Não importa se você nasceu na União Soviética ou na República da Bielorrússia. Não importa em qual cidade, cidade ou aldeia você nasceu. Nascemos ao lado um/a do outro. Tão perto e tão longe…
Nós não nascemos na família de um funcionário público ou de um dono de uma grande firma… você e eu nascemos ninguém. A nós foi-nos dito todos os dias que não somos ninguém e que devemos tomar o nosso lugar neste mundo. Terminar a escola, a academia, talvez até a universidade e ir trabalhar. Trabalho, trabalho, trabalho! Não olhe para o outro lado. Feche os olhos se ficar muito assustador e se você não aguentar.
Você e eu, tão diferentes e tão parecidos. Talvez alguns de nós tenham desobedecido e talvez até protestado. Alguns e algumas de nós sonharam com um mundo no qual possamos esticar os nossos ombros e viver livremente. Mas este poder amaldiçoou cada um/a de nós.
Somos amaldiçoados pelo conhecimento que está nas nossas mentes e corações. Lembramo-nos da dispersão de manifestações e das detenções. Lembramo-nos de procurar uns e umas às outras nas listas de detenção em 2006, 2010 e 2017. Lembro-me de você me ajudar depois de ter sido demitido porque pessoas como eu não pertencem a uma fábrica estatal.
Este poder amaldiçoou-nos quando tivemos de ir para a prisão durante anos ou ficar do outro lado do muro. E vivíamos com a ideia de que devíamos ter sido nós. Alguns e algumas de nós até partiram, esperando que a maldição pudesse ser esquecida.
Mas nós ouvimos, tentamos esquecer, tentamos seguir em frente. Tentamos o nosso melhor, mas a maldição nunca te deixará em paz. Mesmo que em 2017 um/a de nós tenha saído para as ruas e o resto de nós tentasse o nosso melhor para desviar o olhar. E a culpa não é nossa. Porque nos ensinaram a ser assim.
Porque nascemos aqui.
Esta maldição assombrava-nos o tempo todo: quando tivemos que enterrar os nossos amigos e amigas e entes queridos que morreram do coronavírus. E costumávamos beber vodka, mas não nos mantínhamos saudáveis. Quando nos ajudamos a sobreviver sem água e os agentes do estado nos contaram contos de fadas.
Estamos todos amaldiçoados pelas autoridades e durante toda a nossa vida corremos entre a maldição e o tentar nos livrarmos dela. Mas é uma maldição para sempre. Porque ninguém esquecerá as cabeças quebradas e o sangue correndo pelas ruas em que crescemos. O sangue que pinta o asfalto tão vulgarmente vermelho que ninguém jamais esquecerá.
Você e eu nessas ruas sonhamos com uma vida livre. E levamos com balas de borracha e gás lacrimogêneo. Não podemos esquecer como somos atropelados por carros da polícia e feitos explodir por granadas. Ficará conosco para sempre.
Sempre teremos que carregar conosco todos os horrores que nunca quisemos. Este poder rapta, tortura e mata os nossos irmãos e irmãs. É o poder que nos faz tirar o nosso próprio sangue dos degraus do metrô.
Dizem-nos que o protesto deve ser pacífico, que não devemos ceder à provocação e que devemos continuar a puxar o nosso jugo. Você e eu, tão diferentes, mas juntos. E eu acredito que quando eles tentarem me bater, prender ou matar, você não vai me abandonar. Te vi nas ruas de Minsk, Grodno, Brest, Baranovichi e dezenas de outras cidades e não deixaste que me apanhassem.
Um amigo disse-me que a única maneira de quebrar esta maldição é fazer o Palácio da República queimar no próprio covil da besta. No coração do nosso mundo, você e eu temos um castelo mágico que pode quebrar esse horror.
Não pense que acredito nestas superstições! Mas eu sei que este palácio vai queimar como o sol!
E se não pudermos nos livrar desta ditadura agora, nunca mais poderemos fazê-lo. Sim, não podemos quebrar a maldição, mas podemos fazer tudo o que pudermos para garantir que aqueles que vêm atrás de nós possam respirar de corpo inteiro.
E sabem que mais, queridos amigos? Vamos fazer com que esta maldição seja o nosso poder. Em vez de baixarmos as mãos e voltarmos para casa, vamos respirar profundamente no horror desta ditadura, e isso nos tornará mais fortes. Não olharemos mais para o lado, só olharemos para a frente, porque algures além do horizonte, a nossa liberdade espera.
Sei que você pode me ouvir. É por isso que nós vamos sair esta sexta-feira às 19 horas às ruas das nossas cidades com os ombros bem abertos. E na embreagem, vamos tomar este mundo que nos pertence por direito!
Fonte: https://pramen.io/en/2020/08/we-the-cursed-by-the-authorities/
Tradução > Ananás
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agência de notícias anarquistas-ana
É tarde, escurece,
a lua se esforça
mas logo aparece.
Pedro Mutti
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!