Por Francisco Martínez Hoyos | 08/10/2020
A opressão das minorias, a luta pela paz… Essas eram as inquietudes do Catholic Worker, um jornal e um movimento social em torno do anarquismo cristão de Dorothy Day (1897-1980), uma ativista de esquerda que, após uma surpreendente conversão ao catolicismo, dedicou o resto de sua vida à luta em favor dos deserdados. Foi, em muitos sentidos, uma mística do século XX.
Viveu uma juventude turbulenta cheia de ativismo político. Se familiarizou então com o pensamento libertário de Kropotkin e ingressou nas fileiras do partido socialista. Preocupada mais em comprar livros que em adquirir alimentos, ganhou a vida em uma ocupação, o jornalismo, que a pôs em contato com o lado menos amável do sonho estadunidense: desemprego, desalojos, protestos sociais… Naqueles momentos, a esquerda e a religião lhe pareciam conceitos antagônicos. O mundo se dividia em ricos e pobres e a igreja era o lugar onde os primeiros recebiam louvores. Os segundos, enquanto isso, tinham que conformar-se com uns valores conformistas. A resignação se considerava uma virtude!
A jovem Dorothy pensava então que a religião equivalia a uma droga: servia para narcotizar o povo. Por quê, se pensava assim, acabou nas fileiras católicas? Na longa solidão, seu livro de memórias, conta que se sentiu atraída por uma minoria que sofria nos Estados Unidos uma profunda discriminação. Os anglo saxões não só censuravam sua fidelidade ao Papa, também desconfiavam daquelas massas de gente pobre de diversas nacionalidades: irlandeses, italianos, polacos…
Corriam tempos duros e os humildes se viam sacudidos pela crise mais terrível que havia vivido o capitalismo, a Grande Depressão. Sua única oportunidade de sobrevivência parecia ser a caridade dos poderosos.
Nos encontramos ante uma convertida, mas não frente a uma pessoa sem sentido crítico. A Igreja a escandaliza em numerosas ocasiões por sua aliança com os poderosos, por seu apoio às forças obscuras do imperialismo. Por quê, então, segue ela? Basicamente, porque a percebe como o instrumento que serve para tornar visível a Jesus Cristo no mundo. Isso significa, na prática, aceitar uma fé que viverá em um estado de insatisfação permanente a respeito das estruturas eclesiásticas.
Em 1933, junto a Peter Maurin, a quem considerava seu mestre, fundou o Catholic Worker (O Obreiro Católico), uma rede de casas de acolhida para os mais desfavorecidos e ao mesmo tempo um jornal mensal que em pouco tempo passou de 2.500 exemplares a 150.000. A palavra “worker” possuía, a primeira vista, uma clara conotação de esquerda, mas na realidade aludia em sentido amplo a todos os que exerciam um trabalho físico ou mental, ainda que também é certo que se pensava fundamentalmente nos despossuídos. Os pobres, desde a ótica dos fundadores, estavam mais próximos de Deus que os demais. O compromisso com os explorados, em muitos casos, procedia do sentimento de culpa de gente incomodada por desfrutar de privilégios como ter ido à escola ou dispor de recursos para sobreviver.
Corriam tempos duros e os humildes se viam sacudidos pela crise mais terrível que havia vivido o capitalismo, a Grande Depressão. Sua única oportunidade de sobrevivência parecia ser a caridade dos poderosos. Que fazer para que vissem respeitada sua dignidade? No Catholic Worker se acolhia todo mundo sem fazer perguntas. Sempre havia um prato de sopa e um café para quem o necessitava. As camas se distribuíam em função de quem chegasse primeiro. Maurin, em um comentário que constituía toda uma declaração de intenções, assegurava que não haviam criado uma organização mas um organismo.
Um grupo de voluntários se encarregava de atender aos deserdados. Como diria um deles, o escritor Michael Harrington, autor do clássicoThe Other America, não tinham dinheiro nem aceitavam retribuição. “Compartilhávamos as condições de vida das pessoas as quais ajudávamos: alcoólicos e doentes mentais”. A sua, portanto, era uma aposta pela pobreza voluntária, ainda que esta pobreza terminava por converter-se em real ao cabo de uns meses de levar esta vida, posto que de uma forma ou de outra perdiam suas posses. Desde o ponto de vista do resto do mundo, seu comportamento era próprio de loucos. De fato, nem sequer os que ali se refugiavam chegavam a compreender que alguém se preocupasse por sua sorte quando não tinham necessidade.
Em certo sentido, a mensagem de Dorothy Day é muito americana. Desconfia da burocracia do Estado e não quer contrair hipotecas enquanto se aproxima dos mais pobres de entre os pobres. A solidariedade não deve ser um monopólio do governo mas o fruto da ajuda mútua, da cooperação entre todos os que aspiram a um mundo mais justo. Mais que reivindicar um Estado providência, os deserdados devem aspirar a serem os donos dos meios de produção e aceitar as responsabilidades consequentes. A aposta, portanto, é dirigida a tornar visível a sociedade civil desde uma crítica radical aos postulados do capitalismo. O salário constituiria um instrumento a serviço de uma escravidão da qual nem sempre são conscientes os servos: vendem seu trabalho, que é tanto como dizer a si mesmos, e ainda se sentem felizes se o preço lhes parece mais ou menos razoável.
Fiel a uma mística baseada na entrega de si e o anonimato, Dorothy era garota para tudo. Escrevia artigos no jornal, claro, mas também ajudava a vendê-lo pelas ruas e colaborava nos albergues como mulher da limpeza e cozinheira. Tinha muito claro porque atuava assim, convencida de que não bastava com as ajudas materiais. Tinha que ir viver com os explorados, compartilhar suas penúrias, abandonar a tranquilidade do espírito e do corpo: “Aproximar-se do povo é o ato melhor e mais puro dentro da tradição cristã e revolucionária, e o ponto de partida da fraternidade universal”.
Tradução > Sol de Abril
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!