“Eu quero queimar […]
Para escalar em direção ao paraíso em uma chama imponente
E gritar a injustiça pela qual minha nação
Foi cercada e massacrada com ferro quente”
– Vizma Belsevica
Um século atrás, o mundo tinha sido esculpido entre grandes impérios, dominado por aristocratas cruéis e plutocracias de tiranos insensíveis e sedentos por poder, cada qual preocupado apenas pela conquista das classes mais pobres, as quais eram vistas como um pouco mais do que bens e buchas de canhão, a existirem dos restos e sobras jogadas a elas. No meio da fome, tortura, miséria e escravização, as classes trabalhadoras organizadas, desesperadamente e desafiadoramente sindicalizadas, apesar da sua ilegalidade, e embora presas, sequestradas e assassinadas pelo Estado, elas incansavelmente pressionam contra aqueles que as oprimem. Mesmo dentro de seus postos e entre uma suposta solidariedade, lá ocorre o surgimento de manipuladores e trapaceiros que perverteriam a luta pelo socialismo e pela liberdade em uma outra forma de exploração e ditadura. No tumulto, o Czarismo se transforma em Ditadura do Proletariado e, com o tempo, Nicholas se transforma em Stalin, seguindo as mesmas ilusões falaciosas que ignoram a corrupção do poder absoluto.
Naquele momento, como agora, emergem indivíduos e coletivos que entenderam a autocracia da autoridade, reunindo-se para lutar contra a opressão e o controle, para libertar a si mesmos e outros. Naquele momento, como agora, houveram aqueles que entenderam a necessidade de pats – vards un darbs: isto é, palavras e ações são o mesmo.
A partir deste momento, um grande mistério se desenvolveu em relação à identidade e, subsequente, desaparecimento de um infame revolucionário anarquista que costumava assombrar os cortiços e becos da Whitechapel. Ele se tornou uma lenda como Peter, o Pintor – o líder misterioso de uma gangue de ilegalistas anarquistas exilados, que desapareceu após o tiroteio mais sangrento da história de Londres, um massacre de policiais terminando com a chamada dos militares, sua artilharia e uma bala no chapéu de Winston Churchill.
Depois de quase um século, Philip Ruff reconstituiu a identidade de Peter, o Pintor, revelado aqui como sendo o anarquista e revolucionário Janis Zaklis – um verdadeiro Robin Hood letão, Ned Kelly ou Alfredo Bonnano – e carinhosamente tece essa história pessoal dentro de um contexto histórico mais amplo em sua emocionante não-ficção Uma Chama Imponente (A Towering Flame).
Começa com um roubo atrapalhado de jóias em Houndsditch, um tiroteio entre policiais e assaltantes que resultou na morte sangrenta de 5 policiais e uma subsequente caçada por todo o East End. No entanto, a história é mais profunda, remontando a história da luta socialista na Letônia contra a ocupação czarista tirana, os levantes e conspirações que levam a incontáveis encontros violentos entre rebeldes e legalistas, a intrigas e subterfúgios, enquanto aqueles com tendências anarquistas são difamados pelos bolcheviques sedentos por poder. Ainda assim, suas aventuras servem como propaganda dos exemplos de ação de como a autonomia e o apoio mútuo podem transformar uma luta.
Somos arremessados para o tumulto revolucionário da virada do século na Letônia com nosso herói Janis Zaklis – o próprio Peter, o Pintor – no cerne da questão. Ele era o tipo de anarquista que gerações de liberais fofos apologistas tentaram apagar da história como uma anomalia – um insurrecionalista armado, que logo é exilado dos partidos comunistas e se junta aos revolucionários imigrados em Londres, como parte de uma violenta revolta internacional contra a tirania das classes capitalistas, o fio da navalha da revolta socialista ocorrendo no mundo industrializado naquela época. Manifestações de trabalhadores às dezenas de milhares começam a exigir um salário-mínimo de um rublo por dia. O massacre de manifestantes pacíficos por soldados czaristas e cossacos incita a radicalização de uma nação oprimida – naquele momento, vistos como pouco mais que um antigo auxiliar do império alemão. Surge uma cultura da literatura que transforma o letão, de um dialeto camponês corrompido do alemão, em uma língua, identidade e cultura genuínas.
O capítulo 2, por si só, apresenta Zaklis e amigos invadindo uma prisão para libertar seus camaradas, e está repleto de referências casuais a fabricação de bombas caseiras e negociações de armas, que logo é vista de forma tão gentil e excêntrica quanto lepidópteros. Ao escapar da prisão para as ruas, tendo perdido seu chapéu, um dos camaradas de Zaklis arranca um chapéu coco de um cavalheiro passando e coloca-o em sua cabeça, enquanto fogem das balas e dos confrontos com a polícia e guardas da prisão. Este exemplo de um detalhe, que lembra as representações romantizadas e ficcionalizadas dos filmes de cowboy e gangster de Hollywood, é um dos muitos que apimentam esta história do Wild Wild East. No entanto, este não é um faroeste à italiana: as apostas são altas e ainda mais ofegantes, por terem sido reais. Eram combatentes pela liberdade enfrentando a traição pela polícia secreta, o assassinato pelos terroristas do Estado, a brutalidade e tortura selvagem pelos seus crimes, para extrair confissões. Talvez seja por isso que as numerosas anedotas inspiradoras de bravura exemplar e dedicação de homens e mulheres sejam ainda mais impressionantes, como quando uma ordenhadeira local transporta clandestinamente um guerrilheiro para fora de um celeiro cercado de cossacos, escondendo-o em um saco e jogando-o por cima dos ombros para sair casualmente como se estivesse carregando um saco de batatas.
O livro é implacável em seu ritmo. Inicialmente, temia que houvesse algum assassinato seco com resmas de uma investigação tediosa e o equivalente histórico de colecionar selos, mas é completamente o contrário. É a ação de uma aventura anarquista com o exército guerrilheiro letão em exílio, enquanto viajam pelo mundo lutando por libertação. É também uma exímia documentação de um exemplo histórico de, como Bakunin chamou, “uma rede invisível de revolucionários dedicados… [procurando] despertar, unir e organizar forças populares… uma espécie de Estado-maior revolucionário… que é capaz de servir enquanto intermediário entre a ideia revolucionária e os instintos do povo”.
Além da resolução de um quebra-cabeça, este livro também é um guia e uma cifra para todos aqueles que procuram fomentar a anarquia popular e formas de organizações livres de todos os personagens oficiais. É uma parte crítica da história anarquista, tão significante quanto às lutas de Makhno e Durruti, uma peça vital de documentação pela qual Philip Ruff deve ser elogiado e, sem spoilers, tem um final único e incomum para pessoas como Janis Zaklis.
George F.
Uma Chama Imponente: Vida & Momentos de um Indescritível Anarquista Letão, Peter, o Pintor (A Towering Flame: The Life & Times of the Elusive Latvian Anarchist Peter the Painter)
Philip Ruff
284 páginas
£17.00
Fonte: https://freedomnews.org.uk/review-bombthrowing-jailbreaking-copkilling-gunrunning-anarchist-bstards/
Tradução > A Alquimista
agência de notícias anarquistas-ana
Brisa matinal —
O cãozinho fecha os olhos
por alguns instantes.
Edson Kenji Iura
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!