A primeira vez que visitei Cuba foi em meados dos anos 90, quando o regime ainda se encontrava no rescaldo do chamado “período especial”. Após o colapso da União Soviética, da qual dependia em grande parte economicamente, a ilha entrou em um período de profunda crise, agravada pelo aperto do bloqueio americano a partir de 1992. Em 2021, a população, cansada de todo tipo de escassez, agravada pela crise sanitária mundial que vem sofrendo há um ano e meio, está tomando as ruas para exercer seu legítimo direito de protesto. Díaz-Canel, sucessor no poder do regime totalitário de Castro, negou sem vergonha a repressão, mas, é claro, exigiu a defesa da “revolução” contra os “opositores”. Eu acho que nunca defendi o regime cubano, embora quando eu era (também) jovem eu ainda quisesse pensar que era algo diferente, não tão sangrento e opressivo como outros sistemas comunistas da Europa Oriental, e que ainda havia alguma esperança de que ele se movesse em direção ao socialismo. Não demorou muito para eu ficar desiludido e, se quisermos fazer uma crítica devastadora, podemos resumi-la na falta de liberdades, na ineficiência econômica do Estado e na total ausência de gestão da sociedade civil em todas as áreas da vida, apesar da propaganda do regime.
Sim, a retórica da Revolução Cubana continuará a insistir em seu caráter socialista e emancipatório. Nunca houve a mínima dica disso, e tornar a revolução subsidiária e dependente do “socialismo” soviético na época deveria ser um sinal gritante de fracasso (ou burla). Em Cuba pude observar a mesma exploração e as mesmas diferenças de classe que em qualquer sistema capitalista, juntamente com a opressão feroz de um regime totalitário. A análise é tão simples quanto que alguns cubanos puderam desfrutar de uma vida com acesso a todos os benefícios, enquanto a grande maioria viveu na escassez e continua a viver até hoje. Os cubanos foram reprimidos a tal ponto que a dependência do turismo, agora inexistente devido à pandemia, levou a um sistema de apartheid no qual eles não podiam desfrutar do conforto daqueles que visitavam a ilha. Sim, alguns dos que ainda defendem o regime aludem ao fato de que qualquer turista é legitimado a julgar a tremenda pobreza da ilha sem levar em conta o bloqueio ianque ou as conquistas da revolução. A evidência do fracasso, incluindo o fracasso moral, é demasiada e, sim, o embargo americano da ilha é tão criminoso quanto o bloqueio ao qual a classe dirigente cubana submete seu povo. Quanto às supostas conquistas, das quais qualquer sistema, por mais repressivo que seja, se vangloria, devemos nos perguntar a nós mesmos a garantia e o nível dessas conquistas e a que preço.
Já no início de 2021, e diante das manifestações pacíficas do povo, o regime implementou regulamentos para proibir os comícios em um constante recuo em medidas autoritárias. Entretanto, ainda não há sinais de conduzir a revolução para uma verdadeira democracia e um socialismo autenticamente emancipatório. As únicas medidas parecem sustentar o estado de coisas e continuar a estabelecer um abismo entre a elite e o povo. É verdade que há 15 anos, com o desaparecimento do punho de ferro de Fidel Castro de cena, algumas reformas foram realizadas, como o levantamento das proibições mais absurdas e a promoção da iniciativa privada na economia. É por isso que algumas pessoas tentaram ver uma deriva do chamado socialismo, que nada mais é do que capitalismo estatal, para um capitalismo privado compatível com a ditadura, ao mesmo tempo em que permanece um sistema tremendamente autoritário. Talvez, diante desta promoção da busca dos interesses próprios de cada indivíduo, que não é outra coisa senão o capitalismo, com a capacidade de se desenvolver em todos os tipos de regimes, sejam eles abertamente autoritários ou sob o pretexto da democracia, estas manifestações sejam uma esperança para a articulação de um movimento cooperativo e libertário em direção a uma sociedade mais humana. Os libertários cubanos, dos quais existem alguns, continuam trabalhando por uma sociedade auto-organizada, sem exploração, sem acumulação de recursos, sem imposições autoritárias e, é claro, unidos pela solidariedade. Não, não é ser um idealista ingênuo, é ser pragmático sem deixar de lado a moralidade diante do horror dos sistemas elitistas nos quais continuamos a viver.
Juan Cáspar
13 de julho de 2021
>> Foto: repressão policial durante os protestos em Cuba
Fonte: https://exabruptospoliticos.wordpress.com/2021/07/13/cuba/
Tradução > Liberto
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Primeira chuva de inverno —
O macaco também quer
Uma capinha de palha.
Bashô
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!