A reforma da previdência, uma das motivações da Greve Geral, pretende, honestamente, impor maior tempo de trabalho para as pessoas, mais horas da vida enriquecendo outros. Que os “ricos pagariam mais” (como insiste a propaganda dos que governam) esconde um fato bem simples; que os “ricos” não precisam da aposentadoria para viver sua velhice pois já tem malas de dinheiro, já os “pobres” dependem dela para poder viver quando o corpo já não possa trabalhar. Assim, a reforma da previdência agride aos de sempre.
As ameaças e cortes na educação, outro dos grandes motivos da Greve, aparecem como respaldo de outro ataque contra a “educação” que é a ameaça mais abrangente deste tirano. O ataque à liberdade de pensamento. Não defendemos partido nenhum, mas escola sem partido não é precisamente uma proposta apartidária, é uma proposta que visa apagar o pensamento que critica alguns pontos da dominação (o capitalismo, o conservadorismo, e a submissão com os países dominadores de sempre). Governar sem ideologia[1], outra das brilhantes propostas do novo tirano, é defendida como parte fundamental das relações internacionais, dos acordos econômicos[2] e das propostas de educação, que chega a determinações como as operações policiais em Universidades procurando punir manifestações político partidárias[3], claro sempre que estas sejam contrárias ao governo atual.
A ideia de governar “sem ideologia” é um mecanismo truculento que pretende impor como o “normal” (ou livre de ideologia) a ideologia de direita conservadora, relacionada e apoiada pela moralidade religiosa evangélica. É a implantação da ideia de que o liberalismo, o conservadorismo, o militarismo, a xenofobia, homofobia, racismo e todas os enfeites do totalitarismo fossem o modo “natural” de pensar o mundo. Poderia parecer até a reciclagem de modelos políticos ditatoriais e fascistas, se não fosse porque a tirania atual, se entrega nas mãos da empresa privada, tiranos antigos que souberam atravessar monarquias, republicas, guerrilhas e democracias.
Os protestos contra o Governo Bolsonaro que se iniciaram ainda antes do segundo turno das eleições, com o grito de Ele Não proposto pelas mulheres e seguido pelo movimento negro em resposta ao assassinato do Mestre Moa do Katênde, a partir dos quais chegamos até a greve transitando por numerosas marchas contra a reforma da previdência e contra os cortes na Educação. Todos protestos por pontos específicos e particulares, e muitas vezes convocados por setores específicos. A pesar de terem sido protestos significativos logo após da apatia pré eleitoral, a ausência de um rechaço absoluto, de uma mobilização de oposição contra a totalidade do novo tirano, resulta inquietante. Protestam apenas quando algo afeta de perto e o silêncio significa morte? É apenas uma parte da tirania que é rechaçada?
Dificilmente pode se isolar cada uma das roupagens da nova tirania, racismo, misoginia, homofobia, supremacia ocidental, já que todas elas vem juntas e descaradamente. E é por isso que desde a posição anárquica estivemos num protesto, mas em todos, e também na Greve Geral do 14 de junho, respondendo ao chamado a partir da simples, mas infinita e fundamental, posição de defesa da liberdade e confronto contra toda forma de dominação.
Nossas formas de existir, resistir e combater.
Nos querem escravos. Resistimos e vc? perguntava provocativamente uma faixa, pendurada nas alturas, de poste a poste, na avenida Bento Gonçalves, na noite do 13 de junho. Como era sabido, a faixa foi cortada e retirada quase de imediato. Não desejam agitação, nem muito menos que as pessoas se questionem seu papel nas redes da dominação.
Pela madrugada, antes do sol raiar, na avenida Bento Gonçalves, apenas saindo um pouco da vista dos inimigos, que já estavam ali desde a madrugada, um grupo de encapuzados freiou os carros, instalou pneus, e gasolina, prendeu fogo na barricada e desapareceu. O trânsito ficou fechado e duas explosões ecoaram minutos depois. Todas as viaturas que estavam no Campus do Vale foram até o lugar quase de imediato e meia hora depois chegaram os bombeiros. Os jornais falaram de “um grupo”. Grupo que teve a singela colaboração com a greve, de paralisar o transito por um tempo.
Pela noite, no meio do protesto massivo porém passivo, um grupo com uma bandeira preta e uma faixa que dizia Pela Liberdade Contra Toda Autoridade apareceu nas ruas. A seu passo, pixações que lembravam o Mestre Moa, Guilherme Irish, o Punky Mauri, que gritavam Anarquia, Wallmapu Livre e Contra Toda Autoridade, encheram as paredes (que ultimamente são constantemente limpas para gerar indiferença). O grupo repartiu panfletos e foi o único que tentou quebrar com algo, com a ordem imposta, com o respeito as propriedades do Estado e a materialidade do sistema, com a apatia.
Essa noite, o vice presidente Mourão o segundo no mando deste regime, representante de todas essas decisões que pretendem governar as vidas, estava na cidade, recebendo honras de cidadão emérito, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Protegido pelo equipe de segurança do presidente, num local que foi até farejado na procura de qualquer ameaça possível, com as ruas circundantes cercadas por policias, cavalaria e até o caveirão, que terminou circulando na cidade, ele foi homenageado sem perturbações na sua volta.
A cidade presenciou, mais uma vez, um protesto terminando no Largo do Zumbi, porém, esta vez, um grupo prendeu fogo num colchão querendo incitar um pouco de revolta, mas … Os tempos das agitações de 2013 passaram, e hoje, no governo mais totalitário do século, parecem reinar estratégias menos contundentes. Cabe nos perguntar sobre quais as formas de luta que dão (deram e podem dar) melhores resultados.
Porque estamos contra todo poder, e sobretudo estamos contra este, porque a greve é uma ferramenta de sabotagem e não dia de folga, os anárquicos estivemos pela noite provocando com palavras, de madrugada colaborando para que a Greve aconteça, e pela noite de novo, marcando o porém no ato. Nossas formas de existir desejam a vida em liberdade, não apenas pra nós, e conseqüentemente queremos nos revoltar contra o tirano que nos impuseram. Sim, que nos impuseram aos que ainda acreditamos que cada ser pode ser responsável da sua própria vida. Sem choro nem vitimismo, estamos na luta contra toda dominação.
Nossas formas de existir, resistir e combater, querem espalhar que é possível, e entre poucos, gritar vitória alcançando o proposto com todas as ferramentas possíveis, com a vantagem do imprevisto. Não esquecemos de todos que fizeram sua parte para a greve acontecer, nem dos detidos que responderam essa situação com dignidade[4].
Que aconteça a bela expansão da revolta, a confrontação contra todas as formas da dominação, que viva a Anarquia!
> Vídeo da barricada:
Notas:
[1] A ideologia consiste num corpo de idéias, as quais servem como norteadoras e legitimadoras das políticas, das ações, dos empreendimentos, do funcionamento de uma sociedade. Para alguns intelectuais a ideologia orientaria a vida das pessoas uma vez que o Estado destruiu formas de vida coletivas e independentes.
[2] “Em um discurso relâmpago, o presidente Jair Bolsonaro abriu o Fórum Econômico Mundial de Davos 2019, o encontro anual de líderes mundiais e investidores que começou nesta terça-feira e vai até sexta, 25 de janeiro, na Suíça. Em um pronunciamento que durou menos de dez minutos, Bolsonaro voltou a afirmar que seu Governo não terá viés ideológico.”
(https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/22/politica/1548159084_424761.html)
[3] A AGU, “A Advocacia-Geral da União (AGU) solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (28/5), que a Corte libere a realização de ações policiais dentro de universidades públicas e privadas. A finalidade, de acordo com a solicitação, é apurar crimes eleitorais que possivelmente estejam sendo praticados dentro destas instituições. A entidade afirma ainda que a universidade é local de debate, mas que não pode “prevalecer” uma “corrente de pensamento específica”.
[4] De madrugada, pontos estratégicos foram tomados por revoltosos em Alvorada (onde se defenderam corajosamente do ataque dos policiais https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/06/14/pm-e-ferido-no-olho-durante-dispersao-de-manifestacao-no-rs.htm), em Nova Santa Rita, Eldorado do Sul, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Sapiranga, Sapucaia e em Porto Alegre na Cavalhada, Bento Gonçalves, Morro Santana … pontos que permitiriam bloquear o fluxo da produtividade doentia, e fazer algo de greve acontecer. Porém, os inimigos estavam prontos e preparados, em cada lugar estavam eles, esperando, e foi por esse passo adiante que deram que conseguiram evitar um maior transtorno na cidade, foi por estarem lá, preparados, que puderam prender 77 pessoas: na Cavalhada, nos trilhos do trem em Sapucaia, no Morro Santana, em Alvorada, em Eldorado do Sul…
agência de notícias anarquistas-ana
Como versos livres
– ao toque dos tico-ticos –
as flores que caem…
Teruko Oda
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!