Ícones como o logotipo do Partido dos Panteras Negras, o “Gato-Sabotagem” e inúmeros exemplos de arte de protesto se opõem ao tradicional tabu ocidental em torno dos felinos
Por Billy Anania| 06/07/2020
A superstição que associa gatos pretos à má sorte tem sua raiz no medo europeu da escuridão. Na mitologia celta, o Gato Sìth roubava as almas dos recém-falecidos. Durante a Idade Média, cristãos tementes ao diabo matavam gatos negros porque acreditavam em sua proximidade com o mundo dos mortos. Este medo chegou até os Julgamentos das Bruxas de Salém, quando a propriedade de um gato preto podia ser citada sob acusação de bruxaria. Enquanto a cultura popular ainda mantém essa herança problemática, artistas underground têm revivido uma tradição alternativa de milhares de anos atrás.
O panteão do Egito Antigo incluía Bastet, a deusa da vida doméstica e da fertilidade que tinha a forma de um gato preto. Gerações de artistas egípcios retrataram Bastet de diferentes formas à medida que seu mito evoluía, até o ponto de que crimes contra gatos podiam ser punidos com a pena de morte. Algumas representações de gatos negros têm seguido mais nessa tendência, opondo-se ao tabu ocidental de que eles são agourentos ou sinistros. A desobediência felina trabalha contra a noção ocidental de que a natureza serve a humanidade e, consequentemente, perturba um senso de ordem. A organização Industrial Workers of the World (IWW) usa um gato preto (chamado “Sab-Kitty” ou “Sabo-Tabby”) como símbolo da sabotagem. De modo semelhante, os Panteras Negras batizaram seu grupo com o nome de um animal que só ataca quando é provocado.
Por que as análises sobre o folclore do gato preto evitam essa conexão? Talvez seja porque a IWW e os Panteras Negras ainda sejam considerados desagradáveis para aqueles acima de determinadas faixas salariais. Na maioria dos contextos políticos, os gatos pretos são agitadores silenciosos que defendem a distribuição da riqueza, ou ainda a derrubada do governo. Como o primeiro sindicato industrial a recrutar mulheres e BIPOC [“Black, Indigenous, and People of Color” – negros, indígenas e “pessoas de cor”], a IWW (ou Wobblies) desafiou as táticas das associações mais conservadoras como a American Federation of Labor [Federação Americana do Trabalho]. O escritor socialista Ralph Chaplin criou o original Sabo-Tabby (“Gato-Sabotagem”) no ápice do radicalismo da IWW, quando o sindicato era odiado por capitalistas predadores e alvo de supressão e vigilância policial. Com o tempo, o símbolo passou a prenunciar má sorte para os chefes e libertação para os trabalhadores, com artistas adaptando sua imagem para desenhos políticos e propaganda em ações localizadas.
O logo da Pantera Negra foi originalmente esboçado em 1966 por Dorothy Zellner e Ruth Howard, a pedido de Kwame Ture (então Stokely Carmichael), para representar a organização Lowndes County Freedom. O símbolo evoluiu após sua incorporação pelo Partido para a Autodefesa, em Oakland. A artista local Lisa Lyons popularizou desenhos alternativos da pantera em folhetos preto-e-branco para comícios e marchas, particularmente pela libertação de Huey Newton e na campanha presidencial de Eldridge Cleaver. Lyons ajudou a transformar a pantera num símbolo de beleza e honra. Um pôster declara: “Um ataque contra um é um ataque contra todos. O massacre de pessoas negras deve ser parado! Por todos os meios necessários!”
Embora os Wobblies e os Panthers enfrentassem a sabotagem do governo dos EUA, suas ideologias inspiraram a insurreição de anarquistas e ambientalistas de todo o mundo, assim como seus legados permanecem nas lutas por reformas trabalhistas e abolição penal. No último mês, incríveis tributos livres de direitos autorais surgiram nas redes sociais. Uma ilustração recente do artista brasileiro Gabriel Borjoize mostra um gato negro com a cascavel Gadsden – um símbolo liberal baseado na bandeira “Don’t Tread on Me” [“Não pise em mim”] da Revolução Americana – entre seus dentes. Esta cena se mantém viva à luz dos protestos anti-lockdown e da contínua pressão da direita por menos governo e por redução de gastos em assistência social (exceto para a polícia e militares, é claro). Outro desenho, do artista canadense Michael DeForge, afirma: “Policiais não são trabalhadores, não há policiais no trabalho”, com um Sabo-Tabby gigante mastigando um carro de polícia. Resta saber se estes gatos pretos são um sinal de progresso ou de uma batalha mais longa no horizonte.
Tradução > Erico Liberatti
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agência de notícias anarquistas-ana
Pequena gata
de patas fofas
passeia entre flores
Eugénia Tabosa
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!