Na era digital, temos celebridades de várias esferas artísticas e produtores de conteúdo com milhares de seguidores em suas redes sociais, onde cada posicionamento e ideia que pregam têm o poder de impactar desde mentes muito jovens em construção até os mais velhos.
O quanto o discurso de ódio propagado como opinião nesse cenário pode endossar pensamentos e comportamentos de pessoas que compactuam com a mesma ideia, mas que só tem medo de demonstrar?
No que muda se essas palavras virem de figuras com peso secular, como padres ou presidentes?
A “voz do povo”
Apesar de o Alabama racialmente segregado nos Estados Unidos da década de 1950 ter abraçado a voz extremamente violenta e racista de Asa Earl Carter, nem mesmo os preconceituosos conseguiram aguentar a intensidade com que o homem pregava o antissemitismo.
Foi assim que também aconteceu em 1938, quando o padre Charles E. Coughlin, simpatizante do nazismo, usou de seu acesso irrestrito às rádios dos Estados Unidos para disseminar a palavra assassina de Adolf Hitler como uma “mensagem católica”.
Com sermões cada vez mais políticos e instrumentalizando a fé, Coughlin alimentou manifestações, campanhas de envio de cartas com causas direitistas e tentou jogar o presidente Franklin Roosevelt contra o povo, chamando-o de “mentiroso e traidor”. Só durante os domingos, mais de 30 milhões americanos paravam para ouvir o que o padre tinha a dizer.
Em 20 de novembro de 1938, ele falou que os judeus eram culpados por serem perseguidos pelos nazistas, que haviam sido tolerantes no surto de selvageria que foi a Noite dos Cristais. Ele usou sua voz para espalhar fake news sobre a extensão do caos que foi aquela noite em Berlim, minimizando os fatos e ainda reforçando que o alvo dos nazistas eram os comunistas, não os judeus.
Diante disso, uma estação de rádio de Nova York rompeu com o padre. “Sua transmissão de domingo foi calculada para incitar conflitos religiosos e raciais na América”, disse uma carta da rádio WMCA. Outras estações de rádio nas cidades de Chicago e Filadélfia também cancelaram o contrato com o homem. O presidente da National Association of Broadcasters (NAB), Neville Miller, disse que as rádios não poderiam tolerar “aquele tipo de abuso de liberdade de expressão”.
Rechaçado
Cínico, Coughlin alegou que foi “mal interpretado” e que tinha intenção apenas de “despertar simpatia pelos cristãos perseguidos por comunistas”. Por outro lado, a imprensa coordenada por Adolf Hitler celebrou o que considerava “hipocrisia americana”, ironizando o país livre e dizendo que os cidadãos não tinham permissão para ouvir a verdade. E foi por isso que turbas de seguidores fanáticos do padre protestaram em frente às estações de rádio.
Roosevelt declarou que, permitir que o rádio se tornasse um meio de propaganda egoísta de qualquer caráter, seria vergonhosamente injusto abusar de um grande agente do serviço público. Ele também ressaltou que a transmissão de rádio deveria ser mantida em uma igualdade de liberdade.
Para a jornalista Dorothy Thompson, Charles Coughlin representava “uma ameaça à democracia com suas falas” e que deveria ser retirado do ar.
A NAB atualizou seu código de conduta estabelecido em 1929 sobre a apresentação justa e imparcial de ambos os lados de questões polêmicas para conseguir lidar com a situação, impedindo que as estações de rádio vendessem tempo no ar para apresentações de pessoas como Charles Coughlin.
Obviamente, o padre alegou que seus direitos estavam sendo violados, embora ele mesmo estivesse violando direitos ao querer disseminar o ódio. No século XIX, os filósofos Karl Popper e John Rawls chamaram isso de “paradoxo da intolerância”, discutindo sobre em qual ponto a tolerância de uma sociedade não deve ameaçar sua própria sobrevivência.
O governo só conseguiu lidar com Coughlin quando os Estados Unidos entraram para a Segunda Guerra Mundial e o Departamento Federal de Investigação (FBI) prendeu 17 de seus seguidores em uma quadrilha envolvida com espiões nazistas. Em um instante, não havia mais espaço para os disparates do padre.
agência de notícias anarquistas-ana
A ponte é um pássaro
de certeiro vôo: sua sombra
perdura na lembrança.
Thiago de Mello
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!