Ao movimento anarquista e a toda a gente nos EUA que participam na luta, a todos e todas as que estão nas ruas combatendo o racismo e a autoridade.
É com entusiasmo, suspense, esperança e sofrimento que assistimos ao que está acontecendo nas ruas das cidades dos EUA após o assassinato racista do afro-americano George Floyd. Os nossos pensamentos estão convosco, a nossa solidariedade será expressa em ação a partir daqui. Vocês são aquelas e aqueles que lutam no coração de uma superpotência que, juntamente com outras, domina o planeta. Vocês estão naquilo que o resto do mundo vê como o “centro do mundo”. Assim, as imagens e relatórios que recebemos dos protestos, os confrontos e a guerra de propaganda têm um valor histórico e um efeito muito mais amplo do que apenas dentro das fronteiras dos Estados Unidos. Vocês afetam-nos muito mais do que nós poderíamos alguma vez afetar-vos, independentemente do que fizéssemos. Não podemos falar extensamente sobre a direção da vossa luta, nem sugerir nada. As diferenças entre as condições gregas e americanas são tais que moldam uma paisagem completamente diferente. Aqui, não há minorias com as mesmas características sociais das e dos afro-americanos nos Estados Unidos. Aqui, o racismo sistêmico é direcionado a refugiados, ciganos e algumas minorias étnicas geograficamente isoladas. Enfrentamos a repressão de um Estado que é bárbaro como qualquer outro, mas com menos recursos do que o equivalente nos Estados Unidos, que também está em falta no seu orgulho “imperial”. Aqui, somos apenas 10 milhões de pessoas com apenas duas metrópoles… A única coisa razoável a fazer é compartilhar com vocês as nossas experiências de eventos semelhantes que, apesar das diferenças nas circunstâncias, podem contribuir para as escolhas que as pessoas na luta serão forçadas a enfrentar, como acontece em todas as revoltas da história. No final das contas, o próprio Estado grego é um Estado capitalista avançado, um poder imperialista ocidental com uma democracia burguesa, com meios de comunicação com degeneração semelhante aos da América e também com muitos racistas e fascistas. E assim, em 2008, policias mataram um adolescente de 15 anos na região historicamente radical de Atenas, Exarchia. Em todo o país, experienciamos um mês de insurreição maciça contra a barbárie do Estado, uma insurreição liderada pelos e pelas jovens e com outras forças políticas radicais – primeiramente entre eles os e as anarquistas – na linha de frente. Além disso, alguns anos depois, durante o recesso econômico e da supervisão geral da Grécia pelo FMI e pela UE, novamente experienciamos insurreições importantes. Alguns anos após esses eventos, estamos agora na fase de extrair as nossas conclusões, algumas das quais achamos que podem estar relacionadas à vossa luta. Nós as abordamos em poucas palavras, esperando que vocês as achem úteis.
1. Eventos de insurreição fazem as pessoas ouvir. De repente, milhares de pessoas estão não apenas dispostas a ouvir novas sugestões e ideias, pedem por isso. É uma chance única na vida dos movimentos radicais se dirigirem ao povo e convencê-lo.
2. Em tempos como estes, a pior ameaça vem de dentro. Por trás de todos e todas as que lutam, todas as que perdem o sono, se magoam ou são presas, há forças políticas convencionais aguardando o seu tempo, procurando a sua própria promoção. Eles são os primeiros a tentar minar o espírito de luta, os primeiros que tentarão fazer as pessoas voltarem para as suas casas e isolar os elementos mais radicais quando a tensão diminuir. Na Grécia, após os eventos de 2008, o vencedor final foi um partido político de esquerda que acabou por formar governo e naturalmente descartou as suas promessas anteriores.
3. As insurreições morrem e muitas vezes a questão é o que é que é ganho no final. O Estado não hesitará em sacrificar inicialmente o seu servo “infeliz” que, com as suas ações – que muitas vezes foram repetidas por outros como eles no passado e infelizmente são “normalizadas” pelo Estado – para extinguir a indignação pública. Na Grécia, o assassino do rapaz de 15 anos foi condenado a prisão perpétua. Dependendo da duração e intensidade da insurreição e além da punição geralmente temporária do agressor é possível obter algum terreno na forma de reformas da lei. Isto é bom, mas há coisas muito melhores a ganhar, como confiança, o desenvolvimento da consciência política e a organização a longo prazo do povo desde a base. Após a revolta de 2008, o nosso movimento saiu muito mais forte, mas, ao mesmo tempo, muito menos forte do que poderia ter sido, se tivesse a disposição de se envolver em trabalho político organizado e desenvolver novas estruturas sociais, capazes de aceitar muito mais pessoas.
4. Embora a luta contra a repressão ou a luta contra o racismo sejam questões centrais, a insurreição apresentará muitas mais. No final, isto é a coisa mais importante: organizar as pessoas desde a base. Na Grécia, durante o período de crise financeira e dos grandes movimentos populares, foram formadas assembleias populares. Na nossa opinião, o movimento anarquista carecia de uma estratégia capaz de continuar e de se expandir e, portanto, este potencial dentro da classe trabalhadora enfraqueceu e morreu. No entanto, enquanto ainda funcionava, exibiu elementos que nos permitiram ter grandes esperanças.
5. Durante as revoltas, bem como durante as revoluções, pessoas de classes sociais mais privilegiadas podem ficar ao lado das pessoas da classe trabalhadora. Isso não é uma coisa má. Frequentemente, a consciência social de uma pessoa supera o seu interesse de classe ou político. No entanto, isto não pode cancelar o fato de que, no final, a classe trabalhadora deve procurar as causas do seu sofrimento na desigualdade de classe e na delegação política. A análise de classe e a sua referência não podem estar ausentes e é com alegria que ouvimos o famoso slogan “Eat The Rich” estremecendo as ruas das cidades estadunidenses. Além das ruas, no entanto, – isto ficou claro para nós – os locais de trabalho também devem se transformar em espaços de resistência, insurreição e organização.
6. Insultos, difamação e produção de medo são, sem dúvida, parte do arsenal da mídia, sempre que uma situação como esta surge. Isto é inevitável. É uma estratégia geradora de medo que tenta apresentar uma fachada aceitável para os burgueses. Pessoas pobres, imigrantes e marginalizados certamente saquearão a riqueza que lhes é negada. No entanto, o problema do crime organizado sequestrar a revolta exige atenção diligente, não pelo bem da mídia, mas pelo bem da alma da revolta.
Somos quem produz a riqueza e não há outra ação mais profundamente revolucionária do que recuperá-la.
7. Em 2010, durante o auge da luta contra a supervisão financeira da Grécia, durante o maior e mais militante protesto no centro da capital, um banco pegou fogo e três trabalhadores morreram. A tristeza que isto causou a todos, bem como a difamação feroz que a mídia produziu contra o movimento acalmou a sua raiva e deu um golpe do qual nunca se recuperou. Tais eventos são produtos da má sorte, negligência ou provocação criminal e podem tornar-se a lápide de um movimento.
8. É certo que os fascistas darão um passo à frente, ajudando o Estado na difamação e na repressão da luta, principalmente porque o assassinato de George Floyd teve motivos raciais. Tais circunstâncias, quando os fascistas avançam enquanto o Estado está com dificuldades para mantê-los sob a sua proteção, são sempre uma boa chance de ajustar contas com a mais perigosa infestação política que atormenta a classe trabalhadora.
9. Apesar de lutarmos nas ruas há décadas, não podemos criticar a parte militante de vossa luta. Não enfrentamos o mesmo tipo de exército que vocês. No entanto, podemos compartilhar com vocês alguma experiência da revolta de 2008 num determinado assunto. Além dos confrontos durante eventos centrais e massivos, o ativismo em diferentes distritos e em toda a cidade ou país pode intensificar o clima geral e desorientar as forças do Estado.
10. Durante estes tempos, a principal coisa que as forças revolucionárias organizadas devem fazer é serem capazes de dar respostas às questões de operação, organização e política. Não é o momento de seguir abordagens ideológicas à risca. É 1000 vezes melhor tomar uma decisão errada do que não tomar nenhuma decisão. Nenhuma revolta é uma cópia de outra e, portanto, cada revolta nova requer novas abordagens. Os anarquistas devem estar prontos e capazes de encontrar o que estas são sem hesitação ou atraso. Experimenta, mantém a mente aberta e unifica (uma revolta pode mudar drasticamente o status quo dentro do movimento, como descobrimos em 2008). Insistimos na unidade e na estratégia comum entre anarquistas, sabendo bem que é mais fácil falar do que fazer.
Em situações como esta, o que é ótimo e o que não é, o que é importante e o que não é importante são determinados pelo futuro, não pelo passado. Em nenhum caso é nossa intenção dar lições. O que vemos acontecendo nos EUA é maior e mais importante do que qualquer coisa que vivemos até agora na Grécia. Estaremos ao vosso lado com a melhor de nossas habilidades, mantendo ao mesmo tempo a nossa própria luta por aqui. O internacionalismo e a unidade entre as pessoas da luta refletem a unidade dos interesses da classe trabalhadora em todo o mundo, independentemente da cor, raça e cultura. Lembramo-nos da solidariedade do movimento estadunidense para com as nossas lutas. O caminho que seguimos é comum a todos nós, independentemente de onde estejamos no mapa. É o caminho da luta contra o capitalismo, contra o Estado, contra o fascismo, contra o racismo, o sexismo e qualquer tipo de discriminação.
Pela igualdade. Pela liberdade. Pela justiça verdadeira e permanente. Pela libertação social.
Federação Anarquista (Grécia)
Fonte: https://www.anarchist-federation.gr/archives/2181
Tradução > Ananás
agência de notícias anarquistas-ana
Sobre o sino,
Repousa e dorme
A borboleta.
Buson
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!