Para xs companheirxs encarceradxs ou perseguidxs
Escrevo essa carta expressando todo o newen (força no idioma mapuche) e fogo novo e insurgente das minhas convicções anárquicas como um gesto mínimo de cumplicidade para com vocês.
Eu me vejo encarceradx há alguns meses nas masmorras da democracia chilena. “Oásis” do capitalismo na América Latina (ainda) fortemente atingido pela bela tempestade insurgente da Revolta Social que coloca fogo e alvos nas mãos dxs exploradxs e que onde nós xs anarquistas, apesar de nossas falhas e erros, continuamos agitando com todas as armas e ferramentas que temos à nossa disposição, desidealizando o contexto, entendendo que este é outro capítulo da atual Guerra Social Mundial em curso e que podemos nos expandir e aprender lições, percebendo suas próprias limitações.
Deixando de lado o fetichismo, o sectarismo e as falsas dicotomias, vemos como nascem inúmeras iniciativas no calor das barricadas, como: assembleias de bairro e de trabalhadorxs, centros culturais ocupados, bibliotecas, editorias, discussões, marchas, greves, diversões, intervenções, ações, confrontos, ataques, conspirações, redes de apoio e solidariedade com presxs políticxs, etc… com um espírito libertário claro que se espalha em alta velocidade em situações como as que ainda vivemos e que é terra fértil para que ideias e práticas anárquicas sejam adotadas pelxs oprimidxs na luta.
A espada de dois gumes com a qual o poder responde, tenta aplacar o espírito insurrecional pela institucionalidade, com todos os partidos e movimentos da ordem alinhados com essa democracia assassina, fazendo ilusões com mudanças que não mudam nada, eleições, plebiscitos, participação cidadã, enganos feitos para tirar a autonomia e a potencialidade revolucionária, a capacidade que nós mesmos temos de nos organizar sem chefes, líderes ou “especialistas”, parasitas que vivem apenas do que podem tirar dxs que estão abaixo, fazendo arranjos que apenas favorecem a eles e à sua classe, aliados eternos e leais aos exploradores.
O caminho da revolta será sempre o da horizontalidade, autonomia, descentralização, ilegalidade, tanto na construção quanto no ataque.
O outro lado da espada é a face mais visível da violência em que todos os estados se baseiam, a militarização da vida, a polícia, o controle, a lei, a mutilação, o confinamento e o assassinato que, quando se tornam massivos remove a maquiagem desse sistema, revelando, finalmente, que ditadura e democracia sempre foram entonações da mesma música sombria.
Atrever-se a enfrentar o poder sempre implica a possibilidade de cair na prisão, seja por ações fora da lei ou por acomodação e desculpa dos poderosos para ataques repressivos e shows midiáticos. Isso longe de nos colocarmos como vítimas, reforça ainda mais a convicção de batalha que temos contra nossos inimigos, que não apenas cairá pela força, mas tão pouco sem ela.
O Estado, o capital, o patriarcado e todas as relações sociais que deles derivam são o apoio e o fundamento da exploração da terra e tudo o que nela habita, incluindo xs animais humanxs.
Seja nas regiões do Equador, Líbano, Iraque ou Curdistão, seja nas ruas de Hong Kong, Pequim ou Atenas, nos bairros gringos ou nas ruas caras de Paris, em Bogotá, Rio, DF, em Buenos Aires ou Montevidéu. Seja na Rússia, Filipinas, Papua Ocidental ou nas ruas turbulentas de Santiago e no Wallmapu.
A luta deve ter uma perspectiva global, uma vez que as diferentes opressões que atravessam nossos diferentes corpos e territórios se entrelaçam para alimentar o mesmo sistema podre; assim devemos estudar e ser inteligentes para identificar o papel desempenhado pelos territórios em que lutamos na rede internacional de exploração, a fim de tornar nossa organização e nosso ataque cada vez mais precisos e mais à frente dos parasitas exploradores.
A batalha nas prisões também tem que ser planetária, nós anarquistas nunca justificamos separações absurdas, como pátria e soberania nacional, nos sentimos irmanadxs por nossas ideias e também por nosso status de prisioneirxs políticxs anarquistas nas prisões do Estado, e portanto este é um chamado para estar ciente e informadx dxs companheirxs presxs em todo o mundo. Que criemos redes práticas de solidariedade com campanhas, ações, gestos e tudo o que nos reconhece na luta, que nos encontremos como parte da guerra social e contribuímos para ela com nossa força, análise e coerência, fazendo do apoio mútuo mais que uma palavra escrita, que seja o voo do pássaro que se alce sobre as paredes das prisões e nas fronteiras, abraçando com o calor do fogo anárquico todxs xs compxs encarceradxs, perseguidxs ou em luta em todos os continentes e cantos do planeta.
Vamos, escrevamos, conheçamos, nos solidarizemos e atuemos sabendo que não estamos sozinhos; ocupemos essa potência para abalar o poder que apenas tenta nos isolar e nos separar. Vamos agir cada vez mais em coordenação e com projetos claros, cuidar da rua e de nossas vidas, montar armas orgânicas que aqui e agora prefiguram o novo mundo que carregamos em nossos corações e nunca nos trema a mão para responder à violência dos ricos e seu sistema, não esqueçamos que eles são mortais e têm nomes e endereços. Contra eles todo o nosso ódio, entre nós todo o nosso amor e comprometimento para resolver tudo o que nos é apresentado neste emaranhado caminho revolucionário.
Estamos infectadxs com esse sistema que, por imposição que herdamos, percebemos que, individual e coletivamente, também é uma parte essencial da anarquia, quebrando dicotomias, revelando que a dominação nos afeta de várias maneiras, mesmo no mais íntimo de nossos medos, traumas, atitudes e desejos. Com isso em mente, podemos gerar espaços que, a partir da fraternidade, podem ou ajudem a resolver ou acabar com os problemas. Perfeição e pureza são apenas enganos cristãos que nos impedem a humildade e escuta; vamos destruir tudo o que nos torna escravos, dentro e fora de nós mesmos. Não temos todas as respostas, não veneramos nenhum salvador ou messias, não somos crentes, nem religiões ou seitas, muito menos um clube de amigos, vamos fazendo o caminho, vamos dar um passo firme em direção à libertação total imparável e infinita, em direção à revolta, a revolução social, em direção à insurreição e a anarquia.
Façamos da bandeira negra revolucionária um perigo latente e real contra o poder, seja com que cor se apresente. Este escrito de solidariedade vai com especial preocupação e newen aos compas recentemente condenadxs na região russa, prisioneiros e torturados pelos delírios do FSB e companhia. Que eles saibam que não estão sozinhos e que em algum lugar tão longe quanto a região chilena, saibam que acompanhamos seus passos e que os nomeamos na prisão e na rua.
Axs compas nas prisões do fascismo italiano.
Axs compas presxs na Península Ibérica.
Axs companheirxs da Luta Revolucionária, da CCF e a todxs x compas da prisão de Korydallos e as demais prisões do Mediterrâneo.
Axs compas que deram a vida e ainda resistem nas montanhas e vales curdos da região turca.
Axs meus companheirxs, presxs políticxs da revolta e da guerra social nas prisões de Conce, Valpo, La Serena, Antofa, Santiasco, Temuco, Angol, nas prisões de menores e outras prisões do território dominado pelo Estado chileno.
Que saibamos nós e nossos inimigos que não estamos abandonadxs. Que, se tocam um, tocam a todxs, que xs carcereirx deixem de caminhar tranquila e pacificamente, que sempre somos um perigo para eles e seu conforto.
Sigamos alimentando a chama da revolta.
Vamos continuar a construir o nosso desejo anárquico no presente, cuidemos e abracemos todos os cachorros de rua que procuram e encontram a sua vida livre, vamos cuidar também disso.
Com Claudia, Mauri, Jhonny, Zangado, Lambros, Alexis, Orso, Valerian, Hankum, Zoe, xs camaradas caídos na revolta, com todos os nossxs ancestrais assassinadxs e com todxs aquelxs que encontraram a morte lutando contra a dominação.
Vamos procurando que viva a Anarquia!
Um prisioneiro político anarquista da revolta na região de $hilena.
23 de fevereiro de 2020
Fonte: https://lapeste.org/2020/02/carta-de-un-companero-anarquista-encerrado/
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
cada galho pro seu lado
mas na cor das flores
nenhum discorda
Alonso Alvarez
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!