Relatório De Chicago, Illinois, Sobre A Recente Ocupação De Propriedade Bancária Que Foi Transformada Num Centro Para Iniciativas De Apoio Mútuo.
Em 1º de abril, um grupo de grevistas de aluguel, moradores de “cidades de tendas” (acampamentos temporários) e membros da comunidade recuperaram um edifício da propriedade do Deutsche Bank no bairro de Brighton Park, em Chicago, para abrigar pessoas que estão vivendo na rua. À luz da atual pandemia e do aprofundamento da crise econômica, decidimos tomar o assunto com as nossas próprias mãos, removendo fechaduras e colocando faixas para anunciar a nossa iniciativa de apoio mútuo. Quando são emitidos decretos de “abrigo no local”, aqueles e aquelas de nós que não têm para onde ir devem desafiar o recolher obrigatório imposto pelo Estado para coletivamente atender às nossas necessidades. Juntas, criamos modelos alternativos para a sobrevivência face à infecção disseminada, à incerteza e ao isolamento social.
Com base no ímpeto das greves de aluguel em curso, estamos renovando os apelos de solidariedade para abrir casas desocupadas para aquelas e aqueles que precisam delas. Nas cidades em que foram suspensos os despejos, o encerramento de tribunais civis e a interrupção da normalidade dos negócios torna as ocupações mais fáceis do que nunca. Assim como há força em desafiar em massa a autoridade dos proprietários, há poder transformador em recuperar prédios fechados, entupir burocracias de despejo e mover inquilinos despejados de volta para os seus apartamentos. Uma é a consequência natural da outra. À medida que as greves de aluguel desmascaram a violência inerente à renda, as ocupações de edifícios tornam-se atos de autodeterminação que quebram a ilusão da propriedade privada.
Embora as respostas do Estado ao COVID-19 continuem a centrar-se no distanciamento social, na quarentena e na saúde pública, nós aceitamos estas abordagens como meias-verdades cínicas. Embora reconheçamos os perigos colocados pelo próprio vírus, também estamos conscientes dos efeitos catastróficos de nos vermos como uma “população que necessita de intervenção estatal”. Mesmo antes do atual colapso econômico, Chicago tem um longo histórico de expulsar as pessoas para as ruas, sistematicamente negando-lhes acesso às necessidades básicas e usando-as como laboratórios para experiências sociais. Mais de 80.000 habitantes de Chicago estão sem abrigo todos os anos, enquanto apenas 22.000 são servidos pelos abrigos da cidade. Para nós, o panorama é claro: vivemos numa cidade projetada desde o zero para ciclicamente eliminar pessoas como nós. Isto não é incidental ou uma questão de prioridades erradas; isto revela o verdadeiro caráter genocida de uma sociedade onde um vasto inventário de casas, de propriedade de empresas de investimento e de bancos multinacionais, são mantidos vazios e inacessíveis enquanto o resto de nós luta para permanecer vivo. Ao mesmo tempo, a habitação a preços acessíveis continua a ser miseravelmente financiada e grande parte dos edifícios da Chicago Housing Authority estão vazios durante esta pandemia global.
Da mesma forma, quando o Governador de Illinois e predileto liberal, J.B. Pritzker nos instrui a encontrar refúgio em abrigos para sem-teto, como ele tem feito consistentemente ao longo da crise, o seu sorriso enlatado esconde o fato de que as agências não estão apenas recusando as pessoas, mas expulsando pessoas devido a novos protocolos de distanciamento social. Na forma neoliberal clássica, o Mayor Lori Lightfoot ofereceu alugar quartos de hotel para quarentena temporária, uma proposta enraizada na mesma lógica torturada responsável primeiramente pela crise imobiliária — protegendo os interesses das empresas imobiliárias, apoiando a indústria hoteleira e usando a polícia para varrer os parques e desmantelar acampamentos.
Nada sobre a atual estratégia de gestão do estado se parece com os ganhos de um movimento social para nós; o adiamento dos despejos, o espetáculo da inquietação, a conversa incessante da virtude cívica. Com cada concessão dada pela Cidade de Chicago, pelo Condado de Cook ou pelo Estado de Illinois, com cada dólar do pacote de ajuda do governo federal ou do programa de assistência à renda do prefeito, vem um suborno silencioso destinado a obscurecer o que está fundamentalmente em jogo; adesão a uma estrutura de dependência destinada a sufocar a nossa capacidade de auto-organização. Eles querem que nós concorramos numa loteria pela sobrevivência, que permaneçamos atomizadas, desprovidas de conexão, exceto através dos canais apropriados, motivadas pela autopreservação e encolhidas com medo de nos tornarmos como as “menos afortunadas”, que vivem e morrem nas ruas, nos campos e centros de detenção, ao longo de rotas migratórias, em instalações de saúde e em lares de idosos em declínio.
É por isso que nos recusamos a nos tornar auto-congratulatórios em quarentena em casa ou a assumir o papel de espectadores enquanto as nossas vizinhas são deixadas sem assistência. Recusamo-nos a torcer pela decisão do prefeito de fechar a margem do lago e parques adjacentes sem consideração por aqueles e aquelas que precisam deles para ter um lugar onde dormir. Recusamo-nos a moralizar a presença de pessoas na rua em vez de nos oferecermos para lutar ao lado delas. Recusamo-nos a ser cercadas pelas autoridades em nome da “saúde pública” e afastadas do âmbito das chamadas pessoas decentes, que só agora, circunstancialmente, com simpatia, enfrentam a realidade de não conseguir pagar o aluguel.
Em vez disso, esperamos que as casas que recuperamos se tornem centros de apoio comunitário e experimentação coletiva durante esta fase da crise. Em tempos em que a desmobilização ganhou apoio popular, nos reunimos para encontrar soluções não só além, mas contra a cultura da cidade da morte. Voltamo-nos para as nossas comunidades e redes de apoio mútuo para mergulhar na vida, para construir e compartilhar recursos essenciais para a sobrevivência umas das outras. Apelamos a que façam o mesmo, vivendo com o reconhecimento de que este momento de crise é também um momento de mudança de horizontes. O que antes era impensável está de repente ao nosso alcance.
Fonte: https://itsgoingdown.org/chicago-il-occupation-of-bank-owned-building-turned-into-mutual-aid-hub/
Tradução > Ananás
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!