
por Thiago Crepaldi | 24/09/2019
Um médico tentou se safar do serviço militar obrigatório alegando ideais anarquistas “calcados no pacifismo e antimilitarismo”, mas não contava com a simpatia de um desembargador federal pelo assunto, que evidenciou o absurdo da alegação.
Contra ato do comandante da 2ª Região Sudeste, o recruta impetrou Mandado de Segurança na Justiça Federal para suspender a sua convocação para prestar serviço militar como profissional da área de saúde já que sua “liberdade de consciência” não o permitia.
O juízo da 14ª Vara Federal em São Paulo deferiu o pedido do médico, entendendo que “o imperativo de consciência é um direito fundamental, e a inexistência de serviço alternativo ofertado pela Administração Pública militar importa na impossibilidade da incorporação”.
A União recorreu. Alegou que “mesmo se dizendo anarquista, o impetrante estudou em instituição de ensino pertencente ao Estado, o que é contrário a essa corrente filosófico-política; que, segundo manifestação do Ministério Público Federal, na página pessoal do impetrante no Facebook, há manifestações políticas que em nada se relacionam com o anarquismo; que atividade para a qual ele foi convocado é de natureza preponderantemente médica”.
Subiram os autos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS), à mesa do desembargador federal Otávio Peixoto Júnior, que desmascarou o pseudo-anarquista. Sobram motivos para negar credibilidade ao impetrante, disse o desembargador.
“[O impetrante alega que] filia-se à corrente filosófica do Anarquismo, cuja origem remonta aos antigos gregos (estoicos), tendo sido determinante para o seu surgimento como doutrina moderna, o pensamento secular iluminista, particularmente a elevação da liberdade proposta por Jean Jacques Rousseau. Considera-se William Godwin o preceptor do pensamento anarquista, embora não tenha sido ele a introduzir essa denominação. Godwin formulou as concepções políticas e econômicas que viriam posteriormente inspirar o filósofo francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), considerado o fundador da teoria anarquista moderna”, e segue falando que “As bases da filosofia anarquista são a paz e o amor”, em “antimilitarismo” e “não-belicismo”, em “Anarquismo filosófico” e pretendendo que a Constituição lhe confira a alternativa de não querer “se submeter à vivência militar.”
“Talvez pudesse considerar a mim como anarquista, porque muito aprecio um escrito de Bakunin, tanto que, impresso na contracapa, deixo o livro na estante com a capa virada para a parede para mais fácil e pronta visualização do texto que não raro prazerosamente releio: ‘Sou um amante fanático da liberdade, considerando-a como o único espaço onde podem crescer e desenvolver-se a inteligência, a dignidade e a felicidade dos homens; não esta liberdade formal, outorgada e regulamentada pelo Estado, mentira eterna que, em realidade, representa apenas o privilégio de alguns, apoiada na escravidão de todos; (…) só aceito uma única liberdade que possa ser realmente digna deste nome, a liberdade que consiste no pleno desenvolvimento de todas as potencialidades materiais, intelectuais e morais que se encontrem em estado latente em cada um (…).’, escreveu aquele sim verdadeiro anarquista”, disse Peixoto Júnior.
Continua: “Não vou discutir filosofia, política e história com o impetrante, não devo debater sobre cidadãos gregos liderados por Zenão que se reuniam num pórtico de Atenas, onde o fundador da escola lecionava sobre a ataraxia. Rousseau não era anarquista, William Godwin não conheço (e procurar agora no Google pra mim não vale) mas Proudhon não poderia ignorar, autor da célebre frase afirmando que ‘A propriedade é um roubo’, que também bradou esta, que fui buscar no meu dicionário filosófico: ‘A igualdade ou a morte’. Quem falava assim não pregava ‘paz e amor’ e se divergências haviam sobre meios revolucionários ou não, não se tratava de pacifismo. Estranha filiação essa a um ‘anarquismo pacifista’, ressalvado o uso da palavra ao que é estilo de vida, talvez presente em Woodstok, mas era o movimento hippie, e o impetrante não vende peças de artesanato na praça.”
“(…) admitir que qualquer ‘vassalo’, na linguagem de Rousseau em seu Do Contrato Social possa desses se livrar com meras e ainda incongruentes e inverossímeis alegações de filiação a exótica corrente de ‘anarquismo paz e amor’ passa dos limites”, continua o desembargador. “Como brotou e quanto tempo foi necessário para forjar-se da miscelânea de doutrinas indo dos estóicos ao socialismo de Proudhon uma consciência tão fortemente blindada?”
A procuradora regional da República Rosane Cima Campiotto também apresentou argumentos contra a liberação do médico. “A objeção de consciência é oposta em face da sociedade, podendo ser caracterizada como uma regra de exceção, capaz de afastar o princípio da igualdade. Destarte, a objeção de consciência não se constitui em algo íntimo, privado, que só diga respeito ao invocante e que esteja fora do alcance de qualquer juízo de avaliação. Ao contrário, a objeção de consciência deve ser relevante e objetivamente mensurável. Não basta, portanto, a mera invocação ou, mais ainda, qualquer invocação.”
“Não poderia eu me posicionar de outro modo senão pela denegação da ordem”, foi o voto declarado e divergente do desembargador da 2ª Turma.
“Entender que a mera ‘alegação’ constante do tipo legal não suscita confrontação ou averiguação é simplificar o processo interpretativo em curso, já que o fim social daquela norma é estabelecer a isonomia de tratamento, onde os desiguais devem ser desigualmente albergados pelo direito, mas, para tanto, é necessário que se demonstre sua situação de desigualdade”, acompanhou em voto retificador o relator, desembargador Cotrim Guimarães, endossado também por Souza Ribeiro, por outros fundamentos.
Previsão constitucional
O direito fundamental posto em discussão está estabelecido no artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal, relativo à possibilidade dos cidadãos deixarem de prestar serviço militar obrigatório por “imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política”, para o fim de “se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar”. A dispensa é direcionada para as atividades militares, propriamente ditas, vale dizer, aquelas que digam respeito, essencialmente, com o treinamento e prática de guerra.
Esse direito fundamental foi regulamentado pela Lei 8.239/91, que no artigo 3º estabelece as condições para seu exercício pelos cidadãos e também define o serviço alternativo àqueles que invocarem o imperativo de consciência para se eximirem das atividades essencialmente militares.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2019-set-24/trf-manda-anarquista-pacifista-cumprir-servico-militar
agência de notícias anarquistas-ana
Bem-te-vi canta
pousado na cabeça
da estátua em silêncio.
Teruo Hamada
Perfeito....
Anônimo, não só isso. Acredito que serve também para aqueles que usam os movimentos sociais no ES para capturar almas…
Esse texto é uma paulada nos ongueiros de plantão!
não...
Força aos compas da UAF! Com certeza vou apoiar. e convido aos demais compa tbm a fortalecer!