Por Emilio Alba | Ilustração de Jaume Molera
Desde uma proposta de respeito aos recursos naturais se pode alimentar a todos os cidadãos sem incrementar a superfície agrária mundial, sem recorrer a desmatamentos massivos, reduzindo a utilização de energia fóssil e claro, sem utilizar tecnologias que ponham em cheque a sobrevivência.
É necessário desenvolver modelos alternativos que sejam capazes de produzir alimentos de uma maneira justa para todas as pessoas, é preciso recuperar o conteúdo social e ético do sistema de produção para oferecer alimentos limpos, um modelo com a vida, com a saúde, com os tecidos sociais rurais, implicado na conservação do meio natural. Um modelo que recupere, atualize e valorize culturas e saberes.
A engenharia ecológica, a agronomia, o conhecimento e o saber das famílias camponesas, a reciclagem, a conservação dos recursos, são as ferramentas para o esboço de um novo modelo de produção de alimentos. A participação, a cooperação, as ideias, os sonhos e as inspirações de todas aquelas pessoas implicadas no próprio desenvolvimento de um sistema alimentar multifuncional que seja capaz de recuperar a memória agrária e a autonomia (de produtores e consumidores) partindo do manejo de parâmetros de qualidade, de gestão racional e sustentável dos recursos naturais, e de manutenção do meio social.
O pensamento agroecológico não tem limites, se fundamenta na justiça social, na equidade e na solidariedade, na multifuncionalidade do entorno, nos serviços ecossistêmicos que proporciona o meio natural, na paisagem, na biodiversidade, nos solos como entes vivos, na população, em sua cultura, em seus ritos, em suas tradições e seus saberes. Agroecologia é apoio mútuo, é pensamento aberto, é ressurgir o que fomos, o que somos, os saberes camponeses, a palavra, a saúde, a semente, os aromas, as cores, a diversidade, os abraços. Tudo aquilo que nos fortalece como sociedade. O apoio mútuo e a participação como estratégia fundamental de cada dia, da vida.
Justiça social e equidade como eixos vertebrais. A reflexão coletiva sobre o que necessitamos, sobre nossa saúde, sobre a comida, sobre o território, sobre todas as situações que afetam nossa vida. Enquanto isso, relocalizar a agricultura, a vida. Criar formas de controle coletivo, de tomada de decisões.
Devemos pensar em uma mudança de modelo na produção e no consumo para um modelo orientado para o bem-estar comum e não para o lucro privado. Esboçar uma página de rota adequada que tenha um impacto imediato. Desenvolver um corpo de técnicas e de alto resultado a curto prazo apontando para a sustentabilidade do sistema. Partindo da base de que desde os princípios de manejo que propõe o enfoque agroecológico se devem construir propostas adequadas às diversas realidades sociais e ecológicas. Necessitamos compreender que não é o planeta o que está em crise, mas o modo de habitá-lo.
A agroecologia é uma resposta criativa ante esta necessidade, a urgência e a sorte de abrir caminhos em um momento que vai requerer mudanças fundamentais na forma de viver e de nos comportarmos.
O “Green New Deal”
As instituições e as grandes corporações nos propõem a assinatura de um “pacto social” para pintar de verde um sistema insustentável desde qualquer ponto de vista, o “Green New Deal” propõe desenvolver regulações ambientais baseadas na ideia de que o modelo de produção ecológica pode ser mais rentável que o modelo convencional com o qual se produz atualmente. Quer dizer, que se conseguiria ao mesmo tempo, em teoria, um benefício ambiental e um benefício econômico. Faz tão somente uns dias a Comissão da União Europeia publicava sua estratégia “Da granja ao prato”, baseada na mesma filosofia deste pacto verde, não há compromissos de transformação, tão somente mais do mesmo com outras cores.
O modelo agroecológico vai muito mais além de uns sistemas certificados, no mais das vezes assinados e avaliados por empresas privadas, que somente propõem uma redução e substituição de insumos (a regulação do trabalho no campo, o respeito às pessoas, nem entra nem se espera nos regulamentos de produção ecológica da UE). Em troca, o modelo que propomos desde a agroecologia é um modelo harmônico e implicado em e com a natureza, um modelo que serve à sociedade, um modelo distanciado da lógica capitalista, no qual os alimentos deixem de ser tratados como meras mercadorias para o negócio. Nossa saúde, a saúde, nossa alimentação, a alimentação, o equilíbrio global da natureza não podem depender da rentabilidade econômica de um agronegócio dirigido desde fundos de investimento e despachos transnacionais, um agronegócio ao qual cada vez custa mais esconder o saque e o envenenamento. Os requerimentos do capital são claramente contrários aos do meio natural.
O enfoque agroecológico implica a aplicação de ciências agrícolas e ecológicas combinadas com os sistemas camponeses de conhecimento. Para as pessoas que apostam pela agroecologia, o ponto de partida no desenvolvimento de sistemas agrícolas sustentáveis e resilientes são os mesmos sistemas agrícolas que os agricultores tradicionais desenvolveram e herdaram ao longo dos séculos. Tais sistemas agrícolas complexos, adaptados às condições locais, ajudaram a agricultores e agricultoras a manejar de maneira sustentável os ambientes hostis e a satisfazer suas necessidades de subsistência, sem depender de fertilizantes químicos, de pesticidas ou outras tecnologias da denominada agricultura 4.0.
Um “Green New Deal”, um novo pacto de verde de sorriso alegre e verde, tecnocracia pura e dura, engenharia de leis para adaptar a “nova economia” à mudança climática mas que em nenhum momento questiona nem a alteração do equilíbrio dos sistemas naturais (o desequilíbrio ecossistêmico global), nem a destruição direta de habitats, nem a perda de biodiversidade, nem a intensificação agrícola e pecuária, nem o desmatamento selvagem, nem o desperdício dos recursos naturais.
Uma sublevação ecológica. Um novo compromisso que deve partir de assumir uma estratégia para a transição agroalimentar desenvolvida desde baixo e que tenha em conta as demandas sociais, uma transição solidária e justa. Isto requererá uma mudança radical na estrutura da produção e da distribuição, favorecendo a agricultura familiar camponesa, a produção local e de proximidade, o encurtamento dos sistemas de distribuição e consumo.
Defender a vida, a vida simples, a vida justa, defender o comum, defender os cuidados, o que nos une, em tempos históricos de pandemia, deve ser o objetivo primeiro, acima de tudo. A crise do Covid-19 nos surpreendeu a todos e nos encontramos, de súbito, deslocados e com problemas a resolver, é urgente melhorar as infraestruturas sociais, aumentar a disponibilidade de alimentos, facilitar o acesso das famílias camponesas à terra, aos recursos financeiros, ao crédito e ao financiamento, permitir os investimentos na produção agroecológica, estabelecer sistemas de renda básica para estas famílias, é necessário ampliar o máximo possível a superfície de cultivo em harmonia com a natureza. Nisso estamos, recuperando o sentido das palavras “Alimentação” e “Agricultura”.
Ver mais: simientedisidente.com
Fonte: Periódico CNT Nº 424
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
lua alta
céu claro
o som da folha caindo
Alexandre Brito
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!