Os eventos de 18, 19 e 20 de julho de 1936 são um dos mais negligenciados de nossa história e, ao mesmo tempo, mais de oitenta anos depois, eles ainda são tremendamente desconhecidos.
Por Marc Dalmau | 18/07/2020
Vale a pena rever o alcance do que o historiador inglês Chris Ealham chamou de um dos festivais revolucionários mais atípicos da Europa contemporânea. Ainda hoje, porém, longe de estarmos conscientes da capacidade revolucionária de nossos ancestrais – muitas vezes até mesmo a existência de qualquer revolução digna desse nome foi negada – parece que são sempre os historiadores estrangeiros que têm que nos lembrar da originalidade e do poder insurrecional do que Enzensberger chamou de “o curto verão da anarquia”. Mas o que caracteriza esses eventos que podem ser descritos como atípicos?
Além do fato de que a Guerra Civil e uma ditadura fascista de quarenta anos esconderam o significado da investida revolucionária, e além das leituras tendenciosas de um ou outro lado – incluindo as contradições internas no setor republicano – a originalidade inerente e estrutural da revolução social de 1936 é que ela foi uma insurreição liderada de baixo para cima pelo povo dos bairros mais humildes de toda a cidade de Barcelona. Foram as pessoas que não tinham nada – nada a perder também – que impediram o golpe de Estado militar centímetro por centímetro, rua por rua, praticamente desarmadas e com a única colaboração dos guardas de assalto da Generalitat de Catalunya e a neutralidade da Guarda Civil, que na época não interveio.
Foram as pessoas que não tinham nada, aqueles que, parafraseando Garcia Oliver, “não tinham nome, aqueles que não tinham orgulho, aqueles que eram uma massa”, que em sua maioria se alistaram como voluntários nas milícias para ir e combater o fascismo em Zaragoza. Foram as pessoas que não tinham nada, sobretudo mulheres, que coletivizaram quase 70% das fábricas de Barcelona (a indústria de energia e luz, empresas de água e gás, têxteis, madeira, porto, alimentação, transporte e metalurgia), bem como uma boa parte da economia (comércio, distribuição de alimentos, barbearias, casas de espetáculos, escolas, mídia, terras agrícolas, piscinas e instalações recreativas…). Durante aqueles meses, pela primeira e talvez única vez na história, aqueles que não tinham nada além de dignidade, tinham tudo.
Mas a revolução não foi apenas econômica. Em uma escala política, social e cultural, a autogestão tornou-se generalizada. Em Barcelona, a revolta estabeleceu uma nova geografia social, coordenada brevemente pela Administração Urbana Popular, uma tentativa de um conselho confederal autogerido sobre o qual se sabe muito pouco, uma espécie de conselho aberto que só coordenava e administrava e não governava, e que estava sujeito à existência de comitês de vizinhança – instituições autônomas, territorializadas e mais próximas da realidade – onde a soberania popular realmente residia. É verdade que a experiência durou muito pouco, desde aquele mês de julho até apenas a primavera de 1937, e que nem tudo foi perfeito, mas certamente isto também respondeu precisamente ao fato de que aqueles que tomaram o pulso revolucionário eram membros das classes mais empobrecidas e geralmente não qualificadas da população.
Durante esse período, as forças republicanas dos setores mais moderados se reorganizaram e com a ajuda do estalinismo retomaram as rédeas e romperam essa ordem revolucionária. Somente para mais tarde perder a guerra.
Assim, ao contrário de muitas das revoluções contemporâneas do século XX, a nossa casa foi uma revolução feita de baixo para cima, praticamente sem líderes, graças ao alto nível de auto-organização das classes proletárias. Agora, outra reflexão importante para analisar os eventos do presente é que essas práticas não foram o resultado de uma casualidade.
Pelo contrário, elas foram o resultado de uma articulação comunitária intergeracional latente. Elas foram produzidas a partir do desenvolvimento de uma alternativa à socialização oficial, uma cultura de resistência e apoio mútuo implementada ao longo de décadas pelo movimento trabalhista nos bairros proletários da cidade. 19 de julho de 1936 foi apenas um epifenômeno, um evento extraordinário que culminou com um longo ciclo de protestos composto de uma multidão de pequenos gestos comuns.
Desse ponto de vista, a ditadura foi um processo disciplinar autoritário que permitiu às classes dirigentes estabelecer as bases do capitalismo.
De fato, o golpe poderia ser interpretado como uma resposta ao alto impulso antagônico representado pelas lutas sociais do proletariado durante as décadas de 1920 e 1930. A Guerra Civil como um processo de destruição criativa para subjugar absolutamente a resistência proletária. Deste ponto de vista, a ditadura implicaria um processo disciplinar autoritário que permitisse às classes dirigentes estabelecer as bases do capitalismo e o modelo produtivo do estado atual por meio do desenvolvimentismo. O mecanismo que legitimou o processo foi a desmoralização.
Como George Orwell declarou, “quem controla o passado controla o futuro e quem controla o presente controla o passado”. Devemos fazer todo o possível para que aqui e agora, mais uma vez, sejam aqueles que têm menos, aqueles que não têm nada, aqueles que não têm nome, que adotem práticas emancipatórias e promovam uma verdadeira e diária transformação social.
Fonte: https://www.elsaltodiario.com/guerra-civil/1936-la-revolucion-de-los-sin-nombre
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
Havia o escuro
mas eu não sabia onde;
teu rosto era sol.
Eolo Yberê Libera
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!