Permacultura no IFB Riacho Fundo
por Enguia Ensaboada
Em uma região de clima tropical, encravada na zona de expansão metropolitana de Brasília (DF), a capital da geopolítica de um país agora chamado Brasil, a pouco mais de 60 anos, neste ponto no infinito do espaço socioambiental, viviam múltiplos seres numa festa singular, erótica e complexa de mundos, experiências e fazeres bem distintos dos de hoje. Este lugar, habitado pelos Jês (ou pejorativamente Tapuias, para os conquistadores e Guaranis), foi por milhares de anos um mundo distante, sapiente e senciente, outro do que hoje é praticado. Os Nac-Parucs aqui praticavam uma racionalidade erótica de prática espacial, temporal e cultural, uma vivência libertária e estética emancipadora das feições paisagísticas, fazeres humanos e demais seres pelas leis dançantes da comunalidade, da sociabilidade e complexidade instantânea de geograficidades pululantes.
Um legado de mais de 5 mil anos foi rapidamente incorporado e pavimentado pela maquinaria instrumental do agronegócio, da geopolítica técnico-burocrática governamental, pelo avanço das ocupações urbanas e rurais avassaladoras, com seus sistemas da escassez, dependência e exploração de corpos e suspiros de vida. Em menos de trinta anos, duas capitais ditas planejadas (Goiânia e Brasília), epítetos da mentalidade enclidiana dos territórios, foram enfincadas como obeliscos nesta paisagem planáltica, em meio à nascentes recortantes do país que abastecem grandes bacias hidrográficas, devastando o cerrado, o solo, os seres vivos, tudo pelo caminho, pavimentando para que o progresso se perpetue pelo sertão, ligue litoral aos confins, fortaleça as narrativas desenvolvimentistas e tecnocêntricas da civilização, seculares da colonialidade do poder, projeto arcaico-ruralista, latifundiário e patrimonialista.
Uma cidade logo vira metrópole, a complexidade da razão criola, selvagem e insubmissa logo é convertida em quadriláteros sistemáticos e dirigistas de espaços funcionais e centralizados, dominadores, dominantes e dominados, avessos aos espaços libertados, autossuficientes e autogestionados, mundos do saber contente. As suas bordas são pavimentadas, sobram pequenas fissuras muitíssimo degradadas. São nessas fissuras que estamos, alguns ainda não reconheceram isso, quase todos acreditam que esta pavimentação opressiva vai nos salvar das “barbáries” dos sistemas autônomos e integrados do mato, da roça e da vivência anárquica. O progresso é o caminho para os terrenos soltos, esquecidos, onde o mato tomou de conta, onde as feras livres dominam, dizem os pavimentadores e os seus servos.
Nas fissuras vamos buscando fazer permacultura, permacultura libertária, roças anárquicas, coisas feitas a tempos imemoriais, distantes, na qual fomos submetidos a este esquecimento compulsório. As luzes nos ofuscaram, o progresso nos aliciou, a civilização luminosa nos inebriou e queimou nossas vistas, lavou nossas memórias. Esquecemos de tudo, estamos buscando acordar e relembrar.
Uma semente está sendo plantada nas fissuras da pavimentação no IFB Riacho Fundo. O Instituto Federal de Brasília, na cidade Riacho Fundo, expansão periférica da capital Brasília, cidade da territorialidade euclidiana agressiva e pós-moderna. Cerca de 30 alunos do segundo ano do curso Técnico Integrado de Cozinha, desta escola-enclave em meio a periferia urbana do Riacho Fundo, vem conhecendo, aprendendo e apreendendo do zero sobre permacultura. Estão dialogando, indo buscar práticas, experiências e abordagens teóricas na cidade e região de pessoas que dominam saberes ancestrais sobre o trato com a terra, a água, os alimentos e a vida, pela soberania alimentar, pela liberdade de produzir nutritividade e reconciliar a relações amorosas e desejosas com a terra.
Já foram até o IFB Planaltina, aprenderam técnicas de compostagem, bioconstrução e de sistemas agroflorestais. Vão até o Quilombo do Mesquita aprender com as populações quilombolas sobre a vida e meio de atuação com a terra. Estão implantando sistema de compostagem, no espaço do campus, coleta de água da chuva, uso de catavento para irrigar e hidratar a terra, plantio de sementes crioulas e criação de plantas alimentares não convencionais (PANCs). Estão também recuperando áreas degradas de cerrado, replantando árvores, recuperando solo e buscando criar espaço permanente para horta orgânica urbana. Planejam produzir energia alternativa, biodigestora, solar e eólica. Buscam criar ponto de coleta seletiva no espaço, organizar cooperativa de catadores de materiais recicláveis e estimular a autonomia financeira dos grupos sociais e comunidades em vulnerabilidade. O excedente alimentar será compartilhado com a comunidade carente. Serão criadas feira de ajuda mútua (feira do troca), com produtos e alimentos, trocas de experiências e formação de rede ou teia de sustentação socioeconômica e socioambiental no local. Com o grupo de cultura popular de capoeira angola e samba de roda, tambor de crioula etc., fortalecer as práticas com a comunidade e os grupos.
O objetivo final é formar nos 30 alunos a habilidade de hortaleiros, fazedores de hortas orgânicas urbanas pela cidade, começando pela casa, expandindo pelo habitat direto, rua, bairro, etc., buscando os terrenos vazios na cidade e criar polos de produção orgânica, na perspectiva da roça libertária, uma roça dentro da metrópole.
Os principais desafios encontrados relacionam-se ao poder local, a gestão da escola, a falta de envolvimento da comunidade. A passos lentos, com a cacunda virada, mas na vadiagem da ginga dos aquilombados vamos aquilombando e criolando esse asfalto, ampliando as fissuras em meio a este asfalto quente e modelar.
Saudações selvagens! Terra, liberdade, alimento, amor e anarquia!
agência de notícias anarquistas-ana
Bolhas de sabão
perseguidas pela praça —
Crianças sapecas.
Fagner Roberto Sitta da Silva
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!