hindi e, milagrosamente, se apresenta nesta língua! Ele foi especialmente bem conhecido no mundo pelas ideias da Universidade Livre, Centro de Documentação Intercultural (CIDOC) que ele fundou em Cuernavaca (México) em 1961, onde jovens ativistas esquerdistas de todo o mundo, que o consideravam como uma referência, se apressaram a participar. Suas idéias estão sendo agora redescobertas por uma nova geração de leitores, em prazer de terem encontrado uma análise inicial e frutífera da alter-globalização, uma crítica radical do produtivismo e uma chamada para o decrescimento…
Quem lê Ivan Ilich atualmente?
Atualmente, ele foi redescoberto por jovens de 20 a 30 anos, tanto pelos zadistas de Notre-Dame-des-Landes quanto pelos “decrescentes” que estão experimentando outros modelos de vida. O jornal la Décroissance refere-se regularmente a Ivan Illich, assim como os que apóiam a permacultura, a moradia participativa ou a arquitetura frugal. Um livro como Aux origines de la décroissance (As origens do descrescimento), publicado em 2017 no L’Echappée-Le Pas de côté-Ecosociété (edições animado por jovens editores), apresentando cinquenta pensadores de decadência, incluindo Ivan Illich. Eu acho que ele teria ficado fascinado pelos coletes amarelos, pelo menos por aqueles que são politizados por participarem de discussões informais sobre a rotatória, que se conscientizam por ousar falar e imaginar soluções para seus problemas e por desafiar os políticos profissionais. “O anarquismo amigável”, ousando utilizar tal denominação, de Ivan Illich só pode seduzir indivíduos que querem viver plenamente sua autonomia contra todas as instituições opressoras e empobrecedoras.
Poderíamos adaptar seu glossário aos combates atuais?
Os “comunais” se tornariam os “comuns”, materiais e imateriais, falar-se-ia de “vernáculo” em vez de “auto-suficiência” e de “feito por si mesmo (Do it yourself –DIY)”. A palavra “ascetismo”, que ele aprecia, significa em grego entreterimento, no sentido do atleta que se compara a si próprio incansavelmente. Ela muda de significado com a chegada do cristianismo, que faz dela uma perfeição: como ser melhor cristão? Para Ivan Illich, o ascetismo combina-se com a austeridade, com a alegria e a amizade. É uma arte de viver serenamente em um mundo atormentado.
Aquilo que Ivan Illich definiu como ‘desenvolvimentismo’ seria hoje em dia o ‘crescimento’?
Certamente. Ele denuncia precocemente o casal “países desenvolvidos – países subdesenvolvidos”, que os hierarquiza segundo critérios quantitativos de dependência aos mercados e à evolução técnica. Com o “desenvolvimentismo”, que é apresentado como o único caminho a seguir, encerra-se as habilidades de cada um, dos comunais e do vernáculo, tudo se “mercantiliza”. O processo do desenvolvimentismo não dá mais para ser feito, décadas de ajuda ao Terceiro Mundo aumentaram a distância entre ricos e pobres e subordinaram cada um deles aos mercados.
Porque e como ele criou o Cidoc em Cuernavaca?
Depois de servir como padre em uma paróquia porto-riquenha em Nova York, tornou-se vice-reitor da Universidade de Porto Rico, onde ele abriu o Centro Internacional de Comunicação, que prefigurou um pouco o Cidoc. Seus métodos desconcertaram as autoridades, assim como suas críticas à instituição eclesiástica e seu chamado para votar Kennedy, um defensor da contracepção. Uma cabala o obrigou a sair. Ele se retirou para um mosteiro no coração do Saara. Ele aceitou uma posição na Universidade Fordham, em Nova York, e em seguida atravessa por alguns meses o continente sul-americano de ônibus, carona, à pé… Com o apoio da Universidade Fordham, ele alugou um hotel em Cuernavaca e instala-lo em 1961, o Centro de Formação Intercultural (CIF), que se torna o Centro de Documentação Intercultural (Cidoc) em 1966, quando se transfere para a Casa Blanca. Ele ofereceu uma introdução à língua espanhola, mas também às culturas dominadas.
Quem são os estudantes de Cuernavaca?
O público-alvo são os missionários apoiados pelos Bispos dos EUA e voluntários do Corpo da Paz que o presidente Kennedy financiou como parte da Aliança para o Progresso. Seu objetivo declarado era ajudar os países mais pobres da América Latina a se desenvolver, mas, na realidade, era para contrapor a influência crescente do marxismo e, mais particularmente, do castrismo. O Cidoc recebeu inúmeros “estudantes” que saíram vacinados contra a ideologia de ajudar o Terceiro Mundo. O “desenvolvimento” de Ivan Illich não era mais do que “a guerra à economia de subsistência”. Cidoc é, para Ivan Illich, um centro de des-ianque-nização! Também é um lugar para produzir estudos sobre uma ampla variedade de sujeitos. Quando sua institucionalização parece irreversível, Ivan Illich, de acordo com os empregados, fecha-o em 1976, e torna-se “professor itinerante”.
Como este padre ancião pôde se tornar uma referência para os ativistas de esquerda?
Seu passado como sacerdote não era tão conhecido quando ele começou a publicar e a se tornar célebre. Ele é então percebido como o autor de “panfletos” (é ele quem os nomeará assim posteriormente) que denunciam a contra-produtividade das instituições. Em Libertar o Futuro, Uma Sociedade sem Escolas, Energia e Equidade, Convivência e Nêmesis Médico (Libérer l’avenir, Une société sans école, Energie et Equité, la Convivialité et Némésis médicale), ele demostra que a escola, hospital, transporte … estas instituições, quando ultrapassam um certo limite, tornam-se “contraprodutivas “, isto é, se voltam contra seus objetivos. Para Ivan Illich: “Além de certos limites, a produção de serviços causará mais danos à cultura do que a produção de bens materiais já tem feito à natureza”. Os esquerdistas não eram fãs, eles reprovavam-no por não apoiar a luta de classes e não se reivindicar ser Mao ou Castro. Por outro lado, os autogestores e os ecologistas o fizeram um deles. Muitas celebridades têm ido para Cuernavaca para trocar, como o escritor e pensador anarquista e americano Paul Goodman, a ensaísta Susan Sontag, a filósofa Hannah Arendt, o educador brasileiro Paulo Freire, o ecologista e ensaísta André Gorz… Deveríamos citar os indígenas, japoneses, iranianos, filipinos, australianos, norte-americanos e sul-americanos, tanto que Cuernavaca se impôs como um ponto de encontro para sindicalistas, manifestantes, exilados … Mas a América Latina foi o primeiro continente ilicheano. E o papa Francisco, argentino de nascimento, teve que lê-lo. Isso pode ser visto em seus discursos sobre o meio ambiente ou contra o capitalismo financeirizado e inegalitário.
Para Ivan Illich, qual seria o verdadeiro progresso?
Ivan Illich não usaria a palavra “progresso”, que para ele está contaminada pelo produtivismo. Ele é esperançoso em relação à novas formas de compreender o mundo e apoia o surgimento de novas ideias. Isso é progresso? Relações inter-individuais mais ricas, eu diria. Quanto à relação entre os seres humanos e a natureza, os vivos, ele não vê nenhum progresso. Talvez, atualmente, até mesmo regressões: milênios atrás, algumas populações mantinham relações com a “natureza” mais equilibrada do que nós, recusando qualquer excesso, qualquer desmesura, qualquer barbárie, qualquer dominação.
Tradução > Markus Markus
agência de notícias anarquistas-ana
Em qualquer lugar
Onde se deixem as coisas,
As sombras do outono.
Kyoshi
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!