por Francisco José Cuevas Noa | 24/03/2019
Quanta história pode ter uma jaqueta, quantos avatares cheios de amor, sofrimento e luta? Quem a carregou e que guerras padeceu? Onde acabaram os ossos daqueles que a usaram para abrigar suas almas?
Dos seis cidadãos de Jerez que foram assassinados em campos de concentração nazis, a história comovente de El Panaderito (o padeirinho) se destaca, onde conseguimos reconstruí-la com base no testemunho do anarquista nascido em Jerez Miguel Vega Álvarez, que foi para o exílio francês.
El Panaderito era o apelido de Rafael Domínguez Redondo (embora apareça em outras fontes, como Juan), um jovem que trabalhava na padaria da família, localizado na Calle Zarza, número 7, no distrito de San Miguel, Jerez. No final de julho de 1936, Rafael teve que partir para que os falangistas não o matassem, deixando sua irmã Eulália no comando daquele forno. Até poucos anos atrás, essa padaria era conhecida como o “forno de Eulália”, famosa pelo saboroso pão que ali se elaborava.
Militante da CNT, El Panaderito teve que fugir junto com o já citado Miguel Vega e outros dois companheiros libertários: Diego López Jarana e José Gata Arena. Para que as tropas rebeldes não os matassem, eles tinham que fugir de Jerez, pelo campo, andando à noite.
El Panaderito e Miguel Vega foram companheiros inseparáveis durante a Guerra Civil, lutando juntos na frente, até que em 1938 se separaram. Dominguez, que estava gravemente ferido, na despedida dá-lhe naquele momento seu relógio e uma jaqueta marrom para Miguel, para que ele não passe frio. É no final da Batalha do Ebro, e será a última vez que se veem. Ele também lhe dá uma foto dele com aquela jaqueta.
Quando a guerra termina, Rafael Domínguez atravessa a fronteira para a França, e não demorará muito para ele se juntar à Resistência Francesa contra a ocupação alemã. Ele é capturado pelos nazistas e transferido para Gusen (Áustria), o anexo do infame campo de Mathausen, e assassinado em 15 de janeiro de 1942, com apenas 26 anos de idade. Vega escapou da prisão em 1941, e alguns dias depois, uma foto foi tirada com a jaqueta de El Panaderito. Miguel é visto com um lenço de bolinhas em volta do pescoço, com um rosto sofrido, forçando um leve sorriso, mais maduro.
Quando o autor deste artigo conhece Miguel Vega e o entrevista, em 2000, (em uma reunião com militantes atuais da CNT de Jerez) ainda se lembra vividamente de seu amigo assassinado pelos nazistas, e sua voz treme. Ele está surpreso com o seu destino, tão paralelo ao de seu amado amigo, e lamenta o fim horrível de El Panaderito, criado com ele no bairro de San Miguel. Sempre o terá em sua memória, e a foto com essa jaqueta marrom irá acompanhá-lo eternamente em sua mesa de cabeceira.
Miguel morreu em 2006. Felizmente, sua filha Mari Carmen conservou as fotos de seu pai, e entre elas duas muito valiosas que acompanham esta história: El Panaderito com a jaqueta e Miguel também com a mesma, um anos depois.
“Meu pai sempre a manteve, até que na França em 1960 ele a deu para um refugiado espanhol que estava em uma situação muito ruim.” A jaqueta de El Panaderito é um símbolo de uma geração de jovens de Jerez que deram suas vidas pela liberdade, pela emancipação e contra o fascismo.
(Quero agradecer a Mari Carmen Vega e ao Professor Bartolome Benitez pelos dados fornecidos para reconstruir essa história. A maioria dos testemunhos estão na autobiografia de Miguel Vega Alvarez, Episódios Pessoais. Reminiscências da Guerra Civil Espanhola, Edição do Autor, 2001 )
Tradução > Liberto
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