Por Alexis Shotwell | 05/05/2020
A COVID-19 é um vírus; e também uma relação. Se as pessoas vivem ou morrem quando ficam doentes depende da rede de relações sociais, da história de opressão carregada em seus corpos, de que cuidado se faz disponível para elas receberem, e muito mais que ainda não compreendemos. Um caminho para entendermos a pandemia é olhar que atividades, que práticas, ela chamusca. Como podemos pensar sobre esse novo coronavírus como uma relação? Se fizermos isso, podemos fazer avaliações éticas, políticas, e ecológicas das relações que proliferamos em resposta à “o vírus”.
Ao retornarmos das férias em Janeiro, tive uma estudante na minha aula de escrita cuja família vive em Wuhan; a cada semana ela nos atualizava sobre os efeitos do vírus durante o nosso círculo inicial. Essa conexão com ela me ajudou a perceber a pretensão de alguns lugares serem imunes ao vírus que se tornou imediatamente a política do Estado-Nação. A abordagem de fechamento-de-fronteiras estabiliza estruturas de contenção, vigilância social e controle, e destaca uma concepção de alguns lugares e algumas pessoas como contaminados, em uma lógica improvisada.
O policiamento do vírus manifesta um entendimento limitado a seu respeito, como se ele fosse uma entidade passível de contenção que pode ser mantida fora de um país, vizinhança, ou corpo. Direcionar nossa energia às práticas de contenção nos levará à falha de dois modos: Primeiro, essas práticas não protegem mais ninguém atualmente, e segundo, proliferam estruturas de policiamento militarizadas que serão mantidas quando o vírus for algo com a qual poderemos ter relação sem morrer.
A alternativa a um modelo militar ou policial em relação a esse vírus é o cuidado. Tenho observado que quando as pessoas passam a pensar sobre os limites do seu próprio corpo como um domínio que elas devem selar e proteger da intrusão viral, e começam a pensar sobre suas práticas em termos de tentar não transmitir esse vírus às pessoas que encontram, suas atividades mudam. Usar máscaras ou manter distanciamento físico se tornam coisas que fazemos para proteger os outros. Pessoas que estão em condições de ficar em casa estão ficando em casa como uma prática de generosidade, não por egoísmo. E cada um dos vetores, reconhecendo quem se tornou mais vulnerável, nos ensina alguma coisa sobre que tipo de mundo queremos nos relacionar, não depois, mas agora. Queremos trabalhadores de saúde em segurança imediatamente, reconhecemos que os trabalhadores dos mercados continuam mostrando que trabalham não porque são heróis do egoísmo (apesar de serem isso, também), mas porque eles vivem sob o capitalismo e precisam trabalhar para comer. Nós reconhecemos que deixar as pessoas nas cadeias é uma sentença de morte, e que pessoas sem-teto merecem um lugar para ficar.
O cuidado comunitário é uma relação melhor do que a contenção e a proteção de fronteiras. Como o editorial do UTA (Upping The Anti) apontou anos atrás, o cuidado não deveria ser individualizado! No projeto de história oral, que Garyu Kinsman e eu fizemos sobre a história do ativismo relacionado à AIDS no contexto canadense, fui atingida várias e várias vezes por práticas de cuidado coletivo delineadas para impedir o vírus. Uma parte central destas práticas foi assumir que todo mundo que você fez sexo, conviveu, usou drogas, ou tocou era HIV-positivo. Mas em vez de parar alguma destas atividades, as pessoas desenvolveram práticas de redução de danos – uso e troca de agulhas mais seguros, erotização do látex e de práticas sexuais com risco de transmissão mais baixo, limpar a caixinha de areia que os animais fazem suas necessidades para reduzir a transmissão de toxoplasmose. Como vimos o grau que a COVID-19 é transmitida por portadores assintomáticos, apenas uma orientação de redução de danos e cuidado comunitário anima realmente nossas práticas. A relação que mantemos com esse vírus nos convida a formar práticas de cuidado que permitam mais de nós vivamos, para que vida não se alinhe previsivelmente à brancura e à riqueza.
O cuidado comunitário durante essa pandemia é cheio de atrito, especialmente em um mundo erguido sobre contenção e policiamento. A reversão dos limites mantidos em torno de habitações unifamiliares organizadas por apegos românticos diádicos ou relações supostamente biológicas nos lembra de novo das impossíveis demandas de cuidados envolvidas em tais limites. Eles nunca nos serviram, e todos merecemos cuidado coletivo durante e depois desta crise. A maioria de nós normalmente exerce a parentalidade, sendo um amigo, sendo um amante, ou simplesmente estando em relação com outros em complexas redes de mutualidade. Nós temos perdido formas de cuidado coletivo, ainda que imperfeitas, desde escolas públicas e círculos sociais infantis, ao encontro de recursos emocionais em contatos rápidos com conhecidos ou não. Quero nos lembrar que exercer o cuidado durante esse período de confinamento é algo limitado, tenso, e emerge do isolamento com demandas por mais cuidado coletivo – mais assistência social, fundos para creches, lugares livres para morar, a capacidade de ter reconhecimento institucional para famílias fora da narrativa de romance diádico atualmente estabilizada pelo estado. Cuidado inclui carinho por nós mesmos como vulneráveis e fazer nosso melhor. Nós devemos praticar o carinho pelo planeta nas práticas diárias de atenção, incluindo observação, escuta, ou jardinagem.
Pensar sobre a COVID-19 em termos de relações nos permite resistir ao movimento retórico sem coração clamando que a morte de todas essas pessoas na Terra, ou a mão punitiva de uma divindade onisciente, finalmente nos ensina uma lição. As pessoas – políticos capitalistas e militaristas – que vêm destruindo o planeta para seu lucro todo esse tempo devem ser constitucionalmente incapazes de aprender tal lição, e eles certamente já estão trabalhando em como fazer dinheiro apesar disso. Todo mundo que amou esse planeta já entendeu que precisamos de uma profunda, ampla e consistente mudança, algo muito mais sustentável e habitável que a desaceleração temporária que estamos experimentando agora; não precisávamos de uma pandemia para nos ensinar esta lição. Mesmo quando notamos que podemos ouvir o canto dos pássaros na cidade, que as baleias estão menos estressadas do que estavam desde o início da navegação oceânica motorizada, que os céus sobre as cidades grandes estão mais limpos do que estavam desde que as chamas foram alimentado com carvão pela primeira vez, podemos perguntar: Que relação com esse vírus vai proliferar sobrevivência e florescimento, agora e mais tarde? Estamos construindo liberdade e cuidado, ou contenção e controle? Em uma de suas curtas estórias, Ursula Le Guin disse que um anarquista é aquele que, escolhendo, se responsabiliza pela escolha. As relações que criamos com essa pandemia vão determinar quem vive e quem morre. Vamos escolher relações organizadas ao redor de cuidado coletivo e alegria, e, escolhendo, resistir à opressão.
Fonte: https://uppingtheanti.org/blog/entry/the-virus-is-a-relation
Tradução > Sid Sobral
agência de notícias anarquistas-ana
Eu afogo as distâncias
constantes abismos
montanha ou labirintos.
Anfrangil
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!