Enquanto motins ameaçam derrubar o controle do governo na sequência da explosão de Beirute, o Freedom [jornal do Reino Unido] fala com um radical libanês que está vivenciando o outro lado do evento – a solidariedade de base em toda a sociedade que os inspirou a tornarem-se anarquistas.
A explosão que destruiu as docas de Beirute e devastou a cidade em 4 de agosto mudou instantaneamente a face da sociedade libanesa, empurrando uma situação já desafiadora para uma catástrofe total.
O governo foi amplamente condenado pela sua longa história de incompetência corrupta e pelo seu fracasso em lidar com as consequências imediatas da explosão, eclodindo a raiva em enormes protestos e tumultos no fim de semana. Ministérios foram invadidos, a sede da odiada Associação de Bancos foi incendiada e dezenas de milhares de pessoas encheram a Praça do Mártir jurando “vingança” contra a classe dominante.
Centenas de pessoas ficaram feridas enquanto a tropa de choque tentava manter o controle da cidade, e efígies de líderes políticos do governo e do Hezbollah foram enforcados e queimados. Num esforço para acalmar as e os cidadãos, o primeiro-ministro Hassan Diab está prometendo eleições antecipadas, o que provavelmente não será suficiente.
Mas enquanto, por um lado, os cidadãos e as cidadãs furiosas estão atacando prédios do governo, há uma segunda realidade inevitavelmente subestimada – enquanto o Estado tenta se salvar, as pessoas da cidade estão salvando umas às outras.
Um dia após a explosão, um radical libanês foi tentar ajudar nas ruas em ruínas da cidade e ficou inspirado pelo cenário. Escrevendo depois, disse:
“Fui hoje com um monte de camaradas para ajudar as pessoas nas ruas a remediar a confusão. O que é que eu vi? Apenas pura solidariedade e apoio mútuo. Pessoas ajudando-se umas às outras, dando comida e água de graça. Trabalhadores/as – encanadores/as, carpinteiros/as, etc … – propuseram-se a oferecer o seu trabalho gratuitamente. Imediatamente após o bombardeio, as redes sociais foram inundadas com posts dizendo “se alguém precisa de abrigo, eu tenho um lugar, por favor, não hesite” porque 300.000 ficaram sem-teto.
“O que é que o Estado fez? Nada. Os policiais estavam olhando para nós. Um amigo pediu ajuda a um policial. ‘Estamos apenas cumprindo ordens’. Sim, vá-se fuder você também. Nem um único soldado, nem um único policial, nem um único estadista ajudou, as pessoas estavam ajudando-se a si mesmas.
“É isto, tornei-me anarquista.”
Numa entrevista ao Freedom, entraram em mais detalhes sobre a situação e como a fé abalada do público no Estado está gerando uma onda de apoio mútuo.
Você é do Líbano / Beirute? Como foi a explosão imediata e suas consequências para você? Como foi a sua comunidade afetada?
Sou do Líbano, mas não moro em Beirute. Eu moro próximo de Aleyh, portanto estávamos longe o suficiente da explosão. Mesmo assim, o solo estava tremendo e, segundos depois, ocorreu a explosão – os meus ouvidos zumbiram por 15 segundos. Imediatamente após a explosão, as redes sociais foram inundadas com mensagens dizendo “se alguém precisa de abrigo, eu tenho um lugar”, “se alguém precisa de comida, estou disposto a ajudar”, “se você conhece uma pessoa que não foi encontrada por favor entre em contato conosco”. Era o Apoio Mútuo de Kropotkin se desenrolando diante de mim.
Estou arrasado, para ser honesto. Eu estou pensando que a vida era linda antes da explosão, e acredite em mim, era além de horrível mesmo antes disso, nós realmente não precisávamos disso. Toda a comunidade está zangada com os governantes, exceto algumas ovelhas cegas que ainda os seguem. Porém, a tragédia nos fez perceber que não precisamos do governo para nos governarmos: se a solidariedade entre nós era forte lá em outubro [referência aos protestos do ano passado], ela se fortaleceu ainda mais no dia 4 de agosto.
Na sequência dos eventos você escreveu sobre como as pessoas imediatamente começaram a trabalhar em solidariedade, enquanto o Estado nada fazia. Pode entrar em mais detalhes sobre o que viu nos primeiros dias?
No dia 5, um dia após a explosão, uma ex-professora, agora minha amiga, mandou uma mensagem para o nosso grupo do WhatsApp dizendo que era preciso ajuda em Mar Mkhayel, em Beirute. Peguei na minha pá e fui com ela e três outros amigos.
Quando chegamos, todo o chão estava azulado por causa do vidro. Caminhamos um pouco, chegamos a uma barraca que distribuía comida, suco, água de graça, assim como os seus números de telefone, caso precisássemos de ajuda. Um homem imediatamente me perguntou se eu precisava de alguma coisa. Eu disse-lhe que estava bem. Ajudei por dois dias: De 5 a 6 de agosto.
Não vi uma única intervenção do governo para nos ajudar, postei uma foto no Reddit mostrando um policial fumando um cigarro enquanto observava as pessoas limpando a confusão, mas essa foto não era minha. Vi três policiais: um praguejando na sua moto, o segundo sentado sem fazer nada, o terceiro protegendo as portas de um banco. O Estado não fez absolutamente nada para nos ajudar e até recusa a ajuda externa porque não passaria pelas mãos do governo indigno de confiança.
As pessoas estavam se ajudando: a cada 15 minutos um cidadão vinha me perguntar se eu precisava de água. No dia 6, um homem gritou da janela do seu carro “o nosso governo é incompetente”.
Você mencionou que foi com camaradas, que tipo de esquerda radical existe na cidade e como é que ela tem reagido à situação?
Existe um movimento anarquista chamado كافح (Kafeh, que significa algo como “luta”, o meu árabe não é muito bom). Eles abriram uma cozinha comunitária chamada Food Not Bombs na escada de frente para a EDL [Electricité du Liban].
Agora que o Estado teve tempo de se mobilizar, o que você vê em termos da sua reação?
As principais missões das Forças Armadas Libanesas incluem a defesa do Líbano e dos seus cidadãos contra a agressão externa, mantendo a estabilidade e segurança internas, enfrentando ameaças contra os interesses vitais do país, engajando-se em atividades de desenvolvimento social e empreendendo operações de socorro em coordenação com instituições públicas e humanitárias. Eles não estão deixando cães de resgate aproximarem-se do porto. Parece suspeito. Se querem a minha opinião, creio que os soldados, assim como os policiais deveriam se lembrar que são, antes de tudo, cidadãos como nós, portanto é para eles que nós estamos fazendo isto, eles também estão visados.
Qual é o sentimento local sobre a atuação do Estado nos últimos dias?
Ódio absoluto pelo Estado. Não estão nos ouvindo, estamos pedindo para eles se demitirem há 10 meses, estamos lhes dizendo que queremos reformas. Eles não estão movendo um dedo. Em vez disso, querem construir uma barragem em Bisri apesar da oposição massiva do povo. Para não falar que recusaram ajuda externa. Este governo é a encarnação da caquistocracia.
Até agora o governo libanês recusou:
• Ajuda dos médicos sem fronteiras (porque aparentemente “não eram necessários”)
• Ajuda de uma equipe holandesa com cães treinados para procurar as vítimas
• Ajuda da UAE, que insistiu em distribuir apoio através da sua embaixada após o escândalo do apoio do Kuwait ter sido vendido nos mercados
Que oportunidades acha que podem haver para encorajar a auto-organização comunitária no futuro?
Creio que as pessoas estão percebendo que o Estado é uma ilusão, uma instituição coercitiva ilegítima que tem um efeito limitador, irracional e arbitrário nas pessoas e abranda o seu progresso. Não precisamos do Estado para nos governar. Passaram quatro dias (na altura em que foi escrito) e ainda não houve ajuda do governo.
Também acredito que toda a gente agora deveria dar uma olhada à ideia de Rousseau de Vontade Geral assim como às ideias de pensadores anarquistas proeminentes, especialmente Kropotkin. Embora Mikhail Bakunin e Rudolf Rocker também sejam bons, o Apoio Mútuo do Kropotkin é uma leitura obrigatória nestes tempos.
Fonte: https://freedomnews.org.uk/interview-mutual-aid-in-lebanon-in-the-wake-of-disaster/
Tradução > Ananás
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agência de notícias anarquistas-ana
Noite no jasmineiro.
Sobre o muro,
estrelas perfumadas.
Yeda Prates Bernis
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!