Três veteranos da luta antifascista em Madri recontam em Mieres sua experiência enfrentando fisicamente a violência neonazista na capital.
Por David Artime | 04/05/2021
Serge Ayoub é um conhecido ultradireitista francês com cabeça raspada (e alopécica), bíceps inchados e o corpo de jogador de rúgbi. Quando perguntado em uma entrevista sobre o assassinato do antifascista Clément Méric durante uma agressão em Paris em 2013 (Ayoub foi investigado por suas ligações com os três acusados) ele culpa diretamente o líder de esquerda galês Jean Luc Mélenchon por seu chamado para retomar as ruas para combater o fascismo. “Recuperar a rua como? Pela força?” o ultra ironiza, depois de lembrar que Méric era um estudante de ciências políticas “fisicamente fraco”, e que ele teria feito melhor para combater o fascismo escrevendo poemas em seu computador do que lutando.
Com “tomar as ruas” Mélenchon certamente não queria dizer que havia que sair e bater nos neonazistas, mas Ayoub o interpretou dessa forma. E, é claro, para um bandido fascista como ele, entrar em luta é patrimônio da ultradireita.
Ele provavelmente está certo. É um fato que as pessoas da esquerda preferem manifestações, concertos e assembleias aos ginásios do MMA. Os membros de sindicatos e organizações progressistas não costumam se interessar por socos, pontapés e surras, uma arte na qual a extrema direita sempre foi mais habilidosa. Mas o que acontece quando os antifascistas, fartos da violência neonazista permanente, decidem agir usando suas próprias armas?
A capital francesa é um bom exemplo. Os antifascistas parisienses parecem ter tomado nota, mesmo antes da morte de Méric. A cidade da Torre Eiffel não é exatamente um lugar confortável para um fascista. Desde o início dos anos 90, grupos de antifas, cansados das agressões neonazistas, começaram a flertar com bastões de beisebol, socos ingleses e esportes de contato. A reportagem Antifa, Caçadores de Skins o explica muito bem. Mas não temos que voltar tão longe no tempo. Nas manifestações dos Coletes Amarelos, a imagem de fascistas perseguidos por grupos de antifas violentos e organizados tem sido comum.
Algo semelhante parece ter acontecido em Madri. Pelo menos é o que Claudio, Lucas e Jota explicaram em Mieres neste domingo, no âmbito das Jornadas Antifascistas que ocorre na cidade da Cuenca del Caudal. Eles são três veteranos da ação direta que os antifas de Madri empreenderam a partir de 2003, ano da fundação das Brigadas Antifascistas, BAF.
Na verdade, mesmo antes disso, no final dos anos 90, eles tinham começado a responder às agressões que eram comuns na época. Esses eram os tempos em que a moda skin se espalhava dos estádios para as áreas de vida noturna, e os neonazistas vagueavam livremente em Moncloa, Argüelles e outros bairros da capital. Qualquer pessoa que parecesse um punk ou um progre poderia ser vítima de ataques. No metrô, muitas vezes você tinha que se esconder. “Tivemos que lidar com toda essa violência. Ir armado tornou-se uma obrigação para nós”, explica Jota, que lembra que nos círculos antifas, naquela época, as pessoas começaram a carregar uma faca, uma corrente e um soco inglês, caso algo acontecesse.
Mas foi realmente em março de 2003, quando a criação da BAF foi um marco histórico. “O estágio de ‘não nos colocarmos no nível deles’ foi superado, quebramos com a vitimização, e uma atitude guerreira e caçadora foi adotada”, diz Claudio. “Tivemos que parar de reclamar e começar a procurá-los e pisar em suas cabeças”.
As “caçadas nazistas” começaram a ser comuns na capital, como ele se lembra, e então ser um neonazista “começou a ser perigoso”. Jota lembra como tiveram que começar a cobrir os emblemas fascistas em seus casacos e observar com muito cuidado onde eles estavam andando. Ele explica que havia cada vez mais grupos antifascistas organizados em toda Madri, e que havia fins de semana em que dois grupos de antifas coincidiam na mesma estação em busca de “presas”.
O ASSASSINATO DE PALOMINO, UM EVENTO REVULSIVO
O assassinato de Carlos Palomino em 2007, longe de intimidar o movimento, foi um revulsivo. “Foi horrível, mas eles conseguiram confirmar o compromisso de muitas pessoas de exterminar estes lixos”, diz Claudio. Sua satisfação não é compartilhada por Jota: “é uma merda que um adolescente tem que morrer para conscientizar as pessoas de que o fascismo tem que ser combatido nas ruas”.
A partir de então, diz Cláudio, houve uma conscientização geral em todo o estado. “Isso reuniu a raiva de muitas pessoas que estavam claras de que tínhamos que responder”, explica ele. Os nazistas, continua ele, “tinham medo de ir às suas manifestações porque sabiam que estaríamos lá para confrontá-los”. Como exemplo, ele cita o comício da organização fascista Nação e Revolução na praça Tirso de Molina em 2008, que “não durou dez minutos” porque o movimento antifascista madrileno preparou um contra-ataque que terminou em uma batalha campal.
Não que a guerra tenha sido ganha, longe disso. Em Madri, como em Paris, ainda há nazistas organizados e violentos. Cidades como Alcalá de Henares ou bairros como Canillejas, feudos tradicionais dessas pessoas, são um bom exemplo, sem esquecer a Frente Atlético e o que resta do Ultras Sur. Mas a capital não é mais uma caminhada triunfal para eles, que quando organizam um show têm que alugar um restaurante de casamento em um lugar perdido, e quem quiser ir tem que ligar para um telefone para descobrir o local, explica Lucas. Os três oradores ressaltam que isto é uma fonte de orgulho para o movimento antifascista madrileno.
REPRESSÃO JUDICIAL
Não tem sido um leito de rosas. Além de Carlos Palomino, ao longo do caminho houve agressões, esfaqueamentos, multas, condenações e algumas prisões. O próprio Cláudio já foi levado à justiça três vezes e tem dois outros casos pendentes. “A repressão tem sido brutal”, reclama ele. A repressão, diz ele, não é a mesma quando se trata de combater a agressão do outro lado. Embora o assassino de Palomino tenha sido condenado a 26 anos de prisão, isto não foi assim em outros casos.
Nestas Jornadas de Mieres, o filme La Mort de Guillem, sobre o assassinato do jovem antifascista valenciano Guillem Agulló, foi exibido no sábado. Dos cinco acusados, quatro foram absolvidos, e o culpado, Pedro Cuevas, cumpriu quatro dos 14 anos em que foi condenado. Mais recente foi o caso de Jimmy (não um único réu), e igualmente chocante foi o caso de Roberto Alonso de la Varga, que deixou um congolês tetraplégico em Alcalá de Henares e a Promotoria sequer pediu sua prisão até que o jornal Público publicou uma reportagem alertando que ele permanecia em liberdade.
Nas Astúrias há muitos exemplos da frouxidão da justiça com a violência fascista. Nem um mês atrás o TSJA anulou a sentença contra os Ultra Boys acusados dos incidentes no derby de 2017. Antes disso, houve outros processos e absolvições em casos conhecidos de motins e agressões. Já em 2017, o jornal El Comercio advertia sobre esta situação. Somente no caso do ataque ao bar La Folixa em Cimavilla, em 2018, houve penas de prisão (oito réus aceitaram penas que variaram de seis meses a três anos e nove meses).
Depois de observar que esta não é exatamente uma estratégia fácil, vale a pena perguntar se a mobilização e a denúncia pública e judicial não são mais eficazes do que o confronto direto. Para Cláudio, ambas as formas de luta são complementares e necessárias. Jota já havia insistido que eles tomaram este caminho nos anos 90 não por diversão, mas porque eles não tinham outra escolha. “E éramos um bando de adolescentes que começaram a travar esta batalha, porque os partidos de esquerda e os sindicatos estavam em outro filme”, acrescenta ele.
Parece que isso mudou nos últimos tempos, após o surgimento do Vox [partido de extrema direita] e a necessidade do compromisso antifa que os principais partidos progressistas assumiram. A instalação de uma placa em memória de Palomino no Paseo de Las Delicias, o reconhecimento por Pablo Iglesias da luta antifascista de Bukaneros ou a própria organização destas jornadas em Mieres são gestos que Cláudio valoriza como sinais de uma consciência que não existia antes.
Fonte: https://www.nortes.me/2021/05/04/combatir-el-fascismo-a-hostias-ventajas-e-inconvenientes/
Tradução > Liberto
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Kikaku
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