Centenas de militantes da organização anarcossindicalista protagonizam uma concentração em Cuelgamuros para pedir o fim deste símbolo franquista.
Por Danilo Albin | 05/05/2019
Há esperas que parecem eternas. Tanto, que se assemelham a condenações. Os irmãos Lapeña, militantes anarcossindicalistas fuzilados pela ditadura franquista, o resumem perfeitamente. Apesar de contar com um expediente judicial a seu favor, os familiares de ambas as vítimas do regime continuam aguardando que chegue o dia no qual, por fim, sejam exumados do Vale dos Caídos.
Este domingo (05/05), as bandeiras pelas quais lutaram os irmãos Lapeña voltaram a se agitar fora desse mausoléu franquista no qual seguem eternamente enterrados. O sindicato CNT, a organização à qual pertenciam, protagonizou uma mobilização ante o Vale dos Caídos para pedir, tal como haviam avançado previamente, “o fim da ignomínia”.
O dia começou muito cedo para muitos militantes cenetistas que, provenientes de outros pontos do Estado, foram a Madrid para participar na mobilização. “Participo da marcha para mostrar minha mais enérgica repulsa a este mausoléu fascista que exalta o ditador genocida, enquanto suas dezenas de milhares de vítimas seguem esquecidas nas valas sem nenhum tipo de reconhecimento”, dizia ainda de madrugada a PúblicoMikel Lanzagorta, um dos filiados da CNT que viajou desde a localidade vizcaína de Barakaldo.
Os participantes se congregaram por volta das 12h00 no estacionamento do cemitério municipal de San Lorenzo del Escorial. Desde ali se dirigiram a pé até o ponto da M-600 – frente aos acessos ao Vale dos Caídos – onde se realizaria a concentração. Portavam bandeiras vermelho e negras e lançavam reivindicações pela memória histórica e contra a impunidade franquista. “Nem Vale nem Almudena, fascistas fora”, foi um dos lemas mais escutados. “O ditador, para o fundo do mar”, se cantou também. Na faixa se podia ler o outro lema do ato: “a ignomínia deve desaparecer”.
“Venho gritar o quanto é importante a destruição deste símbolo fascista”, declarava Sonia Turón, secretária de Cultura da CNT. Efetivamente, tratava-se de um ato carregado de simbolismo para este sindicato, o mesmo que Franco quis exterminar: se estima que a ditadura assassinou e fez desaparecer aproximadamente 40 mil militantes anarcossindicalistas. “É uma vergonha que nos dias de hoje, este país, que se considera democrático, proteja os assassinos daquelas pessoas que, sim, lutaram por um mundo mais justo”, dizia Francisco Barberá, que havia se deslocado desde Valência.
Entre os participantes também havia familiares dos que sofreram a perseguição franquista. “Sou bisneto e neto de represaliados. Vim porque já tem mais de quarenta anos após a morte do criminoso e assassino Franco, e ainda segue em pé um mausoléu que lhe presta homenagem e rende tributo tanto a ele como a outro criminoso, o falangista José Antonio Primo de Rivera”. Assim se expressava Jorge Ramos, que veio desde Zaragoza. Aí está, precisamente, outro dos pontos chaves da jornada: a organização reivindica que também sejam exumados os restos do chefe da Falange que, assim como no caso de Franco, seguem enterrados no Vale dos Caídos.
“Pressão e reivindicação”
Em um dos ônibus vindos de Valência estava Ángel González, membro da Plataforma pela Memória do País Valencià. “O de hoje também é um ato de pressão e reivindicação popular ante as hesitações e demora deste governo após 43 anos da morte do ditador. É, também, um passo a mais na luta pela verdade, a justiça e a reparação de todas as vítimas do franquismo”, comentou.
As bandeiras se agitaram com mais intensidade em frente aos acessos ao Vale dos Caídos. Situados no lado direito da M-600, as centenas de participantes mantinham no alto as bandeiras vermelho e negras que Franco proibiu e perseguiu. “Este lugar não deveria existir”, dizia Patricia Aznar, militante da CNT em Hospitalet de Llobregat. “É um lugar tenebroso – continuou – que não respeitou os vencidos nem mortos e que foi erguido com mão de obra escrava”.
Nessa linha, o sindicato defende a transformação desse lugar em um lugar da memória, no qual não caberia nenhum tipo de homenagem à ditadura. “Reclamamos que desapareça daqui toda a simbologia franquista, principalmente esse pedaço de cruz que preside esta edificação”, afirmava a Público o secretário geral da CNT, Enrique Hoz, a caminho do ponto onde se realizaria a concentração.
Outro dos concentrados, Asier Laño – que tinha vindo desde Vitoria, também lançava reflexões ao céu. “Sem direitos humanos não há democracia que valha. O horror não pode nem deve receber honrarias nem ser glorificado pela graça de nenhum Deus”, ressaltou. Nessa mesma linha se expressava Yolanda Rodríguez, que havia se mobilizado desde a vizinha localidade madrilenha de Galapagar. “Este não é nenhum vale de caídos. Este é o vale da ignomínia, é a homenagem a um genocida que está enterrado com todas as honras”, frisou. A mobilização concluirá com uma série de intervenções.
Franquistas tirando fotos
Enquanto se realizava a concentração, numerosos carros e ônibus saíam e entravam do Vale dos Caídos. Desde dentro de alguns veículos, os franquistas tiraram fotos da mobilização. Tampouco faltaram vários exaltados que deram vivas a Franco e insultaram as pessoas concentradas antes de partir pela M-600.
A concentração terminou com várias intervenções. Por exemplo, foi lido um manifesto assinado pela Coordenadora Valenciana em Defesa das Vítimas de Cuelgamuros e CNT. Ambas organizações qualificaram como “inconcebível que se esteja negociando com a família do ditador o translado de seus restos conforme conveniência dessa família que se fez com uma fortuna graças ao espólio e o roubo durante mais de 40 anos de ditadura e que segue desfrutando de vantagens e privilégios inimagináveis”.
Também subiu ao palanque a ativista cigana Celia Montoya, que falou precisamente da perseguição sofrida por esse coletivo por parte da ditadura. De sua parte, Luís Fuentes – em nome do grupo de memória histórica da CNT- pediu um minuto de silêncio pelos militantes assassinados pelo regime franquista. Em seguida fez um revisão sobre a impunidade que reina na Espanha, essa mesma impunidade da qual também falaria Hoz no discurso final. “Verdade, justiça, reparação”, cantaram desde este lado da estrada.
Tradução > Sol de Abril
Conteúdos relacionados:
agência de notícias anarquistas-ana
folia na sala
no vaso com flores
três borboletas
Alonso Alvarez
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!