Existe uma possível conexão ou coincidência? Vamos falar sobre os detalhes que nos dizem que sim.
Por Gonzalo Espinoza | 09/09/2020
Neste 2020 faz 23 anos que One Piece, um dos mais populares e mais vendidos mangás do Japão no mundo, foi publicado pela primeira vez. O trabalho de Eiichiro Oda, que começou a ser publicado em 1997 na revista semanal Shonen Jump, tornou-se um ícone deste gênero devido a sua rica narrativa, suas lutas extraordinárias e aquela emoção que fez com que mais de algumas pessoas derramassem uma lágrima.
Para começar, há de se dar um pouco de contexto. O mundo de One Piece é baseado em um planeta quase inteiramente coberto por água. A única maneira de entrar em contato com outra ilha é entrando no oceano e seus perigos. É por isso que dentro da série há muitos piratas que saem ao mar em busca de fama e tesouros. Entretanto, para tentar controlá-los existe a Marinha, que é uma unidade policial encarregada de monitorar o mar e depende do Governo Mundial, a entidade política que administra o mundo.
A história desta mangá é baseada na vida do Monkey D. Luffy, um jovem de 17 anos que viaja pelo mundo usando um chapéu de palha, procurando se tornar o rei dos piratas. Para atingir este objetivo, Luffy deve reunir sua própria tripulação e fazer nome nos mares, enfrentando muitos piratas e, é claro, os marinheiros que o perseguem.
Muito tem sido dito e teorizado sobre One Piece, entretanto, há um elemento em particular que acreditamos que o distingue de outros Shonen e que é sua perspectiva política. Tal afirmação pode parecer um pouco extravagante, mas acreditamos que nem o Dragon Ball, nem o Naruto, nem mesmo o Bleach, nem qualquer outra série deste registro leva a política tão a sério como o One Piece.
Nos mangás que mencionamos anteriormente, a mesma estrutura é sempre apresentada. O protagonista é obrigado a se tornar cada vez mais forte a fim de superar outras forças que ameaçam a estabilidade do mundo. One Piece não escapa disso. Não escapa dos códigos de seu gênero, mas desenvolve um mundo em tal nível que o poder que o protagonista acumula não é a coisa central da série, nem mesmo sua forma de luta é o que mais chama a atenção para ele. O que mais se destaca deste personagem cativante é sua atividade política (nisto queremos ir até a largura do conceito), que é o que distingue Luffy de outros protagonistas icônicos do Shonen.
Luffy, que está destinado a se tornar o rei dos piratas, torna-se um símbolo da revolução durante a série. O jovem, involuntariamente, torna-se portador de uma vontade coletiva que mudará a ordem do mundo que ele habita.
Normalmente no Shonen, o personagem principal deve tornar-se imensamente poderoso para resolver a grande luta do bem contra o mal. Entretanto, em One Piece, além do fato de que esta luta pode salvar o mundo, o triunfo que Luffy alcançará não é um triunfo para o mundo como uma comunidade inteira que deve ser resgatada das garras do mal, mas será a vitória de certos tipos de comunidades, e certos tipos de identidades, que estão reivindicando seu lugar no mundo.
O autor de One Piece, Eiichiro Oda, deu poucas entrevistas e raramente falou sobre a visão política que existe em sua obra. No entanto, dentro dela há muitas referências históricas, muitos personagens têm o nome de piratas que realmente existiram. É por isso que não seria estranho que One Piece se refira a um grande mito que existe em torno dos piratas no mundo real.
Diz-se que no final do século XVII um grupo de piratas fundou uma colônia chamada Libertalia na costa norte de Madagascar, onde criaram uma sociedade alegadamente sem hierarquia e baseada na ideia de liberdade. Poderíamos dizer que estes piratas eram, de certa forma, anarquistas.
Os próprios piratas parecem representar um agente de desordem no mundo. Eles vão ao mar para tentar invadir vilarejos e acumular tesouros. Eles têm má fama. Alguns não têm membros e são feios de se ver. Sua relação com o mar os torna mais selvagens e são considerados não confiáveis. Entretanto, este grupo de piratas decidiu renunciar ao relacionamento entre si e se dedicou a libertar centenas de escravos que foram presos à força em barcos. Este grupo de bucaneiros tinha outros ideais, tinham um pensamento político. Levando isto em consideração, é possível ver uma conexão entre One Piece e o anarquismo?
Como mencionado acima, Luffy viaja pelos mares e visita inúmeras ilhas onde ele encontra diferentes realidades e conflitos. Em todas as terras que ele visita há problemas de racismo, tirania e diferentes tipos de violência política. Quando confrontado com este tipo de situações, Luffy decide sempre colocar-se do lado dos oprimidos e confrontar os que estão no poder. Pode ser um rei malvado, um pirata assassino ou um marinheiro corrupto que está causando estragos e fazendo o povo sofrer.
É por isso que toda vez que o futuro rei dos piratas chega a uma ilha, algo muda. A principal habilidade de Luffy é sua enorme empatia que lhe permite compreender as injustiças que o cercam. Desta forma, ele assume uma posição de vanguarda dentro da estrutura social, razão pela qual muitas vezes é rejeitado e marcado como louco por pessoas que acreditam que a realidade não pode mudar. Ao confrontar aqueles que fazem as pessoas sofrer, Luffy resolve a injustiça, mas não pede nada em troca. Ele não reivindica a ilha para si mesmo, nem pede um tesouro em troca de seus serviços.
De fato, ele mesmo reconhece sua posição de pirata e foge das ilhas ao ser perseguido por seus habitantes, colocando em cena uma peça de teatro para deixar claro que ele é um “pirata malvado”. Assim, o povo tem uma desculpa para qualquer reação da Marinha contra eles. Desta forma, Luffy foge daqueles que salvou para continuar sua jornada de liberdade no mar. Este pode ser um dos primeiros sinais que ligam One Piece e o anarquismo, mas há mais.
Uma tripulação sem hierarquia
Outra característica distintiva de Luffy é a maneira como ele vê a liderança dentro de sua tripulação. Apesar de ser o capitão e o homem que deve tomar decisões, sua maneira o leva a considerar-se um igual ao resto de seus companheiros de equipe. Ele toma esta atitude não só com eles, mas também com o resto dos personagens da série. Por exemplo, em muitas das ilhas, os Piratas do Chapéu de Palha encontram reis e princesas, que Luffy trata como se fossem pessoas comuns. Ele não os trata de maneira diferente porque eles são parte da realeza. Esta atitude frequentemente causa desconforto com seus interlocutores, que o confrontam por não respeitar a ordem social que prevalece nos territórios.
Entretanto, isto também nos leva a uma das teorizações mais profundas que tem sido feita desde o anarquismo e que é o princípio da autoridade. Esta é uma discussão muito ampla sobre a legitimidade moral intrínseca do Estado como organização política. A partir daí, os anarquistas perguntam sobre a obrigação moral de obedecer à autoridade. De fato, Mikhail Bakunin, um dos pilares da teoria anarquista, afirma que a única autoridade desejável é a do “espírito coletivo e público de uma sociedade fundada na igualdade e na solidariedade, e no respeito humano mútuo de todos os seus membros”.
Levando em conta esta reflexão, poderíamos dizer que a maneira de Luffy liderar sua tripulação está de acordo com uma autoridade que procura emancipar os homens em vez de escravizá-los. Este choque de formas de ver a autoridade é visto explicitamente na luta de Luffy com o Governo Mundial, que representa uma visão de poder mais ligada ao tipo de autoridade que foi imposta pela Igreja e pelo Estado, que se baseia na lógica da punição e da submissão.
Desta forma, podemos dizer que One Piece e o anarquismo têm muitos pontos de acordo. A viagem de Luffy através dos mares é uma busca para ampliar as margens de sua própria liberdade, um objetivo que também vai de mãos dadas com a libertação de todas as pessoas ao seu redor.
Fonte: https://www.hanamidango.com/one-piece-anarquismo-analisis-politico/
Tradução > Liberto
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Carlos Seabra
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!