Hanneke Willemse (Amsterdam, 1949-2021)
Às quinze para às dez da manhã de ontem (25/03) fechava seus olhos Hanneke Willemse.
Recém aterrizada em Amsterdam naquele verão de 2012, nos conhecemos graças a Octavio Alberola. Ficamos uma manhã ensolarada no IISH (International Institute of Social History) e foi junto a ela, creio recordar, a primeira vez que botei meus pés no edifício. Hanneke então seguia triste, ainda chorava a perda de seu companheiro Jan Groen (1945-2011), com quem compartilhou amor e raiva. Vida, viagens em caravana, fotografia e a investigação. E a quem quis tanto… Juntos se envolveram no movimento kraker de Amsterdam e o filmaram. “Não se pode viver em um tanque” (In een tank kan je niet wonen, 1981), sentenciaram, e os distúrbios tomaram conta de Waterlooplein e da tela. E juntos o vimos com amigos depois de jantar seu frango estrela e um longo tempo animado com canções revolucionárias. Em sua casa, por alguma razão, Labordeta chegava mais fundo e salpicava sabor à terra talvez por sentir-me longe da “minha”.
Anarcossindicalista, lutadora e historiadora, Ana passou longas temporadas em Albalate de Cinca (Espanha). Ao chegar se apresentou com esse nome para facilitar a pronúncia aos do povoado. E conhecendo-a, para sentir-se menos holandesa. A história oral, ainda possível nos oitenta por seguirem vivos alguns protagonistas da revolução social de 36 que se arraigou com força em alguns povoados de Aragão, correu como a pólvora nas mesas daquele verão em Albalate. Hanneke me contava que dentro das casas, com as janelas completamente fechadas, as mulheres lhe confiavam suas memórias, incluindo as mais dolorosas da repressão. Os cortes de cabelo, as surras… E o medo, o mesmo ou parecido que obrigava a baixar a voz. Uma intimidade que rechaçaram as direitas de Albalate, convidadas por Ana também a participar.
“Ni peones ni patrones” (1986) foi o documentário que realizaram e que compilou as memórias dos homens e mulheres da Comarca del Cinca, seus ideais libertários e onde se pode ver a um ainda jovem Felix Carrasquer (1905-1993), padeiro albalatino, dando uma palestra no local da CNT de Monzón. E se escuta o “somos” cedido por Labordeta que junto a Hanneke sempre soava mais fundo. O mesmo que retumbou nos corações que disseram adeus a Jan, ao lançar suas cinzas a escassos metros de onde estacionavam sua caravana a cada vez.
Seu livro “Pasado Compartido. Memorias de anarcosindicalistas de Albalate de Cinca 1928-1938” foi publicado em 2002 e seu trabalho prévio foi, em grande parte, realizado desde o escritório junto à janela desde onde Hanneke, ou Ana, via a praça do povoado. Uma fotografia maravilhosa onde é vista jovem, trabalhando com seu computador e fumando, nesse branco e negro de Jan. A mesma praça por onde caminhou Emma Goldman (1869-1940) enquanto Margaret Michaelis (1902-1985) tirava fotografias naquele outono de 36.
Ana e Hanneke, Hanneke e Ana. Holandesa mas com uma espontaneidade e um temperamento mais espanhol que holandês, esteve sempre inclinada à CNT. De sua revolução traída, de sua guerra perdida e de sua história triste e obscura no exílio… E do IISH onde hoje reside o arquivo vermelho e negro e lamentam a perda. Amiga de Rudolf de Jong, sentado nas pernas de Goldman quando era pequeno e protagonista das aventuras e desventuras vividas entre os anarquistas e o instituto, a seus 89 anos hoje estará triste ao escutar a notícia. E Hanneke, que desde onde estiver, lhe dará raiva saber que há um “filme” sobre sua Montseny que não pode ver.
Muitas recordações me veem hoje à cabeça. E mais me chegam ao falar com seu querido Luis de Albalate. Também nossa raiva que sempre acabava por evaporar-se com um abraço. Se foi ontem pela manhã desde uma retaguarda aragonesa em calma e alegre. Oxalá.
E eu compartilho minha tristeza nestas linhas com aqueles que a conheceram.
Almudena Rubio
Amsterdam, 26 de março de 2021
Fonte: http://alasbarricadas.org/noticias/node/45595
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
dia após dor
após dia, luz após
dor após lua
Claudio Daniel
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!