Por Francisco Javier López | 16/04/2021
Nestes dias, homenagens discretas serão prestadas a um homem, um anarquista, chamado Juan, Juan Gómez Casas. Mais um entre tantos outros, um que teria completado 100 anos em 16 de abril. O filho de emigrantes espanhóis na França, que retornaram à sua pátria com a proclamação da Segunda República. Um anarquista, como tantos outros, seguiu os passos de seu pai e começou a se juntar à Juventude Libertária e mais tarde a CNT.
Acredito sinceramente, pelo pouco que o conheci, que ele nunca quis ser nada além de um entre muitos, mas no estilo daqueles anarquistas que não toleram que ninguém esteja abaixo deles, mas também nada acima deles.
Talvez por causa disso, por causa desse desejo de igualdade e dessa concepção de liberdade como exercício de responsabilidade pessoal, Juan foi acudir, aos 17 anos, quando a guerra estava quase perdida, a sangria de vidas que os soldados profissionais do exército fascista estavam causando nas frentes, ou nos muros dos cemitérios, e se alistou na 39ª Brigada Mista do Exército Popular.
Ele ainda era um menor quando a guerra terminou e isso facilitou que ele não fosse condenado a uma longa pena de prisão, mas não o impediu de assumir sua responsabilidade de reorganizar a CNT e a Juventude Libertária, que haviam sido destruídas durante a guerra. Uma atividade que o levou à prisão em 1948, onde cumpriu mais da metade dos 30 anos em que foi condenado, depois que a gráfica onde as revistas Tierra y Libertad e La Juventud Libre foram publicadas foi apreendida em sua casa.
A prisão era sua universidade, o lugar onde ele lia, estudava e aprendia aquela forma serena, firme, mas contida e sempre educada de expressar suas ideias e defendê-las. Após sair da prisão, ele ganhou a vida como pintor e mais tarde como contador, e ao mesmo tempo começou a traduzir e escrever sob um pseudônimo. Traduções como Moby Dick, ou a biografia de Pablo Iglesias, vieram de suas mãos.
Foi então que ele se dedicou ao imponente esforço de escrever a História do Anarco-Sindicalismo, ou A História da Federação Anarquista Ibérica (FAI), A Política Espanhola e a Guerra Civil, Os Anarquistas no Governo, Sociologia do Anarquismo Hispânico. Assim que estuda A Autogestão na Espanha enquanto escreve seus Contos Carcerários, ele mergulha em A Frente de Aragón, volta a Primeira Internacional na Espanha, ou ainda dezenas de livros, centenas de artigos em revistas nacionais e internacionais, prólogos e introduções. Uma tarefa que não o impediu de assumir o desafio de aceitar a Secretaria Geral da Confederação Nacional do Trabalho nos primeiros anos após a morte do ditador.
Muitos historiadores do Regime, ou historiadores oficiais, institucionais, universitários ou não, nunca lidaram bem com este esforço autodidata de Juan Gómez Casas, mas sua contribuição para a História do Movimento Operário Espanhol ainda é uma referência incontornável.
Faz 100 anos desde seu nascimento e 20 anos desde sua morte, no verão de 2001. Com ele aprendi que merecemos um futuro como mulheres e homens livres e iguais. Um conceito que defendi muitas vezes dentro das organizações nas quais trabalhei e como princípio orientador da política e da vida em sociedade.
Custa-me que estas duas fortes ideias, livres e iguais, tenham sido transformadas em um conceito descartável por aqueles que se beneficiaram do Tamayazo e transformaram Madri em um fórum de negócios e corrupção para aquele consórcio político empresarial que envenenou a vida de Madri, suas instituições, seu tecido econômico e sua convivência social.
Eu deixei a CNT em 1982. Eu me lembro de algo daqueles dias, mas prefiro me lembrar de um bom amigo que me disse que em uma daquelas assembleias apaixonadas e lotadas eu decidi apresentar algumas das ideias nas quais eu vinha pensando há algum tempo. Demasiado ativismo e campanhas, acompanhadas da inevitável colagem de enormes cartazes e não reflexão suficiente, não pedagogia suficiente, não se aproximar o suficiente das pessoas comuns, daqueles que viviam nos bairros.
Em algum momento eu deveria ter me referido aos debates internalizados, constantes e exaustivos, às divisões endêmicas e, sobretudo, à loucura que entre nós havia camaradas que, de um dia para o outro, eram presos pela polícia, por perpetrar um roubo, por carregar armas, por preparar um ataque, como que seguindo um plano mecanicamente articulado para destruir a organização a partir de dentro.
Sendo assim, tive que anunciar que não estava mais na CNT, porque ela contribuiu pouco para mim e não me ensinou nada. Juan Gómez Casas pediu a palavra e, com seu tom calmo e didático, que tanto gostei, veio dizer – minha memória nunca foi muito boa, ainda uso as memórias de meu amigo -: “Javier, obrigado pelo que você nos disse aqui hoje. Não vá embora pensando que você não aprendeu nada. Só de ouvi-lo, só de ver como você explicou a situação, isso não tem preço, é uma experiência de aprendizado. Muito obrigado”.
Antes de entrar na CNT, eu estava envolvido em organizações paroquiais, de bairro, educacionais e de bairro. Depois da CNT eu fui militante no PCE, em IU, em Comissões Obreiras, em associações de bairro. Hoje eu só guardo meu cartão de membro do CCOO. Mas onde quer que eu tenha estado, sempre mantive viva a ideia de construir um mundo de mulheres e homens livres e iguais.
Nunca esqueci o tom sereno mas firme, respeitoso e educado daquele homem, daquele anarquista chamado Juan Gómez Casas, que nunca quis deixar de ser um entre muitos, sem ninguém abaixo dele, sem ninguém acima dele, que dedicou sua vida a viver com seu povo e a escrever sobre ele.
Feliz centenário e que seu nome não seja apagado de nossas memórias.
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
As coisas humildes,
Têm o seu encanto discreto:
O capim melado…
Afrânio Peixoto
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!