por J.D.M. | 14/09/2019
A ‘filha da CNT’, como chegou a ser conhecida Raquel Neira, recorda a figura de seu progenitor, Nicolás, ativo sindicalista que foi fuzilado em Estépar quando ela tinha apenas uns dias de vida
Raquel Neira tinha apenas umas semanas de vida quando seu pai, Nicolás, foi fuzilado em Estépar. “Nasci dia 16 de agosto, e o mataram dia 9 de setembro. Quase nem me viu”, conta. Hoje, 83 anos depois, receberá os restos de seu progenitor, que será exumado no cemitério municipal de San José junto da que foi sua esposa, Valeriana. “Quem o iria dizer a minha mãe! Ela esteve esperando meu pai muitos anos e quando ouvia algum ruído em casa pensava que era ele, depois se deu conta de que se não vinha era porque o teriam matado”.
Nicolás Neira foi um ativo sindicalista da CNT e do movimento libertário burgalês nos tempos da Segunda República Espanhola. Mecânico da Companhia (ferroviária) do Norte, foi um homem versátil que, à margem de sua ação política, atuava com desenvoltura em outros campos como a forja, a fotografia ou o desenho, como mostram algumas das criações que sua família ainda conserva em seu domicílio.
“Era muito boa pessoa e amigo de seus amigos, um homem enérgico e muito bem falante. Ia a muitos comícios e tinha fama de bom orador” evoca Raquel, que tudo o que narra sobre seu pai foi contado pela sua mãe, Valeriana, que “todos os dias me falava dele, ainda que fossem coisas repetidas”, diz. Ela, no entanto, apenas pode conhecê-lo. “Me levaram ao cárcere para que me visse, mas eu era uma menina quase recém nascida e estava dormindo”. Nicolás Neira passou algumas vezes pela prisão, mas a última vez que saiu o fez para não voltar.
Diariamente, uma pessoa próxima da família levava a comida ao presídio até que em 9 de setembro de 1936 “nos disseram que lhe haviam dado a liberdade, mas se não voltava para casa… que liberdade lhe deram?”. À Valeriana e às mulheres de outros presos “nunca” disseram a verdade, mas “presumiram que tinham sido mortos em uma ‘retirada'”, indica Raquel Neira. No expediente carcerário de seu pai consta que faleceu por causa de uma angina de peito, ainda que seu corpo nunca foi entregue à família. “Que diabos uma angina de peito, se tinha 25 anos e era um homem são e forte!”, expressa a ‘filha da CNT’ como era conhecida.
No ano passado, graças aos trabalhos de investigação e arqueológicos a cargo da Coordenadora Provincial pela Recuperação da Memória Histórica de Burgos e a Sociedade de Ciências Aranzadi , que incluíam a análise de uma mostra de DNA de Raquel Neira, identificaram os restos de Nicolás entre os encontrados em uma das fossas localizadas no Monte de Estépar, na qual foi enterrado após seu assassinato junto a outras 26 pessoas.
Hoje sua filha os receberá, ainda que “depois de tantos anos tampouco me entusiasma”, diz. “Meu avô está perdido por aí e mais dois ou três primos, também os mataram. É algo a que te acostumas, mas minha mãe demorou, manteve a esperança durante anos”.
De todos eles, de sua mãe e inclusive dela mesma quando era pequena guarda ainda fotos em um pequeno baú de sua sala. Também conserva as cartas que seu pai escreveu a sua mãe desde o “cemitério de vivos” no qual foi encarcerado. Em algumas descrevia, em claro tom irônico, os “quartos independentes” com “uma ampla janela (0,30×0,40) por onde entra abundantemente a luz solar” do “hospitaleiro hotel” no qual passou dias preso até que foi assassinado.
Tradução > Sol de Abril
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Thiago Souza
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!