O texto a seguir foi escrito pela Convergência de Lutas Anticapitalistas (CLAC), os Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW) e o Montréal-Antifasciste, e foi distribuído na manifestação climática de Montreal em 27 de setembro de 2019.
1. GOVERNOS NÃO NOS SALVARÃO
Quem que se beneficia envenenando a terra e explorando as pessoas que você se importa não será reformado. Farão parecer que ouvem suas vozes e, ocasionalmente, farão grandes espetáculos para temporariamente apaziguarem sua raiva. Eles te incentivarão a canalizar sua ansiedade em práticas inúteis que apenas reforçam o individualismo. Assim, enquanto compete a alguns de nós tomar banhos mais curtos ou reduzir a nossa produção de lixo, funcionários do governo, universidades e corporações investem descaradamente em mais oleodutos, realizam conferências acadêmicas acríticas ou voam em jatos para reuniões sofisticadas onde promessas vazias são feitas.
O impacto climático das emissões de gases do efeito estufa pelos humanos é conhecido desde o final do século XIX. A visão de que o dióxido de carbono afeta o aquecimento global é disseminado desde a década de 70. Desde os anos 80 e 90 observações e os modelos de computador apontam, predominantemente, atividades feitas por seres humanos como fatores importantes na mudança climática. Faz mais de 30 anos desde que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas foi criado para compilar informações e aconselhar os governos mundiais em como minimizar a mudança climática antropogênica (induzida pelos humanos), que já levou inúmeras vidas humanas e causou a extinção de muitas outras espécies de animais. Este mesmo Painel agora diz que nós temos apenas 10 anos restantes antes de chegarmos a um ponto sem retorno em direção a morte deste planeta. Nossos países estão consumindo a maior parte dos recursos do planeta. Ainda assim, aqui estamos nós, pedindo aos mesmos governos coloniais e a classe política que nos colocaram nesta balbúrdia, para proibir canudos plásticos e aumentar os impostos sobre emissões de carbono.
Estamos implorando a eles por décadas. É hora de começarmos a tomar o poder.
2. CAPITALISMO E CRISE CLIMÁTICA
O capitalismo é um sistema sócioeconômico e político sob o qual poucos privilegiados são donos do que o resto de nós precisa para sobreviver. Isso significa que o valor de seres sencientes e plantas é baseado na sua capacidade de gerar riqueza. É a ideia de que a terra, locais de trabalho, árvores, animais, moradia e água devem ser propriedade privada de indivíduos ou empresas, o que os dá o poder de explorar essas coisas da forma que eles quiserem, independentemente de nossas preocupações, necessidades e bem-estar. Esse sistema econômico é o motivo pelo qual as empresas são livres para construir infraestruturas de combustíveis fósseis em terras indígenas não demarcadas, à medida que os governos usam a polícia militarizada para suprimir qualquer forma de resistência.
Para existir, o capitalismo precisa manter a hierarquia, o poder e a obediência. É por isso que os seus atos de rebelião são concebidos de forma diferente dos atos deles de violência sistêmica (por exemplo, roubar comida do Walmart X roubar terras de povos indígenas). Nossos esforços em direção a um futuro melhor não têm sentido sem uma renúncia radical do sistema que fez da violência e da destruição o estado normal (e legal) das coisas.
3. COLONIALISMO, RACISMO E DESTRUIÇÃO
Ser ecológico é também se opor ao colonialismo e ao racismo. Ambas as coisas têm tudo a ver com a crise climática.
A poluição atmosférica não pode ser calculada sem levar em conta as realidades coloniais passadas e presentes. Nosso entendimento de como os diferentes países contribuem para a mudança climática deve levar em consideração as emissões históricas de gases de efeito estufa e, mais importante, quem lucra com a destruição. Indústrias e impérios foram construídos com base no trabalho de negros e indígenas e de outras pessoas de cor. Empresas canadenses e americanas assassinam defensores das terras pela busca de minerais na América Latina e na África, envenenam o ar e as vias navegáveis da Ásia e colocam nosso lixo em barcos para serem jogados longe de nossos olhos.
Repetidamente na história canadense, a devastação ecológica foi utilizada como uma arma intencional contra os povos indígenas. A caça excessiva de búfalos pelos colonos levou à fome nas pradarias no século XIX, a qual foi conscientemente encorajada pelo governo canadense sob o poder de John A. Macdonald, como uma ferramenta de genocídio para “limpar o Ocidente”. Tais práticas continuam até hoje. Grassy Narrows é uma comunidade indígena perto da fronteira de Ontário com Manitoba; a água deles foi contaminada com toneladas de mercúrio despejado em seu sistema de água por uma fábrica de papel em crescimento. Um estudo estimou que 90% da população sofre em certo grau de envenenamento por mercúrio, o que pode causar de tudo, desde deficiências cognitivas até perda auditiva e alterações emocionais. O metal pesado pode ser passado das mães para os bebês que elas carregam, tornando-o um problema que dura gerações. Este é o legado do colonialismo e genocídio canadense; para muitas pessoas a catástrofe ecológica já tem séculos de idade.
De muitas maneiras, os mais oprimidos sempre pagam o preço pelos estilos de vida ocidentais e o crescimento descontrolado que os acompanha. Secas, inundações e fome são cada vez mais comuns e as pessoas desabrigadas precisam de novos lugares para chamar de lar. Assim, ao combatermos as mudanças climáticas, também devemos combater o sistema de fronteiras que valoriza algumas vidas acima de outras. Precisamos combater a polícia que entra na casa dos imigrantes no meio da noite para levar os pais embora. Devemos combater a construção de uma prisão de imigrantes em Laval, que tem crianças crescendo atrás das grades. Temos de lutar contra as guerras do petróleo que deixam países inteiros destruídos. Devemos combater a supremacia branca, seja na forma de milícias neofascistas, colunistas conservadores ou estados coloniais que reivindicam soberania sobre terras indígenas. Por fim, também devemos confrontar quem aceita isso sem sentir profunda raiva. Não podemos permitir que as pessoas mais privilegiadas do planeta usem termos como “superpopulação” ou “crise de migrantes”, porque são muito assustadas e egoístas para enfrentar os verdadeiros autores da destruição do nosso mundo.
4. RESISTIR AO BODE EXPIATÓRIO E À EXTREMA DIREITA
Certos grupos estão tirando vantagem das catástrofes que estão acontecendo para colocar em prática suas próprias ideias de ódio e pesadelo.
Seguido do furacão Katrina que devastou Nova Orleans em 2005, milícias de supremacistas brancos tiraram vantagem do desastre para assassinar pessoas negras aleatórias que eles achavam tentando sobreviver às inundações. Mais recentemente, em 2019, em Christchurch, na Nova Zelândia, e El Paso, no Texas, homens neonazistas armados cometeram massacres, matando dezenas de pessoas de cor, em ataques que eles explicitamente definiram como “salvar o meio ambiente”. Em todo o mundo, muitas pessoas nas nações ricas, as quais estão causando o maior dano ecológico, estão exigindo um controle mais rigoroso e restrições à imigração, citando frequentemente a necessidade de proteger recursos naturais. Ao mesmo tempo, alguns racistas sugerem que há muitas pessoas no mundo e têm como alvo pessoas racializadas e pessoas no sul global, com medidas coercivas de “controle populacional”. Aqui no Quebec, membros de grupos anti-imigrantes de extrema direita às vezes se veem bem-vindos em espaços e mobilizações ambientalistas, enquanto as preocupações de pessoas de cor e antirracistas foram simplesmente deixadas de lado.
Esse legado do eco-fascismo deve ser enfrentado; caso contrário, o movimento para salvar o planeta poderia facilmente ser manipulado e transformado em um instrumento para oprimir e violentar àqueles já mais diretamente prejudicados pelas catástrofes que o capitalismo desencadeou.
5. O QUE PODEMOS FAZER!
• Rejeitar a legalidade, especialmente quando leis são feitas por estados coloniais (por exemplo, Canadá, Quebec) não reconhecido pelos primeiros habitantes da terra.
• Ouvir e abrir espaço para vozes indígenas na luta contra a destruição colonial e capitalista de ecossistemas.
• Reconhecer quando nossas lutas estão sendo cooptadas por partidos políticos ou empresas para acumular simpatia e capital.
• Evitar partidos políticos, organizações sem fins lucrativos ou qualquer um fingindo lutar contra a dominação enquanto reproduz hierarquias de poder.
• Aprender sobre formas alternativas (anarquismo, comunismo, feminismo, anticolonialismo) de organizar a vida social.
• Atacar os símbolos do poder capitalista: bancos, companhias de mineração e corporações multinacionais.
• Tornar a luta contra todas as formas de opressão uma parte ativa da sua militância e fazer a sua parte para assegurar que o ônus de lidar com as realidades desconfortáveis ligadas às mudanças climáticas não caia sobre os ombros daquelas que o patriarcado considera como responsáveis pelo papel do cuidado.
• Pratique tomadas de decisões consensuais e cultive relações consensuais.
• Informe-se, acabe com o isolamento procurando cúmplices dentro das suas comunidades e construa redes de resistência com outras pessoas dispostas a enfrentar o poder.
• Só corra riscos calculados e pratique a cultura de segurança.
• Ah, e obviamente, se seremos presos-presas, que façamos valer a pena.
Este panfleto foi escrito e é distribuído em terra indígena não demarcada e em um local de encontro conhecido pela nação Kanien’kehá:ka (Mohawk) como Tiohtiá:ke (Montreal).
Tradução > A Alquimista
agência de notícias anarquistas-ana
Entramos na primavera,
com nossas roupas de todo dia —
eu e o pardal.
Issa
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!