Por Eric Laursen | 26/09/2020
Possivelmente, a última coisa que David Graeber escreveu para publicação foi uma introdução de sua coautoria, com seu amigo de longa data e camarada intelectual Andrej Grubacic, para a Mutual Aid (“Ajuda Mútua”), o clássico trabalho sobre a história da cooperação humana (e animal) pelo anarquista russo do século 19 Peter Kropotkin. Discutindo o impacto do livro de Kropotkin, que desafiou a moralidade do “cada um por si” que o capitalismo adotou por meio de uma leitura errada da teoria da evolução de Darwin, David e Andrej disseram o seguinte: “Tais intervenções… revelam aspectos da realidade que eram consideravelmente invisíveis, mas uma vez revelados, parecem tão óbvios que eles nunca mais poderão ser ignorados.”
Qualquer um que o conheceu imediatamente reconhece isto como puro David, traçando sua busca ao longo da vida para descobrir padrões e tendências no comportamento humano que nossos governantes — as autoridades, o Estado, a religião organizada, capitalistas e o resto — se esforçam tanto para esconder. Descobrindo estes padrões, como Kropotkin fez em seu livro, não é apenas divertido e esclarecedor — que atraiu o lado travesso de David — mas um salva-vidas, nos oferecendo caminhos alternativos em um mundo marcado pelo medo, exploração, pobreza, guerra, assassinato em massa e a destruição de qualquer cultura fora do mercado.
Em nossas duas décadas de amizade e colaboração ocasional, eu nunca vi David mais feliz do que quando ele começava uma frase, “Bem, a parte engraçada é que…” sempre seguida por uma observação paradoxal sobre alguma instituição, pessoa famosa ou aspecto da história e desenvolvimento humano. Ele tornou o aprendizado e o entendimento genuinamente estimulantes, mas também foi intensamente sério sobre isso, pois para ele, assim como para os maiores pensadores, tudo — o mundo, a vida humana — dependia disso.
David e eu nos tornamos amigos no início dos anos 2000 como membros do New York City Direct Action Network (“Rede de Ação Direta de Nova York”), que reunia anarquistas e ativistas anarco tolerantes, inicialmente em torno dos protestos em massa que seguiram o fechamento da reunião de 1999 da Organização Mundial do Comércio em Seattle: o mesmo cenário que deu origem ao The Indypendent. Assim como eu, ele foi ativo politicamente e um anarquista durante anos, mas a sua estreia literária só veio em 2004 com a publicação de um “livrinho” (como ele o chamou), Fragments of an Anarchist Anthropology (“Fragmentos de uma Antropologia Anarquista” em tradução livre). Ainda é o meu favorito dos seus escritos, ele identificou uma tendência anarquista na antropologia que retoma alguns de seus primeiros praticantes e apresentou uma série de projetos para o movimento anarquista que são tão interessantes de se considerar hoje, incluindo:
• uma teoria do Estado,
• uma teoria das entidades políticas que não são os Estados,
• uma nova teoria do capitalismo,
• uma ecologia de organizações voluntárias,
• uma teoria da felicidade política,
• uma análise da privatização do desejo, e
• uma ou muitas teorias da alienação.
O livro foi uma espécie de manifesto, e o denominador comum em todos os itens acima era o mesmo que seria ao longo da vida de David como estudioso e ativista: nos fazer ver nosso mundo e nós mesmos de maneira diferente, como promissores, como ilimitado. Alguns desses projetos que ele mesmo abordou antes de sua morte, outros são um desafio e uma inspiração para o resto de nós do movimento.
Indiscutivelmente, o melhor momento de David como um ativista e autor foi a fortuita publicação de Debt: The First 5,000 Years (“Dívida: os primeiros 5.000 anos” em tradução livre) assim como a raiva pública sobre o desastre econômico de 2008 estava se aglutinando no Occupy Wall Street e na onda de democracia direta e autônoma em torno dele. Como um dos primeiros organizadores do OWS (Occupy Wall Street), David sempre será associado ao slogan, “Nós somos os 99%!” (embora ele não reivindicasse o crédito exclusivo por isso). Sua verdadeira conquista foi nos fazer ver a dívida pelo que ela realmente é: um sistema de dominação que privilegia aqueles que são considerados como tendo um “bom crédito” e prejudica aqueles que se considera que não possuem. Muitas pessoas tinham algum entendimento disse após a quebra de 2008, mas David — em seu livro e através do seu trabalho com a OWS — ajudou a cristalizar essa ideia e fazer disso um foco para a organização.
David sempre estava nos bombardeando com ideias e perspectivas novas, do Rolling Jubilee Fund que compra e apaga dívidas com a praga dos “bullshit jobs” (trabalhos absurdos), com as “alegrias secretas da burocracia” para seu maravilhoso ensaio sobre “The People as Nurse-maids to the King” (“O povo como babá do rei” em tradução livre) (leia e descubra). Muitos de nós nos lembramos de quando, a polícia, em Washington, cercou centenas de ativistas, incluindo David, e ele virou o jogo ao pedir dezenas de pizzas para serem entregues às massas ali presas. (Como Emma Goldman, David veio para a revolução para dançar.) Nunca houve um problema ou situação, na opinião de David, que não pudesse ser ajustado para significar algo diferente do que nos disseram que significava, e provavelmente seria algo libertador. Podia ser na forma de palavra escrita ou ação direta, mas de qualquer forma, sempre trazia a marca de sua mente única.
David faleceu aos 59 anos, a tragédia é que haveria muito mais. Nós ainda podemos esperar ansiosos pelo seu último livro, The Dawn of Everything: A New History of Humanity (“O Amanhecer de Tudo: Uma Nova História da Humanidade”), que foi escrito com David Wengrow e ataca muitas suposições falsas que reforçam a desigualdade como uma parte inevitável do desenvolvimento humano, que será lançado no próximo ano. Mas ele não estará por perto para dar a forma lúdica de pensamento que ele sempre trouxe para nossa teoria e prática enquanto ativistas. Pessoalmente, eu irei me lembrar de muitas vezes que trocamos ideias, frustrações e planos quando nós dois morávamos em Nova York — frequentemente na frente de um laptop no chão do apartamento dele no complexo Penn South patrocinado pelo sindicato (David era um nova iorquino orgulhoso, orgulhoso de suas raízes de classe trabalhadora) ou em um pequeno restaurante na West 32nd Street onde David poderia satisfazer seu desejo implacável por comida coreana. Lamento nunca mais fazer isso.
O que ainda temos são os livros – seus “filhos”, como ele os chamava — e a oportunidade que eles nos dão de estudar o seu método, absorver sua fé na auto-organização e na ajuda mútua, e tentar aplicar nós mesmos. E assim eu condenso isso:
Observação. Paradoxo. Análise. Comunicação. Ação. E ocasionalmente, tudo ao mesmo tempo.
Tradução > Brulego
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zen.
Yeda Prates Bernis
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!
Um puta exemplo! E que se foda o Estado espanhol e do mundo todo!
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