O chefe de polícia de Kent, na Inglaterra, pagou neste ano uma indenização a um escritor e organizador anarquista que tinha sido detido e interrogado com base no Anexo 7 da Lei Antiterrorismo (“Terrorism Act”).
Em 19 de maio de 2013, Tom Anderson (um pseudônimo para proteger sua identidade) e outra pessoa foram parados quando viajavam de balsa no trajeto entre Dunquerque (França) e Dover (Inglaterra). A dupla retornava de um festival anarquista na Holanda.
O Anexo 7 (“Schedule 7”) da Lei Antiterrorismo de 2001 dá à polícia o poder legal de fazer perguntas com o objetivo de investigar suspeitas de terrorismo. Pessoas enquadradas com base neste dispositivo não têm o direito de permanecer caladas, e aqueles que se recusam a responder as questões correm risco de processo criminal ou prisão. A lei também é amplamente usada pela polícia para confiscar equipamento eletrônico como telefones e laptops. A polícia tem a permissão legal para reter o equipamento confiscado por até duas semanas.
A dupla foi interrogada por várias horas, sem um advogado presente. Os oficiais de polícia ainda copiaram os arquivos do celular e do laptop de Anderson, e os retiveram.
A polícia não fez nenhuma pergunta relacionada a terrorismo. Ao invés disso, a dupla foi interrogada a respeito de seu papel nos protestos anticapitalistas que estavam previstos para Londres, programados para coincidir com a conferência do G8 na cidade de Belfast (Irlanda do Norte) em 2013.
A polícia também questionou Anderson sobre artigos que ele havia escrito e suas visitas de solidariedade à Palestina.
Tom Anderson disse:
“A polícia está usando o Anexo 7 da Lei Antiterrorismo para perseguir organizadores políticos radicais no Reino Unido. Na maior parte do tempo, esta lei é usada de modo racista contra pessoas de cor.
Atualmente, o Anexo 7 está sendo usado em larga escala para atacar os organizadores do movimento de libertação curdo. Isso ocorre porque eles são parte de um movimento que deseja superar o estado e o capitalismo.
O fato de a polícia ter resolvido esse caso fora do tribunal mostra que suas ações estão extrapolando seus poderes. A polícia de Kent resolvera o caso pouco antes de ele ser finalmente levado ao Tribunal Superior. Isso demonstra que eles estavam temerosos com a possibilidade de perder.
Gostaria de encorajar os camaradas que tenham sido detidos com base no Anexo 7 a fazerem reclamações semelhantes contra a polícia. Estas ações, se bem-sucedidas, podem ajudar a limitar um pouco o uso desse poder repressivo da polícia.
Contudo, também devemos lembrar que, se nossas ações e ideias verdadeiramente desafiam o estado e o poder, então iremos sempre experimentar a repressão.
Repressão como essa tem a intenção de nos dividir. Nos tornar tímidos demais para confrontar o sistema porque poderemos ser perseguidos, detidos, interrogados e estigmatizados como ‘terroristas’. Precisamos ficar ao lado daqueles que estão sendo acossados e postos sob vigilância, além de continuar trabalhando na construção de um movimento que possa superar o atual sistema.”
A dupla se recusou a responder a maioria das perguntas. Eles foram ameaçados com prisão por se recusarem a cooperar, mas foram finalmente liberados sem acusação. Posteriormente, Anderson decidiu mover uma ação civil contra a polícia de Kent; mas se passaram sete anos até que sua queixa sobre detenção ilegal fosse resolvida.
Essa não foi a primeira vez que poderes antiterrorismo foram usados contra anarquistas da Grã-Bretanha e do norte da Irlanda. Outros foram parados quando retornavam de um encontro anarquista internacional em 2012 e de uma reunião do G20 em Hamburgo (Alemanha) em 2017.
Comentando o caso, Kevin Blowe, coordenador da Network for Police Monitoring (Netpol) [“Rede para o monitoramento da polícia”], disse:
“Sem dúvida, é muito útil para a polícia ter poderes antiterrorismo à disposição para deter e interrogar ativistas sobre suas ações políticas quando estes passarem pelos portos britânicos, pois não há direito ao silêncio – uma recusa a responder pode levar a uma condenação criminal. Os poderes são também amplamente intimidadores – pessoas podem ser detidas por horas a fio e ter suas impressões digitais e seu DNA colhidos. Atualmente, há farta evidência de que os poderes do Anexo 7 são discriminatórios e draconianos, enfraquecem os direitos civis e são usados para criminalizar comunidades e dissidentes políticos. Queremos a abolição desses poderes.”
Os poderes do Anexo 7 são usados frequentemente de uma forma racista. Um relatório da Comissão Islâmica de Direitos Humanos [Islamic Human Rights Commission], em 2011, apontou que apenas 19% das pessoas detidas por mais de uma hora (com base nessa lei) eram brancas. Um estudo de 2014, realizado por estudantes da Universidade de Cambridge, mostrou que os muçulmanos representaram 88% da amostra das pessoas abordadas num aeroporto com base no “Schedule 7”. Em 2019, um informe da ONG CAGE indicou que as detenções de muçulmanos pela polícia, baseadas no Anexo 7, representavam ‘perfis raciais e religiosos’.
No início deste ano, a polícia indenizou uma mulher muçulmana que havia apresentado uma queixa após ter sido detida com base no “Schedule 7” e forçada a remover seu hijab. Os policiais também tiraram uma foto e recolheram seu DNA.
Tradução > Erico Liberatti
agência de notícias anarquistas-ana
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