Destruindo a vida para criar o vazio: despejo iminente do Spyre, uma ocupação ecológica e comprometida em Pully. Aqui está um comunicado de imprensa do Coletivo Bambou, que vive na ocupação ecológica. Gostaríamos de destacar as questões sociais e ecológicas levantadas por esta situação.
Você já ouviu falar do Spyre? Em um imenso campo verde em Pully, uma grande vila e seu anexo abrigam um mundo inteiro: colorido, animado, comunitário. Há quase três meses, o Coletivo Bamboo vive e dá vida a esses lugares com formas de vida ecológicas e solidárias. Os edifícios ocupados estavam vazios, abandonados desde que o terreno foi comprado pela Dune Capital SA, especuladores imobiliários desejavam demoli-los para construir doze novos edifícios de luxo. Este enorme projeto despertou grande oposição da vizinhança, e a licença de construção ainda não foi emitida. “Bem-vindo ao nosso mundo, aquele que construímos nas latas de lixo deles. Antes vivíamos um pouco escondidos, ocupados, vivendo, criando e lutando, mas hoje estamos aqui, compartilhando com vocês o que eles estão para demolir: nossos desejos, nossas criações, nossas casas, nossa esperança viva de outro mundo”, expressa um morador .
No contexto contemporâneo de emergência climática em um cenário de crise social e, hoje, também de saúde, o coletivo acredita que lugares de militância como o Spyre são mais necessários e legítimos do que nunca. “Ocupar estes lugares é um duplo gesto: por um lado, denunciar a lógica de sempre se almejar a demolir para reconstruir de forma poluidora e individualista edifícios destinados a uma minoria privilegiada enquanto as pessoas não têm teto, e desta forma concretar a terra cada vez mais… Por outro lado, é também uma ação onde construímos uma alternativa verdadeiramente social e ecológica ao modelo de sociedade que está na base deste tipo de projeto”. O coletivo diz “A necessidade de moradia é real, mas diante da emergência climática que vivemos, a moradia deve ser pensada de forma diferente: reaproveitar o que existe, criar mais espaços compartilhados e comuns, valorizar os espaços verdes – como a floresta e o grande jardim do Spyre – ainda não concretados, que podem ser utilizados como parques, habitats de acomodação leve ou ainda servir como espaços para agricultura local e compartilhada”.
Até agora, o Spyre já acolheu cerca de vinte pessoas e organizou inúmeros eventos, como jornadas de workshops para partilhar conhecimentos, campos de trabalho participativos para aprender sobre as alegrias da construção mútua, noites de intercâmbio em torno de várias leituras, jantares coletivos… O Spyre sempre manteve um relacionamento muito bom com a vizinhança. Pretendia dar vida a este local e permitir a um grande número de pessoas usufruir da floresta que abriga, bem como utilizar o grande jardim para obter autonomia na horticultura comercial. No entanto, os proprietários pretendem acabar com este projeto comunitário e ecológico e esvaziar as instalações o mais rapidamente possível… embora a licença de construção ainda não tenha sido emitida. O Tribunal Distrital decidiu a favor deles na quinta-feira, ignorando os argumentos de defesa do Coletivo e pedindo-lhes que deixassem as instalações em 48 horas.
Biodiversidade a ser protegida
Além dos aspectos sociais e culturais que este local tem experienciado nos últimos tempos, a sua biodiversidade também é notável. “O jardim oferece um conjunto de árvores de grande porte que é excepcional no bairro e é um habitat importante, principalmente para insetos, pássaros e morcegos. Por outro lado, o cordão arborizado na extremidade do terreno representa uma zona de revezamento para as muitas das espécies que se deslocam dentro das áreas das vilas, ou em direção ao bosque do Chenaula”, diz um biólogo que apóia o local. É importante lembrar que a diminuição da conectividade ecológica e o isolamento de habitats naturais são considerados “uma das principais causas da perda de biodiversidade” pela Secretaria Federal de Meio Ambiente. “No contexto atual de erosão da biodiversidade generalizada na Suíça, consideramos importante e de interesse público que este conjunto de árvores, que também contribui para a qualidade de vida no distrito, seja levado em consideração e preservado no futuro”.
Uma decisão brutal
Este despejo iminente mostra mais uma vez que o sistema jurídico suíço não está pronto para ouvir a voz daqueles que defendem um futuro mais justo e ecológico. Para o Coletivo Bamboo, essa situação não é apenas um fenômeno isolado, mas ilustra problemas e dinâmicas muito mais amplas. “O despejo do lugar onde o Spyre morava e onde pessoas se conheciam pode parecer uma pequena onda diante do desastre global que está ocorrendo, mas é um sintoma muito explícito de um sistema que está à beira do colapso”. O setor de construção é responsável por 36% das emissões totais de CO2.
Mesmo que não se surpreendam, os moradores ficam revoltados com a resposta do sistema de justiça: “É difícil ver o algo de correto no fato de que algumas pessoas podem ter várias casas, algumas das quais nunca mais usaram desde o dia em que as compraram, enquanto outros estão na rua. Quanto ao limite de tempo imposto, é considerado muito curto. “Éramos mais de vinte pessoas morando aqui e muitos de nós não têm outro lugar para ir. Além disso, despejar pessoas que ficarão sem moradia durante o período do Covid-19 e durante o inverno é uma escolha completamente desumana”. Esta decisão mostra que a propriedade privada pesa mais do que o direito à moradia digna.
Visões conflitantes de mundo
O Coletivo Bamboo começou a esvaziar as instalações e, portanto, está se preparando para a possibilidade de um despejo forçado nos próximos dias, mas espera que a decisão não seja executada imediatamente. O coletivo continua incentivando os proprietários a virem discutir a possibilidade de combinar um contrato para uso mútuo das instalações até o início das obras planejadas. Na verdade, os proprietários ainda têm uma escolha, ainda tem influência sobre o que acontece a seguir. Eles ainda não possuem a licença de construção para o que virá depois. Aqui estão alguns trechos da carta que o Coletivo Bamboo lhes enviou:
Não sabemos se vocês nos ouvem, se nos entendem – aqui falamos a linguagem da partilha e das possibilidades; vocês, vocês nos respondem com leis absurdas, multas, custos e recusa de confiança. Venham se tiverem coragem de sair dos caminhos confortáveis e da alta posição social que seu poder financeiro lhes proporciona. Venham e veja o que fazemos aqui, como vivemos com quartos cheios de camas, cabeças cheias de sonhos e corações cheios de vida. Venham provar o xarope de alecrim caseiro feito com as plantas cultivadas no jardim. Vocês acham que somos utópicos? Faz muito tempo que não o somos. Nossas ações são a realização de alternativas realistas para o que está acontecendo neste mundo. Portanto, continuaremos tentando, continuaremos a criar estilos de vida mais comunitários e resilientes. Continuaremos a desafiar a lógica de que é normal que a maior parte do nosso tempo seja vendido para trabalhos que apenas enriquecem os ricos, destroem os vivos e empobrecem nossas vidas. Ocupamos a terra por vários motivos: por necessidade, convicção, inveja; ocupamos para liberar tempo e devotamo-lo a ações que movem, pelo menos um pouco, o mundo mortal que defendem com tanto ardor.
O Spyre não é apenas um projeto de habitação pessoal, é um projeto político que estabelece e defende estilos de vida mais comunitários, solidários e ecológicos. Trabalho, reflexão, logística, construção, decisões coletivas, assunção de riscos. Cada vez que uma ocupação é despejada, é um mundo que desmorona, uma possibilidade que desaparece, uma brecha que morre e pessoas então se encontram sem um teto sobre suas cabeças. Centenas, milhares de horas de trabalho desaparecem repentinamente. Vocês não entendem isso, vocês que trabalham para produção, para crescer, para explorar. Vá em frente, expulsem pessoas que nunca serão capazes de igualar seus privilégios, sua riqueza e sua proteção social. Vocês destroem um habitat repleto de vida na crença de que estão construindo outro. Mas na vizinhança, os apartamentos do mesmo tipo que os que vocês estão planejando estão quase todos vazios porque, infelizmente, muitas das carteiras almejadas pelo seu projeto não tem intenção de morar nesses lugares. Vocês não pensam nestes espaços a fim de os fazer habitar, mas sim para os fazer dar frutos, em detrimento das pessoas que simplesmente precisam de espaços ainda poupados pela inércia doentia do setor imobiliário. Vocês estão destruindo a vida para criar o vazio, seja ele físico, social ou moral, enquanto continuam a alimentar os mecanismos que saqueiam os recursos da terra e levam nossa sociedade aos seus limites.
Que aberração é saber que as casas em que vivemos serão despejadas à força para permanecerem vazias por muito tempo. Para concluir, citaremos apenas uma frase do tribunal, que é emblemática do absurdo da situação: “…o argumento de que os edifícios ficariam vazios por vários anos antes de serem demolidos de forma alguma legitima os membros do Coletivo Bambu a usurpar as instalações, sendo cada proprietário livre para exercer sua posse como desejar.”
The Spyre
Chemin de Rennier 53 55, 1009 Pully, Suíça
collectif-bambou [at] riseup [dot] net
Tradução > A. Padalecki
agência de notícias anarquistas-ana
Correndo risco
a linha do corpo
ganha seu rosto
Alice Ruiz
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!