Por Arundhati Roy | 11/05/2020
A pandemia do coronavírus parou a engrenagem do capitalismo
Mas isso é temporário. Enquanto a raça humana está momentaneamente encarcerada, a Terra nos dá indicações de sua habilidade de se regenerar. Mesmo em nossos momentos de enfermidade e de perda, não podemos deixar de prender a respiração coletivamente em admiração pelo espetáculo que ela realizou. Mas planos para dar um fim a isso estão em curso. Aqui na Índia, por exemplo, apenas nos últimos dias uma grande parte de uma reserva de tigres está prestes a ser entregue a um festival religioso – o Kumbh Mela – que atrai dezenas de milhões de hindus peregrinos. Numa reserva de elefantes em Assam, uma área está sendo demarcada para a extração de carvão, e milhares de hectares da floresta virgem Arunachal Pradesh, nos Himalaias¸ também estão sendo demarcados para serem submersos por uma nova barragem hidrelétrica. Enquanto isso, para não ficar para trás, o presidente Trump assinou uma ordem executiva permitindo a mineração na lua.
Da mesma forma que o coronavírus adentrou corpos humanos e amplificou as doenças existentes, também adentrou países e sociedades e amplificou as enfermidades e doenças estruturais. Amplificou a injustiça, o sectarismo, o racismo, a estratificação da sociedade em castas e, sobretudo, a desigualdade.
As mesmas formações de poder estatal que foram indiferentes ao sofrimento do povo pobre e que, na verdade, têm trabalhado para aumentar esse sofrimento, agora têm de enfrentar o fato desta doença entre os pobres ser uma verdadeira ameaça aos ricos. A partir de agora não há mais qualquer firewall. Uma proteção dessa aparecerá em breve. Talvez, na forma de uma vacina. Os poderosos irão se acotovelar até o topo do sistema e o velho jogo começará novamente – a sobrevivência dos mais ricos.
É um mistério como as mesmas formações de poder estatal que estão agora tão dedicadas a lidar com o caos que o vírus causa, sempre endossaram a ideia de aniquilação como central em seu ideário de progresso e civilização. Endossaram-na com seu armazenamento de armas nucleares, químicas e biológicas. Endossaram-na com a facilidade com que aplicam sanções econômicas a países, negando a populações inteiras o acesso a medicamentos que salvam vidas. Endossaram-na ao acelerarem a destruição deste planeta, que irá (na verdade já o fez, embora não esteja na televisão) causar o tipo de devastação que fará a Covid-19 parecer uma brincadeira de criança.
Agora mesmo, enquanto estamos em confinamento, eles estão movendo seus peões rapidamente. O coronavírus veio como um presente para os estados autoritários. Pandemias não são uma novidade. Mas esta é a primeira da Era Digital. Estamos testemunhando a convergência dos interesses nacionais dos autoritários com os interesses internacionais dos capitalistas mineradores de dados. Aqui na Índia tudo está acontecendo rápido. O Facebook fez um acordo com a Jio, maior rede de celulares da Índia, compartilhando assim uma base de 400 milhões de usuários do WhatsApp. Bill Gates têm tecido elogios ao Primeiro-ministro Modi, na esperança indubitavelmente, de acumular lucros com qualquer que seja o protocolo lançado. O App de vigilância/saúde Arogya Setujá foi baixado por mais de 60 milhões de pessoas, sendo obrigatório o seu download para funcionários do governo.
Pré-corona, se estávamos sonambulando em direção ao Estado de vigilância, agora estamos correndo em pânico em direção a um Estado de super-vigilância, em que nos pedem para abrir mão de tudo – de nossa privacidade e dignidade, de nossa independência –, que nos deixemos controlar e vigiar. Mesmo depois dos lockdowns cessarem, a menos que façamos algo rapidamente, estaremos encarcerados para sempre.
Como desmontar essa engrenagem? Essa é a nossa tarefa.
Fonte: https://progressive.international/wire/2020-05-02-arundhati-roy-our-task-is-to-disable-the-engine/en
agência de notícias anarquistas-ana
saúda o dia
no horizonte a chuva
bons ventos em flor
Rita Schultz
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!