Poucas pessoas hoje desconhecem que foi o policial e antropólogo croato-argentino Juan Vucetich quem desenvolveu, no final do século XIX, a técnica de identificação dactiloscópica por meio da qual a identidade de uma pessoa, única e inimitável, poderia – e ainda pode – ser estabelecida.
Por Carlos Álvarez (Historiador) | 23/02/2021
Hoje em dia parece normal e diário ter um documento de identidade com uma foto, assim como registrar nossa impressão digital, tanto que até a usamos dezenas de vezes ao dia em nossos dispositivos móveis. De fato, ter uma carteira de identidade é uma porta de entrada para muitos direitos e proteções constitucionais que ninguém quer ficar sem. No entanto, nem sempre foi assim. No início do século XX, essas práticas começaram a ser desenvolvidas e implementadas, mas para fins muito distantes daqueles que podemos conferir e aceitar hoje.
Poucas pessoas hoje desconhecem que foi o policial croato-argentino e antropólogo Juan Vucetich quem desenvolveu, no final do século XIX, a técnica de identificação de impressões digitais por meio da qual a identidade de uma pessoa, única e inimitável, poderia ser – e ainda pode ser – estabelecida. Seu desenvolvimento, longe de procurar expandir os direitos, foi para identificar os autores materiais dos crimes, ou seja, visou uma realização mais eficaz da perícia policial. Esta técnica inovadora e eficaz veio substituir a técnica falível, mas pioneira da medição antropométrica, desenvolvida por Alphonse Bertillon que ficou conhecida em sua homenagem como “Método Bertillon”.
Sua aplicação começou em Buenos Aires, mas foi rapidamente imitada em Rosário, uma cidade em expansão com o crescimento urbano e demográfico mais rápido do país no início do século 20. Em 1905, o Escritório de Pesquisas, nome dado à divisão da polícia responsável pelas investigações e resoluções de casos que ultrapassavam o da polícia comum, foi substituído por uma moderna Divisão de Investigações. Este escritório significou um salto quantitativo e qualitativo em suas funções e deveres, sendo a área técnica e científica da polícia. Esta nova Divisão tinha, entre suas principais funções, controlar, perseguir e reprimir o anarquismo, que era entendido como um mal para o corpo nacional, uma doença moral estranha ao espírito do país que tinha vindo pela mão da imigração e que era um perigo para a nação. Vale mencionar que desde 1902 a Lei de Residência estava em vigor no país, por meio da qual qualquer estrangeiro que fosse considerado perigoso para a ordem pública poderia ser deportado. A nova Divisão fez uma importante contribuição para esta tarefa.
Logo após sua renovação, esta Divisão estava sob o comando do novo Chefe Político da cidade, Néstor Fernández, que em apenas onze meses de administração lhe deu um impulso fundamental. Ele estava encarregado de profissionalizar os policiais da região, enviando-os para Buenos Aires para treinamento, conseguir aumentos de orçamento e salários e dignificar a força para que os policiais se abstivessem de sair da instituição para trabalhar na colheita com melhores oportunidades salariais, um problema frequente no período anterior. A grande novidade que foi introduzida nestes anos não foi o sistema dactiloscópico, pois já tinha alguns anos e testes no país, mas foi o registro policial, documento interno da polícia no qual todo tipo de dados da pessoa convocada foi registrado, tais como as impressões digitais mencionadas, sua fotografia, dados de filiação e informações gerais sobre suas detenções.
Se o ano de 1906 tivesse sido um ano de reajuste e crescimento, o ano seguinte seria um ano de implementação sistemática. Em janeiro de 1907, Rosário e todo o país foram atravessados por uma greve nacional que foi desencadeada por causa da tentativa municipal de impor um livro de boa conduta para transportar trabalhadores em Rosário, que consistia em notas disciplinares, fotografia e impressão digital. A medida foi considerada vexatória e uma forma de controle inadmissível por sua conotação criminosa para os trabalhadores, que em sua maioria anarquistas, entenderam que isso constituía um ultraje a seus direitos e também punha em perigo a própria fonte de trabalho. Este caderno, à sua maneira, imitava o currículo recentemente criado.
Durante aquele ano começou um processo sistemático de perseguição e detenção de muitos trabalhadores e militantes anarquistas que durariam décadas, que foram transferidos para a Sede da Polícia (atualmente a Sede do Governo) para serem interrogados, abrindo um registro ou acrescentando novas entradas àquele que já tinham aberto. A seção encarregada do anarquismo era conhecida pelo nome de Orden Social (Ordem Social). Seu crescimento foi logarítmico de ano para ano, com alguns militantes proeminentes tendo dossiês volumosos, ou mesmo tendo sofrido repetidas deportações.
Estes arquivos não consistiam apenas em informações criminais ou contravenções sobre os detentos, mas estavam em sua maioria cheios de recortes de imprensa, relatos de infiltrados policiais em reuniões de trabalhadores onde suas conversas eram repetidas, pedidos de informações de outras polícias nacionais e internacionais, bem como folhetos ou jornais apreendidos no momento da prisão. Praticamente todos eles tinham sido submetidos a interrogatórios padrão que procuravam determinar a periculosidade do detido, determinando se ele era um mero propagandista do anarquismo ou um “anarquista perigoso”, uma situação que merecia a transferência para seus pares em Buenos Aires para ser deportado de lá.
A análise desses arquivos dá uma impressão imediata e arrepiante, e isso é que eles não eram apenas arquivos para fins de controle social, que estavam entrando em voga em torno do que era conhecido como a “questão social”, mas eram documentos persecutórios contendo detalhes da vida privada dos que estavam nos arquivos, bisbilhotice e infiltração, rastreamento pessoal e prisões arbitrárias sem uma causa definida. O anarquismo, que foi hegemônico em Rosário por muitos anos, tornou-se então um dos principais alvos desta Divisão (como dissemos, eles também tinham outras áreas como Moralidade Pública ou Ordem Política, etc.) e da elite política. Seu combate, que já era um combate de quartel, também se tornou sem ele, a partir de um controle de investigação profissional e sistemático.
Estes arquivos, com uma vida de espionagem e perseguição dentro deles, seriam considerados hoje uma flagrante violação das liberdades individuais. Para aqueles trabalhadores anarquistas também foi, mas o projeto do país que estava em andamento estava longe de entendê-lo dessa maneira.
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
Nem mesmo seu nome é conhecido:
Flores de capim
À beira de um riacho
Chiun
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!