Por Murillo Heinrich Centeno | 31/05/2020
No dia 30 de maio de 1814 nascia o revolucionário, filósofo e sociólogo Mikhail Aleksandrovitch Bakunin, um dos principais fundadores da tradição social anarquista, considerado uma das figuras mais importantes dentro do anarquismo. Sua influência e prestígio lhe consolidaram como um dos ideólogos mais famosos de sua época e seu legado lhe conferiu status um tanto quanto lendário, de modo que sua imagem é um símbolo do antiautoritarismo.
Com um gênio notadamente radicalista, Bakunin veio a ser preso em 1849 por conta de sua participação na rebelião checa no ano anterior, tendo passado posteriormente também por um campo de trabalho na Sibéria. Viria a se livrar apenas em 1957, quando consegue fugir para o Japão. Sua experiência com o cárcere indiscutivelmente contribuiu com o desenvolvimento do seu pensamento antiautoritário.
Ao não reconhecer outra autoridade absoluta que não seja a da ciência absoluta, não comprometemos de forma alguma nossa liberdade. (BAKUNIN, 2002, p.34).
A exemplo do trecho supra, defendia acima de tudo a liberdade, tanto individual quanto coletiva – sendo estas complementares uma à outra, como duas faces de uma moeda –, bem como ideais de coletivismo (apoio mútuo, possibilidade dos indivíduos de gerenciarem suas relações de forma livre), antiestadismo, anticapitalismo, ateísmo, etc. Também se colocava contra a ditadura do proletariado nas formas propostas por pensadores como Karl Marx, uma vez que via a autoridade (principalmente quando composta na forma de Estado), a hierarquia e as consequentes relações de submissão como o cerne da problemática social.
Ferrenho crítico da teoria marxista, Bakunin foi pioneiro em apontar uma grande falha no raciocínio do pensador: o fato de que a tomada de poder pelo proletariado não resolveria a crise social, uma vez que a nova dinâmica de poder acabaria mantendo as injustiças e opressões, trocando-se apenas os detentores do poder e mantendo-se a estrutura que em última análise é responsável pelo problema, qual seja, o Estado.
Após a entrada de Bakunin para a Associação Socialista Internacional dos Trabalhadores (AIT) em 1868, sua influência se expandiu de maneira viral, ocasionando uma divisão entre aqueles que defendiam seu pensamento anarquista (em prol da substituição do Estado por federações locais de trabalho autônomo) em contrapartida ao pensamento de Marx, que, conforme acima mencionado, defendia a utilização do Estado de forma autoritária para viabilizar e implantar o modelo socialista – que em sua concepção seria apenas a continuação da opressão dos trabalhadores e camponeses.
A desavença entre os grupos de seguidores e os próprios líderes teve seu ápice evidenciado no Congresso de Haia de 1872, onde Marx expulsou Bakunin e seu grupo da organização. Neste momento histórico ocorreu a cisão entre anarquistas, comunistas e sociais democratas.
Conforme alhures sublinhado, Bakunin se posicionava contra qualquer tipo de autoridade, independente da sua origem – Estado, religião, etc. – pois acreditava que os homens deveriam se relacionar fora de um contexto de hierarquia forçada, onde a espinha dorsal das relações humanas seria a livre convenção ou autogestão descentralizada. Seus ideais influenciaram diversos acontecimentos políticos, especialmente a Revolução Espanhola, assim como a insurreição anarquista do Rio de Janeiro em 1918.
Será necessário fundar toda a educação das crianças e sua instrução sobre o desenvolvimento científico da razão, não sobre o da fé; sobre o desenvolvimento da dignidade e da independência pessoais, não sobre o da piedade e da obediência; sobre o culto da verdade e da justiça e, antes de tudo, sobre o respeito humano, que deve substituir, em tudo e em todos os lugares, o culto divino. (BAKUNIN, 2002, p.40).
Com efeito, se torna indispensável desmistificar o viés preconceituoso e deveras equivocado que se tem em relação ao anarquismo, que é considerado pela grande maioria das pessoas como sinônimo de desordem, desorganização e caos. Esta forma pejorativa que surge automaticamente quando se trata do tema impede que se possa ter uma discussão mais séria e abrangente sobre o assunto.
A verdade é que a essência do anarquismo em nada faz jus a este etiquetamento enviesado: a busca pela queda do Estado como instituição não necessariamente remete a um contexto caótico e sem leis; muito pelo contrário, a proposta de livre organização em comunidades não regidas pela autoridade estatal tem um potencial muito forte de prosperar. Data máxima vênia, muito embora existam críticas válidas e contundentes – afinal a perfeição é inalcançável – o ideal do pensamento anarquista se mantém irrefutado.
Outro ponto que merece ser abordado é o de que o anarquismo não é nem de esquerda e nem de direita, pois se situa completamente fora dos padrões propostos por ambos os lados do espectro político, ficando portanto fora do mesmo. Ao postular o antiestadismo, não há de se falar em anarquismo quando ocorre uma coalizão com agentes que visam, em última análise, a perpetuação do status quo – pois mesmo os reformistas e membros da oposição aceitam, tacitamente ou não, o regime de coisas regido pelo governo estatal.
No que diz respeito à diferença inerente às classes discorre com maestria na seguinte passagem:
Assim, em regra geral, somos forçados a reconhecer que em nosso mundo moderno, senão completamente como no mundo antigo, a civilização de uma minoria ainda está fundamentada no trabalho forçado e na barbárie relativa da maioria. Seria injusto dizer que esta classe privilegiada seja estranha ao trabalho; ao contrário, em nossos dias trabalha-se muito, o número dos absolutamente sem ocupação diminui de uma maneira sensível, começa-se a considerar o trabalho como se a considerar o trabalho como honroso; os mais felizes compreendem, hoje, que para permanecer à altura da civilização atual, para saber gozar de seus privilégios e para poder mantê-los é preciso trabalhar muito. Mas há uma grande diferença entre o trabalho das classes abastadas e o das classes operárias: o primeiro é retribuído numa proporção infinitamente maior do que o segundo. Ele deixa a seus privilegiados o lazer, esta condição suprema de todo desenvolvimento humano, tanto intelectual quanto moral —— condição que nunca se realizou para as classes operárias. Em seguida, o trabalho que se faz neste mundo dos privilegiados é quase exclusivamente um trabalho nervoso, isto é, o da imaginação, da memória e do pensamento; enquanto que o trabalho dos milhões de proletários é um trabalho muscular e, frequentemente, como em todas as fábricas, por exemplo, um trabalho que não exercita todo o sistema muscular do homem ao mesmo tempo, mas desenvolve somente uma parte, em detrimento de todas as outras, e se faz, geralmente, em condições nocivas à saúde do corpo e contrárias a seu desenvolvimento harmônico. (BAKUNIN, 2012, p.18).
O anarquismo, por conseguinte, se apresenta como uma forma encontrada para corrigir injustiças sociais, propondo um modelo diferente de sociedade, regido pelo coletivismo, pela fraternidade e pelo apoio mútuo, baseado na razão e na ciência ao invés de dogmas advindos de autoridades que buscam controlar as pessoas e manter seus privilégios.
REFERÊNCIAS
BAKUNIN, Mikhail. Deus e o Estado. Tradução de Plínio Augusto. Ano de digitalização: 2002.
______. Federalismo, socialismo, antiteologismo: Tradução e disponibilização de União Popular Anarquista – UNIPA. Ano de digitalização: 2012.
Fonte: https://canalcienciascriminais.com.br/desmistificando-o-pensamento-anarquista-atraves-de-bakunin/
agência de notícias anarquistas-ana
planta com mil flores
uma é roubada –
ninguém notou…
Rosa Clement
Ótimo texto Murillo, apesar de que NA PRÁTICA AQUI NO BRASIL os preceitos tão didaticamente citados aconteçam ao contrário,citando…”regido pelo coletivismo, pela fraternidade e pelo apoio mútuo, baseado na razão e na ciência ao invés de dogmas advindos de autoridades que buscam controlar as pessoas e manter seus privilégios”.
Mano Bakunin é nóis nesta avaliação tua aí. Aqui o que não faltam é lives, chá da tarde no Iutube e muita vakinha de editora, o resto é pra otário ver.
o anarquismo atual é enfadonho,os anarquistas de hoje parecem mais interessados em discutir se Kropotkin ou Malatesta escreveram um texto introdutório melhor.Sem falar que o mundo da Prática é bem diferente dos discursos e falas, com alguns destaques louváveis fora desta regra é claro.